terça-feira, 22 de outubro de 2013

O hábito de leitura e sua saúde

Por Luciana Ribeiro

Os benefícios da leitura e os impactos diretos na saúde de quem lê. Todos os dias recebemos uma avalanche de informações sobre saúde, principalmente a saúde do corpo: alimente-se bem!, exercite-se com frequência!, beba água!, entre outras. Todos almejam sentir-se bem e ter bons hábitos faz parte disso. É exatamente esse o assunto que abordaremos aqui, dessa vez sob um enfoque não muito habitual, a respeito de uma prática que, apesar de todos os benefícios, poucas vezes é associada à saúde: a leitura. Se você chegou até aqui: parabéns! Você já está praticando!

 A escrita possibilitou o registro do pensamento humano e o acesso às ideias de outrem. Marcou o fim da pré-história e, desde então, alicerça a evolução do homem, permitindo que o conhecimento acumulado seja passado de geração em geração. Os registros, inicialmente gravados nas paredes das cavernas, evoluíram do papiro ao papel, até chegar ao meio digital. Hoje, os meios de acesso à informação são os mais diversos, entre eles: livros, filmes, computadores, internet. Os três últimos, por oferecerem uma interação mais dinâmica e que não exige grandes esforços, representam forte concorrência à prática da leitura.

 Um exemplo disso é o fato de muitas pessoas optarem por ver o filme ao invés de ler o livro. Ao tomar essa decisão, têm acesso à imagem projetada na tela, imaginada por outra pessoa e disponibilizada dentro dos limites permitidos pelos recursos utilizados. Por outro lado, aquelas que optam por ler o livro, constroem as imagens de acordo com o seu próprio universo e vivência, de forma única, ilimitada.

Dificilmente a película supera as imagens criadas pela mente. Estudos mostram que o tipo de imaginação gerada quando se lê um livro é muito diferente da imaginação gerada ao assistir um filme. A leitura estimula a imaginação, a criatividade, a compreensão do mundo e a autocompreensão. Por isso, quem lê o livro e depois assiste o filme, geralmente se frustra.

 Tem mais: a leitura enriquece o vocabulário, leva a uma melhor escrita, aumenta a capacidade de organizar as ideias e, consequentemente, de expressá-las, estimula a memória, estimula a criatividade, eleva a autoestima. Tantos benefícios exercem impacto direto na saúde e no dia a dia de quem lê, influenciando desde a capacidade de raciocínio e comunicação até a qualidade do sono. A leitura abre portas para novos mundos, dá acesso a outras formas de pensar, permite uma viagem sem sair do lugar.

 Aquele que não possui o hábito de ler pode começar por publicações periódicas, tais como jornais e revistas. Textos na internet também são uma boa opção. Para dar início, escolha aquela que se encaixe com o seu perfil, que vá de acordo com os seus gostos e interesses pessoais e, sobretudo, que proporcione algum grau de satisfação. Para a prática da leitura, não há tempo nem idade certos e não há contraindicação. O importante é dar o primeiro passo.

Portanto: alimente-se bem, exercite-se regularmente, beba água…e leia!


Luciana Ribeiro é Brasiliense. Graduada em Biblioteconomia pela Universidade de Brasília. Pós-graduada em Gestão Estratégica da Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.


Fonte: Revista Biblioo

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Gostar de ler: o desafio da educação

por Regina Wielenska

"Crianças são abertas ao mundo, depende de quem as educa, evitar que ler se transforme num castigo insensato, numa obrigação sem fim" Fim de expediente no consultório, eu saí carregada de livros e encontrei no elevador um médico, que trabalhava no mesmo prédio. Simpático, puxou prosa comigo e comentou: "Psicólogos têm essa mania de ler, né? Faz mais de 20 anos que eu não leio um texto que não seja da minha especialidade". Fiquei desconcertada, não me senti à vontade para dizer que estava pasma, inconformada com a serenidade com que ele afirmou aquilo.
Afinal, pensava eu, tratava-se de um docente numa importante universidade de São Paulo, médico respeitado na comunidade. Tornar-se muito bom em sua área do conhecimento parece que o desconectou da literatura e da subjetividade inerente aos textos do universo não estritamente científico. Aí eu me perguntei: será que ele alguma vez gostou de ler crônicas, contos, romances, ensaios e outras obras? Afinal, seu comentário parecia apenas constatar um fato, sem sinal de arrependimento, vergonha ou pena.

