Luciana La Fortezza
Sem relação emocional e incentivo de pais e professores, é muito difícil fazer com que crianças e jovens leiam livros
“Leitura é uma forma de felicidade e nenhuma felicidade pode ser obrigatória.” A frase do escritor Jorge Luis Borges mostra o caminho a ser trilhado para reverter a preocupante realidade do País, onde apenas um em cada cinco cidadãos tem o hábito de ler. Se a literatura é um devaneio, que trata especificamente da condição humana, de seus êxitos, sonhos, amores e sofrimentos, como explicar o fato de tantos brasileiros estarem alijados desse prazer?
Seja pelo convidativo sol forte, pelo dado genético que nos propicia molejo nos quadris, pelo intenso apelo da imagem (trabalhada na televisão para ser consumida imediatamente, sem qualquer esforço) ou pela pobreza material capaz de tornar supérfluo um livro, um batalhão de pessoas jamais se encontrou ou se descobriu na literatura. Sem a relação emocional, é difícil transformar leitura em hábito.
Se encontrar um companheiro próximo ao ideal exige esforço, humildade para com o amigo interessado em apresentar uma pessoa especial, além de paciência para identificar virtudes e defeitos do outro, com os livros parece não ser muito diferente. Em alguns casos, o amor à primeira vista acontece e cedo. Para grande maioria, o enlace ocorre mais tarde, após a apresentação de vários títulos. Um dia, a identidade se dá com um deles e, finalmente, começa a história de amor com a literatura.
O trajeto, no entanto, não é fácil. Como grande parte das famílias não tem o hábito de ler, inclusive por conta do contexto socioeconômico, resta às escolas fazer a introdução. Eis aí um novo obstáculo. Parte dos professores também não é leitor. Oriunda das classes populares, muitos consumiram leitura massificada. E é com base no repertório que indicará livros aos próprios alunos.
“Na escola, praga mesmo não é o professor que não manda ler, é o professor que não lê. Quem não lê não sabe o que está perdendo e, portanto, não tem por que aconselhar ou criar oportunidades para que outros leiam. A experiência de leitor é intransferível”, afirma Sírio Possenti, doutor em linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Não por acaso, muitas leituras na escola são feitas de modo impositivo, com objetivos práticos e utilitários, sem qualquer relação com a realidade dos alunos. A partir daí, fácil entender a resistência construída com o passar dos anos. Difícil é reverter a situação.
Mudar esse contexto exige do professor (muitas vezes de alunos já da graduação) habilidades múltiplas. Para cavar espaço para o texto literário, alguns promovem leituras coletivas, dramatizadas e realizam oficinas, por exemplo. Empenho para garantir ao outro um prazer que acalanta a vida e, de quebra, oferece noções como de filosofia, geografia e política.
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Exemplo de prazer precisa estar em casa
De preferência, a criança precisa ter um modelo em casa para desenvolver o hábito de leitura, diz o professor de Libras Luis Mateus da Silva Souza, da Universidade do Sagrado Coração (USC). Na opinião dele, quanto mais cedo a criança tiver acesso a livros, melhor.
“Se os pais não leem em casa, por mais que incentivem, se a criança não está vendo que é gostoso, que eles fazem também, acaba não sendo motivada. Os pais têm de ler para a criança, com a criança e ler sozinhos também. De modo geral, a leitura é importante, independentemente se for para informar, divertir ou passar o tempo. Mas é preciso ter contato com bons textos”, explica.
O quanto antes tiver acesso ao material de qualidade, mais cedo terá condição de desfrutar de clássicos literários, em que o grau de dificuldade é maior. “Na hora de premiar uma criança, deve-se fazê-lo com livro. Às vezes, a criança tem acesso a computador, videogame, mas nunca ganhou um livro”, comenta.
Não é o caso de Iara Souza Godoi, 3 anos e 9 meses. Quando ela tinha apenas 2 meses, a mãe dela entrou numa corrente de livros infantis. A partir de então, passou a construir o próprio acervo, conta Gretta Rodrigues de Souza.
Psicóloga, ela nunca deixou de lado seus próprios livros, que continuam ocupando espaço na cabeceira da cama. Não é raro quando ela e a filha Iara, cada qual com seu livro, se deitam na cama para aproveitarem, individualmente, algum conteúdo.
Atenta às fases da filha, Gretta procura histórias que possam contribuir com cada momento. Iara ainda recebe títulos das primas, Nathália, de 11 anos, e Maiah, de 6 anos, também ‘chegadas num livro’.
Por conta do gosto delas e do filho mais velho, Mateus (12 anos), a dona de casa Michelle Gaio comprou um livro com 365 histórias, uma para cada dia do ano. “Sempre leio. É uma leitura em família. Adoram”, comenta.
Atualmente, no entanto, Michelle tem se preocupado com a leitura do primogênito, considerada por ela como ‘pesada’. “Estou quase tirando”, comenta. No caso dos três irmãos, o gosto pelas palavras também vem do berço.
O pai é compositor, tem material espalhado por todos os cantos da casa. Além disso, os pais se atentam para a preferência dos filhos. Segundo especialistas, existem livros para cada faixa etária.
“Mas é importante ressaltar que não podemos levar à risca as dicas. Embora exista certo padrão de gostos e gêneros textuais para cada faixa etária, é preciso estar sensível, ter uma visão apurada para promover situações de leituras e escolher livros apropriados para cada realidade encontrada”, acrescenta o professor da USC.
De acordo com Luis Mateus, as recomendações para crianças dos 10 aos 12 anos são exemplo. “É perfeitamente possível e até um tanto quanto frequente encontrarmos crianças e pré-adolescentes que não estão tão familiarizados com o ato da leitura e, com isso, podem não apreciar livros mais densos, maiores e sem imagens”, observa.
Na visão do professor, esse aspecto pode ser relevante porque o hábito da leitura não é tão difundido, de modo geral, nas famílias brasileiras. “Algumas crianças chegam a ter contato com livros da literatura infantil e infanto-juvenil somente na escola”, conclui.
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A gente faz o livro
A estudante Nathália de Camargo Barath, 9 anos, gosta de ler. Por conta das gravuras, elegeu a “Bíblia para Crianças” como sua obra preferida. Ganhou da madrinha. Mas é no pai que se espelha para debruçar-se sobre as palavras. “A gente fez até um livro”, comenta empolgada. “Depois que pegamos o jeito, vai”, diz Willy Barath Jr, pai dela.
No ano passado, ele leu cinco títulos. Em 2010, já foram três. “Eu comento muito com a minha esposa sobre o que leio e a Nathália ouve, presta muita atenção. Incentiva. O exemplo é fundamental”, garante. Na opinião dele, o hábito passado de pai para filha deve facilitar para a pequena na elaboração de redações, por exemplo.
Fonte: Jornal da Cidade de Bauru
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