sexta-feira, 11 de junho de 2010

Baratos da Ribeiro lança coletânea 'Clube da Leitura'

Enviado por Miguel Conde
O simpático sebo Baratos da Ribeiro acaba de lançar um livro de contos do seu clube de leitura, que apesar do nome funciona mais como espaço pros habituês do lugar apresentarem e comentarem entre si seus próprios escritos. "Clube da Leitura: Modo de Usar, volume 1" reúne 24 contos escritos por 19 autores de idades e estilos variados. Nesta entrevista ao blog, Maurício Ribeiro, dono do sebo e organizador do volume, fala sobre o livro e conta como o grupo surgiu.

Como se formou o clube de leitura do sebo? Quem são seus integrantes?

No sebo Baratos da Ribeiro, como em todos os outros, existe uma galera que “bate ponto”, aparecendo tanto para conferir as novidades no acervo como para jogar conversa fora. Em geral, moram no bairro, mas nem sempre – tem quem se despenque do Engenho Novo, Santa Teresa ou Leblon, e quem tem na livraria uma escala para, por exemplo, o dentista ou a casa da sogra. Há muito tempo que esse pessoal pedia por um evento literário, já que com música sempre armamos muitas farras. As pulgas atrás da nossa orelha eram duas: primeiro, já existem muitos saraus de poesia na cidade – e sempre achei uma pena esses movimentos se multiplicarem ao invés de juntarem esforços – e, segundo, achava os eventos literários tradicionais muito enfadonhos, e sempre quis que os eventos da loja fossem tão divertidos e descompromissados quanto uma ida ao cinema.

Aos poucos, foi se formando uma idéia, a partir de inúmeros pitacos dados pelos habituês. A FLIP teve uma participação nisso, porque se tornou um dos programas mais esperados do ano por mim e minha esposa, um momento em que esbarrávamos em vários dos clientes da loja, e se acendeu o desejo de mantermos rotineiramente aquele tipo de envolvimento com a literatura. Outra experiência que não nos saía da cabeça era o PeepShow Literário que a escritora Mara Coradello organizou no sebo em 2004, e que conseguiu ser dinâmica e divertida.

Até que, em 2007, vislumbramos no formato do jogo uma maneira de reunirmos um pessoal interessado em literatura, mas nos protegendo daqueles debates pseudo-acadêmicos e solenes que costumam dar o tom desses eventos. A opção pela prosa adveio da percepção de que esse era um gênero pouco explorado nos outros eventos cariocas, e no fato de sermos, eu e Danielle, realmente leitores habituais de romances e contos, e não de poesia.

O Clube da Leitura tem muitos participantes eventuais, e outros estiveram conosco por um tempo e depois sumiram. Cláudia Hertz (artista plástica) e Nelson Meirelles (músico), por exemplo, estiveram nas reuniões que botaram a bola em campo (algumas vezes acompanhados do filho de 14 anos, entusiasta precoce da literatura), mas andam pintando só nos aniversários do Clube. Maíra Fernandes de Melo, jornalista e roteirista, fez um curso que, por alguns meses, a impediu de comparecer. O grupo que assina os contos publicados na antologia que lançamos em julho é o mais assíduo, e a partir deles podemos perceber quão variado é o perfil dos freqüentadores.

Eu e minha esposa acabamos de entrar na casa dos 30 anos. Ela, Danielle Costa, é funcionária pública e advogada de formação. Quando a conheci, tinha muitos contos na gaveta, um livro de haicais e escrevia uns poemas eróticos que nunca me mostrou. Dos nossos contemporâneos, Renato Amado é advogado da Petrobrás e publicou um romance pela Multifoco no ano passado. A psicóloga Vivian Pizzinga teve de ser quase arrastada até o Clube pelo seu namorado de então, o ilustrador Johandson Rezende. Escreve faz tempo, mas das primeiras vezes em que contribuiu pro Clube, foi embora da reunião antes que lessem seu texto, de tão envergonhada que ficava – bobagem, seus contos são ótimos. Ronaldo Brito Roque, formado em Letras, era bancário da Caixa Econômica até há poucos meses, quando resolveu ir atrás de felicidade e pediu demissão – tem um romance pronto que ajudei a revisar, e que teve uma microtiragem vendida para os amigos e no balcão do sebo.