Lembrar dessa experiência me remeteu a outras, que me ajudaram a entender o episódio acima. No jardim da infância da escola pública onde estudei, num certo dia da semana, a classe visitava a "casa de madeira", uma construção pré-fabricada, anexa ao pátio. Aquilo era o paraíso para nós: uma professora diferente, talvez estagiária da Escola Normal (era assim que se chamava o curso de formação de professores naqueles idos da década de 60), lia histórias pra a classe ou nos propunha ouvirmos disquinhos com clássicos infantis musicados pelo compositor Braguinha. Muito cedo na vida descobrimos como as palavras e ilustrações contidas nos livros eram divertidas e interessantes.

Ao final do primeiro ano do primário (atualmente, Ensino Fundamental) a escola organizava uma cerimônia de entrega do primeiro livro, destinada aos alunos que acabaram de se alfabetizar. Cada um de nós ganhava um livro, com dedicatória da professora. Os pais estavam presentes, não faltavam aplauso e parabéns.

Do segundo ano em diante, até o fim do primário, tínhamos duas horas semanais de visita na biblioteca da escola. Cada aluno escolhia o que bem desejasse (na última semana do mês podia até ser história em quadrinho).

Na segunda série do ginásio (imagino que seja o sétimo ano do Ensino Fundamental), Dona Maria Helena, professora de Português cujo sobrenome lamentavelmente me escapa à lembrança, instituiu que teríamos uma atividade diferente das aulas convencionais. Toda quinta-feira ela passava metade da aula interpretando em voz alta um texto de autoria de algum brasileiro. O conto "Moça, Flor e Telefone", de Carlos Drummond de Andrade, foi escolhido para a estreia.

A história, em poucas palavras, começa assim: a protagonista gosta de passear pelas terras do cemitério quase abandonado, perto de sua casa. Num belo dia, arranca pela raiz uma flor que brotara, certamente ao acaso, perto de um túmulo abandonado. Mais tarde, recebe o primeiro telefone de uma longa série: uma voz indefinível, obstinadamente pede que lhe devolvam a flor que fora arrancada do túmulo. Os telefonemas continuam, até que a moça resolve levar flores à sepultura abandonada. A voz, num telefonema horas mais tarde, lhe comunica que não quer outra flor, e sim aquela que lhe roubaram... Quem não gostaria de saber o epílogo?

O toque do sino propunha o início do recreio. A professora apenas nos dizia; "que pena, continuamos na semana que vem". Com ar de quem não quer nada, acrescentava a informação de que havia ao menos um exemplar daquele livro na biblioteca da escola. Houve gente que voluntariamente ficou sem recreio, para ir à biblioteca emprestar a obra. Claro que quem terminasse de ler um conto, aproveitaria para ler o seguinte. Se gostasse do livro, buscaria então mais obras daquele autor. Foi assim que passamos a gostar de Lygia Fagundes Telles, Fernando Sabino, Clarice Lispector e outros mais.

No colegial (agora Ensino Médio) a bola da vez foi dividida entre duas pessoas também verdadeiramente com vocação para o ensino: a professora de Português, e o de Inglês, respectivamente Theresinha Lisieux Vasconcelos e Fernando Silva. Suas aulas nunca se restringiam à disciplina que lhes cabia, a tão contemporânea transversalidade curricular ainda não tinha esse nome, mas era praticada por ambos.

A Palavra, matéria-prima da comunicação, em qualquer idioma que fosse, se revelava ferramenta de mudança, de crescimento. Motivados a nos conhecer melhor, ao outro, ao mundo, explorávamos as nuances da língua. Dominando as palavras, nos qualificávamos para viajar pelas dimensões da Literatura e de outras artes, descobrir a ciência, filosofar, amar, crescer, descobrir vocações e fazer a política possível nos anos da ditadura militar. Neste fértil ambiente sóciocultural, um aluno se tornava agente da educação do outro, num positivo efeito cascata.

