terça-feira, 22 de junho de 2010

A leitura pelas mãos da mãe

Pesquisa: estudo com 92% da população brasileira confirma que as mães são as grandes incentivadoras das crianças no processo de ler por prazer

Sammya Araújo
Desde muito se debate na mídia, na academia e nos governos políticas de fomento à leitura no Brasil, onde a média de aquisição de livros por pessoa ainda é pífia: apenas um exemplar por ano. Mas quem seria capaz de melhor incutir nas crianças e nos jovens tão proveitoso hábito? A solução é caseira: as mães. Um em cada três leitores brasileiros tem lembrança de suas mães lendo e 49% declararam que foram elas suas grandes incentivadoras no processo de ler por prazer. Entre os menores, de 5 a 10 anos de idade, o índice salta para 73%.

A importância da influência materna foi uma das conclusões da segunda edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, encomendada pelo Instituto Pró-Livro, entidade fundada pelo setor livreiro, ao Ibope Inteligência. No final de 2007, foram estudados 92% da população, o equivalente a 172,7 milhões de pessoas.

Divulgado no ano passado, este é o maior levantamento sobre o assunto já feito por aqui: na primeira versão, em 2001/2002, foram ouvidos 49% dos brasileiros. Agora, Retratos... envolveu 34,7 milhões de crianças entre 5 e 13 anos e 51,5 milhões de pessoas com menos de três anos de escolaridade, faixas que ficaram de fora no levantamento anterior.

A socióloga Zoara Failla, gerente de Projetos do Pró-Livro e consultora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), participou da equipe técnica da pesquisa. É dela o capítulo “Os jovens, leitura e inclusão” da publicação em que foi organizada a Retratos da Leitura no Brasil. Zoara esteve em Campinas como uma das representantes da entidade durante o 17o Congresso de Leitura no Brasil (Cole).

Metrópole - Apesar dos índices ainda baixos e da ampliação do universo estudado, a pesquisa concluiu que houve aumento de leitores no Brasil.

Zoara Failla - Sim. Os leitores, considerados os que declararam ter lido ao menos um livro nos últimos três meses, passaram de 1,8% para 3,7% da população. Com todos os cuidados na análise proporcional, percebemos que houve, sim, um aumento importante.

E o que explicaria esse incremento positivo?

Nesse período, houve melhoria na escolaridade do brasileiro, o que está diretamente relacionado à frequência da leitura. Além, é claro, da política de incentivo a bibliotecas e distribuição de livros para o Ensino Médio. O melhor padrão de renda também pode estar contribuindo para isso. Mas o que percebemos é que os grandes motivadores não estão na escola. A mãe foi a figura mais citada e o pai ficou em terceiro. É dentro de casa que as crianças passam a gostar de livros.

Independentemente da escola?

A escola está em segundo lugar. Por um lado, isso preocupa, porque parece que a escola não está cumprindo seu papel de fomentar a leitura por prazer.

O papel das mães é primordial, então?

E precisa ser estimulado. Dizer às mães, “olha como é importante a sua participação, ler em casa, contar histórias para os seus filhos, presentear com livros.” Aliás, esse foi outro dado revelador: 80% dos leitores foram presenteados com livros na infância, contra 15% dos não-leitores.

Quando a senhora fala em apresentar livros para as crianças, não está se referindo a livros didáticos. Como a mãe pode categorizar que tipo de leitura é importante para formar o hábito?

A leitura nunca pode ser obrigatória. E o livro didático aparece, com exceção de alguns educadores que conseguem trabalhar isso de forma diferenciada, como tarefa. Então precisamos, principalmente, descobrir o que a criança e o adolescente gostam. Eles têm que ter livre escolha.

Como conduzir esse processo?

Você cativa alguém para algo mostrando como é gostoso, interessante. Há livros infantis maravilhosos, que a criançada adora folhear. Devemos possibilitar que elas lidem com aquelas imagens e mostrar que ali tem uma história, uma descoberta, que pode levar a um sonho, a uma fantasia. Se a mãe consegue entrar nesse mundo, com certeza vai fazer com que o filho sinta curiosidade para abrir aquele livro por si mesmo.

De que forma essa facilitação ocorre na frase pré-escolar? Pelo ato de contar histórias, pelo próprio exemplo dos pais manuseando livros...

Tudo isso. Contar histórias, porque a criança entra num reino de fantasia. Como referência, porque filhos imitam os pais. Tendo livros em casa, mostrando que são importantes. E criando jogos: pedir para a criança tentar descobrir o final da história, criar a sua versão. Introduzir aquilo em seu mundinho de brincadeiras.

Algumas obras infantis são muito caras. Há o crescimento das bibliotecas, mas o livro para a criança, como a senhora citou, é um companheiro de brincadeiras, que ela sente prazer em possuir. Como superar esse impasse?

Na verdade, as bibliotecas têm poucos livros infantis com riqueza de imagens. Mas hoje há livrarias que são verdadeiros shoppings e possibilitam que se manuseie os livros, que se leia... O desejo de ter o livro talvez até seja uma estratégia interessante para fazer com que a criança o valorize. Mas o mais importante é cativar pela história. E compre um que o seu poder aquisitivo permita.

Uma pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) apresentou recentemente uma tese defendendo o valor dos gibis na formação de leitores. Qual sua opinião?

Eu mesma aprendi a ler com gibis. Como disse antes, é importante cativar a criança com aquilo que ela gosta, e o gibi é uma forma mais lúdica de contar histórias. Possibilita principalmente que a criança perceba que é prazeroso ficar sozinha, lendo. Porque hoje elas têm muitas atividades e perderam momentos de introspecção, fundamentais para desenvolver a criatividade e despertar-lhes outras competências.

Por que a escola não consegue formar leitores perenes, que foi outra das conclusões da pesquisa?

É a obrigação, o desconsiderar a fase de leitura da criança. Você dá um Machado de Assis num momento errado. Pega uma obra belíssima e a transforma numa tarefa com questionários, em vez de permitir não só que o aluno escolha, mas interprete à sua maneira. Afinal, ele não é um crítico literário e tem que aprender a gostar primeiro. A escola peca nesse sentido. Mas já há discussão e vários cursos de formação nessa linha.

Por que ler é importante?

Além de pensar na literatura como um mundo de fantasia, de descoberta de outras culturas, de entrar no subjetivo de outras pessoas, não podemos esquecer que a leitura nos permite também acessar todo o conhecimento humano. É um mundo a ser revelado a partir de um protagonismo próprio.

Um comentário:

  1. Bom dia!

    Zoara Failla, este nome me faz recordar do tempo que eu era office boy na Fundap e a Sra Zoara Failla era a gerente de RH, isso jé fazem 13 anos, Hoje sou advogado e adoro ler, pena que naquele tempo não conversei mais com a Sra, pois hoje em dia com certeza seria bem melhor do que sou...
    Reportando a esta coluna concordo plenamente que os métodos de leitura em nossa sociedade ainda carece de prática, e creio firmemente que as crianças devem ser estimuladas ao hábito de leitura pelos seus pais, pois entendo que hoje tenho hábito de ler pelo menos duas horas dias devido a minha mãe sempre ter estimulado a leitura principalmente de gibis.
    Zoara, gostaria que soubesse que ainda guardo uma lapiseira de madeira que você me deu e que serve até hoje para marcar parágrafos que destaco como importantes.
    Meus Parabéns pelo tudo que você significa e representa.

    Mirael Rodrigues

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