Tem também a galera que viveu o Circo Voador no Arpoador, freqüentou o Crepúsculo de Cubatão e ainda pegou a macrobiótica na crista da onda. Carmen Molinari foi da galera mais bicho-grilo, mas acabou trocando a carreira de atriz pela vida mais mansa de gerente de uma joalheria – mantendo alguma saudável porra-louquice, afinal ama as Artes Plásticas e a poesia performática do Chacal. Júlio Rodrigues é capixaba radicado no Rio desde sua especialização em pneumologia. Foi aqui que o médico deu asas a outro de seus talentos, tornando-se também artista plástico e vídeo-maker. André Tag se alterna entre o jornalismo e a corretagem de imóveis. Márcia Vitari também é jornalista, além de viajante compulsiva – e às vezes uma atividade alimenta a outra. A catarinense Glória Celeste é formada em Letras / Alemão, e depois de uma longa temporada no Rio partiu para Recife, onde recebeu uma proposta de emprego. Guilherme Preger também está sempre em trânsito, por força do seu trabalho como engenheiro da Furnas, mas em paralelo sempre exercitou outras aptidões, sejam atléticas, como a capoeira, ou não, como a poesia – publicou “Capoeiragem”, pela Sette Letras. Mestre em Literatura pela UERJ, se arriscou na prosa depois de freqüentar o Clube da Leitura.

Com mais estrada temos a Deborah Geller, que trabalha como corretora de seguros e é mãe de um talentoso ator, o Eduardo. Sempre escreveu pelo prazer de contar histórias, sem pretensões maiores, e viu no Clube uma oportunidade para descobrir outros autores – dos contemporâneos àqueles com alguns séculos de carreira – e ter conversas estimulantes com outras pessoas interessadas na ficção. Gisela D´Arruda é tradutora, terapeuta holística e pesquisadora de religiões afro-brasileiras. Numa de suas corriqueiras idas ao sebo para trocar e comprar livros, foi surpreendida por aquele grupo lendo livros numa roda. Ficou, gostou e, afinal, publicou com a turma.

A “vanguarda” do grupo, considerando a pouca idade, é formada pela Ágata Sousa (paulista de 20 anos que veio para o Rio estudar tradução na PUC), Daniel Russel Ribas (jornalista que continua ligado à PUC, onde estuda agora Cinema) e Rudá Almeida - técnico de informática que mora no Bairro de Fátima e lê de tudo o que aparece (com um invejável pouco caso para o cânone do que se considera “literatura séria”). Além do Saulo Aride, que tem uma história curiosa: logo após formar-se em Direito, percebeu que o trabalho de advogado não era a sua, e decidiu ter como ganha-pão a escrita. Esse movimento teve inicio na época em que o Clube foi fundado, e de lá para cá Saulo escreveu muitos roteiros para televisão, fez um longo curso em Nova Iorque e deu seus primeiros pulinhos na dramaturgia. Assina a peça humorística “Rádio no Ar” (em cartaz no Teatro dos Grandes Atores, no Shopping Barra Square) e está preparando um monólogo com o ator Duda Ribeiro, inspirado em parte da experiência do ator como professor de teatro em manicômios judiciários. Com apenas 23 anos, conseguiu seu intento de pagar suas contas escrevendo ficção, e juntará suas trouxinhas com a noiva, Bárbara, em março próximo.

Em que momento o clube de leitura virou também um clube de escrita?

Eu sempre tentei dar maior ênfase à rodada de leitura dos autores já estabelecidos na praça. Um motivo é minha própria falta de tempo para ler: o contato breve que tomo com autores diferentes, dos quais me são entregues de bandeja os melhores trechos, me ajuda muito enquanto livreiro, amplia meus horizontes literários. Também temia que a galera fosse mais esforçada do que talentosa. Foi uma imensa felicidade descobrir-me enganado. Desde o inicio prevíamos uma leitura de contos próprios, mas pensava que seriam poucos voluntários. Em poucos meses, a rodada competitiva já havia conquistado colaboradores regulares, entusiasmados com a competição amigável. Hoje em dia é comum termos mais textos para serem lidos na segunda rodada do que na primeira. Com o tempo inventamos novas formas de premiação, tirando proveito da excitação criada pelo jogo. Na verdade a galera espontaneamente tentava, por exemplo, adivinhar quem havia escrito o quê (mantemos a autoria dos textos em segredo até a votação do público), e durante um período distribuímos prêmios para quem acertava mais em seus palpites. Em dezembro de 2007 o volume de contos já era tamanho que criamos o blog dentro do site do Sebo Baratos da Ribeiro: www.baratosdaribeiro.com.br/clubedaleitura

A literatura é geralmente tida como uma atividade solitária. O que muda quando ela se torna uma empreitada coletiva?

Acho que a literatura nunca é uma atividade solitária. Mesmo o mais recluso dos escritores está dialogando e concorrendo, pelo menos, com os outros autores que ele admira. Quem simplesmente está despejando para fora as suas divagações, sem nenhuma intenção de publicação, faz terapia e não literatura. Basta que o sujeito tenha alguma expectativa de ser lido para estar acompanhado, nem que seja do seu leitor imaginário.