A biblioteca, os sebos e as livrarias se tornaram amigos meus, e também dos meus amigos. E aí eu me pergunto: por acaso alguém teria se dado ao trabalho de conduzir aquele médico, desde cedo na vida, a flertar com a beleza oculta nos livros? Talvez, para ele, ler fosse apenas uma obrigação, imposta a custo de ameaças e castigos. Ler, na sua história de vida, não se tornou um prêmio, honra, lazer, oportunidade a ser desfrutada sempre que possível, a grande chave do mundo.

Dessa turma da escola, tenho a honra de conviver regularmente com umas 20 ou 30 pessoas: todos permanecem fiéis aos livros, alguns encontram graça no estudo a ponto de continuarem a frequentar bancos escolares, no grupo há escritores, e outros são docentes. Tivemos muita sorte de estar naquela escola pública naquele exato período.

Queria ser capaz de inspirar mais educadores, através deste relato nostálgico, a se empenharem no projeto de restituir aos seus alunos o fascínio pelos livros. Isto não depende de nível sócioeconômico ou de instrução dos pais. Depende, isto sim, de compromisso, perseverança, criatividade, empenho. Crianças são abertas ao mundo, depende de quem as educa, evitar que ler se transforme num castigo insensato, numa obrigação sem fim.

Regina Wielenska
é psicoterapeuta na abordagem analítico-comportamental  

Fonte: Vya Estelar

Prática de leitura mantém cérebro ativo ao longo da vida

por Elisandra Vilella G. Sé

"Práticas de leitura ajudam a manter a funcionalidade intelectual ao longo da vida, mantendo a mente ativa e prevenindo déficits de memória e declínios das funções cognitivas - capacidade de adquirir e reter conhecimento" Imagina-se que as pessoas mais velhas passem mais tempo lendo do que as pessoas mais jovens, pelo fato da leitura ser uma atividade que não exige tanto esforço físico e a maior parte das pessoas mais velhas ser aposentada e com tempo mais livre para sua prática. Mas não é bem assim. Geralmente as pessoas mais velhas depois de se aposentarem não leem mais.
Os adultos mais velhos que leem muito são os que geralmente foram quase leitores vorazes quando jovens. Se considerarmos apenas os adultos mais velhos, que são leitores ativos, então existem certas diferenças intrigantes entre eles e seus pares mais jovens.

Os leitores mais velhos ativos passam mais tempo lendo, mas significativamente a maior parte do tempo é reservada à leitura de jornais e revistas. Isso significa que a prática de leitura dos mais velhos não é tão intensa a ponto de desenvolver e manter a habilidade da leitura, porque o conteúdo dos jornais pode ser fácil comparado às exigências de um romance de peso, por exemplo. Da mesma maneira que a falta de treino intenso reduz o desempenho de um atleta, a falta de leitura de textos, livros de ficção, romance, biografias, documentários, pode provocar um declínio nas habilidades de leitura. Não se sabe por que ocorre essa mudança nos hábitos de leitura ao longo da vida.

Muitas pessoas quando chegam à velhice sentem que já leram quase toda ficção que gostariam de ler e não querem reler obras das quais já conhecem os enredos. Os adultos jovens talvez leiam obras mais “pesadas” para aperfeiçoar-se. Os mais velhos já não têm esse impulso competitivo. Seja qual for a razão, eles escolhem leituras fáceis, tipo periódicos, jornais ou ficção leve na maior parte do tempo. Além disso, eles parecem se divertir tanto com suas leituras quanto os adultos mais jovens.

A leitura é uma “atividade interativa complexa de produção de sentidos”, ou seja, quando lemos um texto estamos captando ideias do autor, interagindo com ele, mobilizando saberes. A capacidade do uso da linguagem, que diferencia o homem de outros animais, é uma admirável capacidade de formar ideias no cérebro dos demais. Portanto, a leitura é uma atividade na qual se levam em conta as experiências e os conhecimentos do leitor, exigindo dele um conhecimento dos sistemas da linguagem (conhecimento gramatical), o conhecimento de mundo ou enciclopédico (vocabulário, conceitos, representações) e o conhecimento sociointeracional (conhecimento sobre as ações verbais, formas de inter-ação através da linguagem). Tais conhecimentos envolve, também, o saber sobre as práticas peculiares ao meio social e histórico em que vivem os leitores para que possa existir o devido reconhecimento do que está sendo lido.

