sábado, 12 de junho de 2010

Aprenda a ler no futuro

Em seus novos livros, Umberto Eco e Jean-Claude Carrière são personagens e testemunhas sobre o futuro do livro impresso

Sérgio Lüdtke
ACERVO ON-LINE
O livro de Robert Darnton busca pontos comuns e
vantagens mútuas que conectem as bibliotecas com a internet

Você que lê livros e também textos na internet haverá de concordar que não há experiências de leitura mais distintas. Enquanto o livro exige a completa atenção do leitor e o guia, palavra a palavra, linha a linha, numa trilha única até o ponto final, na internet o leitor pega carona em links que atraem sua atenção e o levam por caminhos desconhecidos, desbravados pela curiosidade e pelo interesse que novos temas são capazes de criar. Nesse verdadeiro processo de sedução, a conclusão nem sempre é o objetivo. Esse navegar impreciso, que leva o leitor a encontrar coisas ao acaso, é chamado de “serendipidade” (serendipity), termo emprestado de um texto do inglês Horace Walpole.

Os e-books e os tablets, aparelhos que se apresentam como os suportes de leitura que substituirão os livros impressos em papel, prometem aproximar essas duas experiências de leitura. Pergunta: o que aconteceria se esse descompromisso com a linearidade, característica da internet, viesse a contaminar os e-books e mudar definitivamente o modo como abordamos a página de um livro? Dois livros recém-lançados tentam responder à pergunta – e se propõem a discutir o futuro do livro: A questão dos livros – passado, presente e futuro (Companhia das Letras, 231 páginas, R$ 42,50), do historiador americano Robert Darnton, e _Não contem com o fim do livro (Editora Record, 272 páginas, R$ 39,90), do pensador da linguagem italiano Umberto Eco e de Jean-Claude Carrière, escritor e roteirista francês que trabalhou com o diretor espanhol Luis Buñuel.

O livro é ainda o mais moderno de todos os meios de comunicação. Ele inventou a portabilidade muito antes do jornal e do iPad. Sustenta-se com as mesmas características mesmo passados mais de cinco séculos desde que Gutenberg inventou os tipos móveis para imprimir suas Bíblias em escala. Eco e Carrière chegam a considerar o livro como a roda, um ser ou uma ferramenta de perfeição insuperável, que obriga a civilização a simplesmente repeti-la infinitamente. O que melhor explica a longevidade do livro impresso em papel talvez seja sua autonomia. O livro é uma espécie de célula, um ser único. Tanto que todas as mudanças perceptíveis que o futuro propõe ao livro enquanto objeto não passam de funcionalidades agregadas a essa matriz.

E-books e tablets, porém, não são somente livros. São também bibliotecas portáteis – uma evolução logística que surge paralelamente à revolução no hábito e na experiência da leitura. E esse é o grande desafio que o livro hoje enfrenta. Para Robert Darnton, a explosão dos modos eletrônicos de comunicação é tão revolucionária quanto a invenção da impressão com tipos móveis. Resta saber se isso equivale a uma reinvenção da roda.

Mas, afinal, qual será o futuro do livro? Darnton, Eco e Carrière, escritores, mas também bibliófilos, apegam-se ao passado para mirar o futuro. Não fazem previsões, mas expõem seus temores. Procuram valorizar o papel do livro – o livro em papel – tanto como registro histórico e cultural das civilizações quanto sujeito. Insistem no legado do livro tal como ele hoje ainda se apresenta e acreditam em sua perenidade.

Darnton é mais objetivo e se aproxima do futuro quando alerta para a perigosa onipresença do Google e para a destruição da memória. E não esconde a excitação com uma possível democratização do conhecimento, que “parece estar na ponta dos nossos dedos”. Darnton acredita que podemos tornar realidade o ideal enciclopédico dos iluministas de tornar o conhecimento acessível a todos.

Os diálogos de Umberto Eco e Jean-Claude Carrière seguem por outras vias e são uma encantadora e divertida viagem no tempo, um encadeamento de histórias em que o livro e os escritores são personagens e testemunhas. Os dois olham com alguma desconfiança para o futuro, mas não são descrentes. Eles acreditam no valor do livro e fazem uma homenagem à leitura e ao prazer que ela oferece. Ironicamente, a forma que escolheram para marcar a diferença do que é e do que pode vir a ser a experiência da leitura, diálogos em que uma conversa leva à outra, que se encadeiam como por acaso, é a melhor expressão da “serendipidade” em livro.
DIÁLOGO
Carrière (à esq.) e Eco renovam a crença no
futuro do livro e homenageiam o prazer da leitura
Fonte: Época

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