Creio inclusive na competição como um método de aperfeiçoamento de qualquer talento. Quando os escritores se encontram e conversam mais, quando eles submetem seus trabalhos à apreciação dos colegas, o desejo de impressionar faz o empenho aumentar. Mesmo que o colega meça suas palavras para não melindrar o companheiro, a falta do elogio já dá o recado de que isso ou aquilo não agradou tanto. Quando o camarada só mostra seus textos para a família ou os amigos, o risco dele se auto-iludir, se deslumbrando com os elogios pouco sinceros desses leitores por demais cúmplices, é muito grande.

Sou muito interessado no Renascimento. Uma das coisas que me encanta nesse período histórico em que a Arte atingiu um patamar de qualidade tão alto é, por exemplo, o reduzido repertório de temas dos quadros. Todo mundo pintava os mesmos motivos, e o esforço do artista para criar uma Pietá melhor do que as outras fazia com que surgissem soluções miraculosas para temas que já haviam sido exaustivamente tratados. Nosso esquema em que os escritores se inspiram no mesmo texto para criarem seus contos segue essa filosofia de que, ao olharmos para o mesmo tema por diversas perspectivas, pensamos com mais profundidade sobre elas, e obtemos resultados mais interessantes. Novamente em sintonia com o Renascimento, é como se aplicássemos na arte uma abordagem parecida com o da ciência, onde milhares de pesquisadores usam sua imaginação para investigar as mesmas questões. E aí, independente de estarem todos nos mesmos lugares, ou trocando e-mail, o esforço realmente se torna coletivo.

Vocês leem seus pares - ou seja, outros autores brasileiros contemporâneos? Quais?

Até hoje foram uns 60 encontros, e, a julgar pela média por rodada, calculo uns quase 500 textos. Tentamos registrar uma espécie de ata, mas nem sempre lembramos de anotar o que acontece. Sei que, dentre os fragmentos eleitos como mote da rodada competitiva, existem algumas figuras extra-literárias (de Fausto Fawcett ao Diogo Mainardi), algumas jovens escritoras consagradas (como Patrícia Mello e Carola Saavedra), novíssimos talentos (Daniel Galera, J.P. Cuenca e Reginaldo Pujol Filho) e até gente que publicou apenas em blogs e fanzines (como a Camila Aguiar, de Niterói, e Ronaldo Brito Roque, que colocou uns 20 exemplares do seu romance para circular na praça).

Os hábitos literários entre os freqüentadores são muito variados. Guilherme é dos medalhões - traz sempre um Proust ou um Dostoiévski -, enquanto no outro extremo está Rudá, volta e meia com algo tirado de um blog nas mãos. Minha esposa já levou pro Clube a Adriana Lisboa, a Ana Beatriz Guerra, a Adriana Lunardi e o Marcelo Moutinho. (Meninas puxam sardinha para as vozes literárias femininas, e os meninos para os seus porta-vozes?) Eu sou fã do Marçal Aquino, mas também já fiz propaganda da Márcia Denser. Mas realmente, advoguei mais pelos “manos”: Mariel Reis, Sérgio Rodrigues, Marcelo Benvenutti, Paulo Scott, Joca Terron e Paulo Roberto Pires, pelo que recordo agora. Ah, teve a Vanessa Barbara, que lançou o “Livro amarelo do terminal”, que adorei.

Como organizador dos encontros, você enxerga pontos em comum na produção dos frequentadores?

A maior dificuldade para quem começa a escrever ficção é abandonar o tom de crônica, já que de início a fonte de inspiração mais à mão é a própria vivência do autor. A escrita de cada um nasce quase como um registro de sua fala, a autoria começa óbvia para quem convive com o sujeito e já o ouviu contar uns causos na mesa do botequim. Com o tempo o autor começa a suar para disfarçar essa “personalidade”. No Clube da Leitura os escritores começaram, num certo ponto, a se divertir escrevendo “disfarçados” uns dos outros. (Principalmente na época em que tínhamos o bolão onde se tentava adivinhar as autorias.) Esses movimentos podem ter criado traços estilísticos comuns no trabalho do pessoal, mas eu não tenho formação teórica em literatura, e não saberia identificar essa transformação. Como o Clube é de leituras, feitas em voz alta, os textos têm em geral uma tendência ao tom mais coloquial. O tamanho deles também está limitado nas regras (é de 3.500 caracteres), o que faz com que a maioria dos contos tenha poucas cenas, retratando em geral momentos, por assim dizer, de “iluminação íntima” dos personagens. Mas tem de tudo: contos angustiados e urbanos e contos memorialistas ambientados no campo, em tom idílico. Contos onde eventos misteriosos e mágicos acontecem, contos desencantados sobre gente durona e mal encarada. Contos sobre amores platônicos, e contos cheios de sacanagem. Em geral os contos mais bem-humorados também recebem mais votos do público... Mas tem autores que não estão nem aí pra isso, então a diversidade permanece... Para nossa sorte.

Fonte: O Globo

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