Carlos Eduardo de Oliveira Klebis
Numa sociedade hedonista, na qual o prazer apresenta-se como o norte de todas as aspirações sociais, seja pela narcose cultural da mass media, seja pelo consumismo desenfreado — talvez a única utopia possível às sociedades capitalistas do século XXI —, não é de se estranhar que a literatura hodierna apele para o comodismo fruitivo e refrigerante do entretenimento beócio, ou para a idiotia pseudo-literária da auto-ajuda e da psicografia estelionatária.
Na vertente lítero-orgásmica do prazer da leitura, desde o quarto final do século passado, muitos são os trabalhos acadêmicos (a começar pelo célebre O Prazer do Texto, de Roland Barthes) que levantaram a bandeira do “ler por prazer” como o estandarte pedagógico da contemporaneidade. Tais trabalhos, movidos pela legítima preocupação de democratizar a leitura e o acesso ao livro, arrebanharam um séquito numeroso de educadores (entre os quais me incluo) que lhes engrossaram o coro — atitude que reputo como digna e louvável, diga-se de passagem —, entoando a ladainha da leitura prazerosa, na luta pelo renascimento de uma prática cultural bastante enfraquecida em nossa sociedade.
Contudo, também no rumo da promoção da leitura enquanto atividade prazerosa, debatendo-se pela sobrevivência de um setor amedrontado pelas novas tecnologias da informação e comunicação que atropelaram a humanidade nas décadas finais do século XX, a indústria livreira e o mercado editorial no terceiro mundo vêm direcionando, de forma cada vez mais evidente e significativa, os seus investimentos às publicações que lhes conferem maior projeção e lucratividade, obedecendo, naturalmente, à lei da oferta e da procura. Assim, observamos a ampliação paulatina do número — hoje já astronômico — de publicações light e descartáveis nas áreas de auto-ajuda e esoterismo, posto que mais viáveis economicamente, talvez por serem de menor densidade e complexidade do que a poesia, o romance, ou outras leituras que demandem senso estético, reflexão crítica e bom repertório cultural e lingüístico.
Daí a multiplicação de títulos tais como Quem mexeu no meu queijo?, Quem ama, educa, O monge e o executivo, Nunca desista dos seus sonhos, Alunos brilhantes, professores fascinantes" (e toda a leva de escritos do sr. Augusto Cury, oportunista de sucesso e “bola-da-vez” do mercado de auto-ajuda no Brasil). E para não dizer que não há romances — porque poesia não há mesmo — que ainda cativem o grande público, registremos aqui toda a pseudo-literatura do mago e acadêmico (logo, imortal) Paulo Coelho, que estourou recentemente mais um best-seller, intitulado A bruxa de Portobello; as estúpidas memórias da não menos estúpida socialite carioca Narcisa Tamborindeguy, com seu Ai, que loucura!; e, é claro, o famigerado romance pornográfico de Bruna Surfistinha, O doce veneno do escorpião, que encabeçou por quase cinqüenta semanas a lista dos mais vendidos no país. A propósito, a julgar pelo histórico de sua autora, a leitura da obra deve ser, sem dúvida alguma, prazer garantido!
O interessante é que, mesmo entre os educadores que ainda defendem a leitura como forma de prazer (e sou um deles, repito), há os que não mais encontram consolo nas já desgastadas propostas educacionais relativas à formação de leitores em nossas escolas, nem conseguem fechar os olhos à mediocridade das políticas públicas em torno da leitura e do livro no Brasil; mediocridade esta tão gritante quanto a que se espalha pelos catálogos e estantes das grandes livrarias brasileiras.
Se são capengas a promoção pública da leitura e a formação de leitores no Brasil, que dizer da formação e promoção de novos escritores! Ser leitor de Camões, Machado de Assis, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, Drummond, Clarice Lispector e tantos outros autores que enriqueceram e inovaram a tradição literária em língua portuguesa pode, hoje em dia, inviabilizar a carreira autoral de um jovem escritor brasileiro. Para ser escritor no Brasil da “leitura prazerosa”, é preciso estar disposto a rastejar a pena ao rés-do-chão da literatura, da cultura e, sobretudo, da linguagem.
Aos que, por excesso de Q. I. (Quem Indique) ou por oportunismo mesmo, pretendem se aventurar no vale-tudo que caracteriza a atual conjuntura do mercado editorial brasileiro, uma coisa é certa: em tempos de indigência, boçalidade e miséria cultural, o prazer vende! E vende bem!
Carlos Eduardo de Oliveira Klebis é professor universitário dos cursos de Letras, Pedagogia e pós-graduação em gestão escolar da Faculdade Cenecista de Capivari (FACECAP) e pesquisador da Unicamp na área de educação
Fonte: Correio Popular
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