Quando lemos um texto não somos simplesmente um decodificador de textos, um receptor passivo, e sim sujeitos com conhecimentos em processo de interação com o conteúdo que gostamos ou que nos interessamos em ler. Dessa forma a leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento pelo assunto, sobre o autor e de tudo que sabe sobre a linguagem. É uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, para haver a devida compreensão. As práticas de leitura ajudam a manter a funcionalidade intelectual ao longo da vida, mantendo a mente ativa e prevenindo de déficits de memória e declínios das funções cognitivas.

Estilo de vida e letramento

As práticas de leitura estão relacionadas ao estilo de vida das pessoas e ao seu grau de letramento. 

Letramento se define por um “conjunto de práticas de comunicação social” relacionadas com o uso de materiais escritos, que envolvem ações de natureza não só física, mental e linguístico/discursiva como também social e político/ideológica. Letramento não é o mesmo que alfabetização ou nível educacional, ou seja, não corresponde ao aprendizado do código escrito. O letramento se refere ao contexto e práticas sócioculturais determinadas. Tem a ver mais com o conhecimento e os usos que o sujeito tem da língua e realiza com ela, do que com a formalização do aprendizado do código escrito que a pessoa apresenta. O letramento é a habilidade de se colocar em prática todos os comportamentos necessários para desempenhar adequadamente todas as demandas de leitura. 

A deficiência visual também é um fator que prejudica a manutenção dos hábitos de leitura na velhice. A visão da maioria das pessoas mais velhas piora e a acuidade visual diminui. Estudos estimam que 23% das pessoas mais velhas são incapazes de ler textos em impressão normal. Uma solução para isso é imprimir livros com caracteres maiores. A impressão maior facilita a leitura para as pessoas com dificuldade visual. 

O importante é que se mantenham as habilidades de leitura ao longo da vida, a prática da leitura aumenta a *densidade sináptica no cérebro, aumentando o número de conexões neuronais. E a ação reflexiva dos indivíduos sobre a língua, além de possibilitar o bom funcionamento intelectual, auxilia na manutenção das competências na velhice devido ao enriquecimento de estratégias sóciocognitivas acumuladas ao longo do curso de vida, na qual se inclui a leitura e a escrita.

*Densidade sináptica: refere-se ao número de neurônios e consequentemente maior comunicação entre as células nervosas.

Elisandra Vilella G. Sé
é Fonoaudióloga, Mestre em Gerontologia e Doutoranda em Lingüística

Fonte: Vya Estelar

Biblioterapia: Por que hábito de leitura faz bem à saúde

por Alex Botsaris

"A constatação que a leitura melhora alguns problemas é clinica. Ou seja, foi percebida nos pacientes, sem que houvesse uma ideia exata de como isso ocorria. O hábito de ler ajuda na atividade cerebral: lentifica as ondas cerebrais induzindo a um estado de mais relaxamento e estimula a memória; além da influência do conteúdo da leitura"
Biblioterapia - "Não somente o ato de ler é benéfico, mas os conteúdos também são importantes para os resultados esperados. A prática da biblioterapia está em escolher conteúdos, tipos de texto, tamanho e ritmo de leitura, adequados, para o resultado esperado. Por exemplo, a leitura adequada para insônia é mais lenta e repetitiva. Não é adequado propor um texto excitante de um romance para isso. Por outro lado, muitas ficções romanceadas podem ajudar na elaboração de conflitos pessoais, e por isso estão indicadas em diferentes problemas psiquiátricos. Alguns psicóticos, como portadores de esquizofrenia, têm uma excelente adaptação a poesias e outros textos altamente simbólicos" Biblioterapia é um termo criado por médicos norte-americanos durante a Segunda Guerra Mundial. Nessa época psiquiatras que acompanhavam as tropas americanas notaram que os soldados feridos, que tinham acesso à leitura, e liam muito durante sua recuperação no hospital, tinham uma evolução melhor, em diferentes tipos de problemas de saúde, comparados àqueles que ficavam sem nada para fazer.
Baseados nessa observação, esses psiquiatras conseguiram um incentivo para dar acesso à leitura a todos os pacientes, ao mesmo tempo que começaram a investigar o efeito da leitura em alguns problemas psiquiátricos. Na sua investigação, soldados, que tinham um problema comum nas guerras, chamado estresse pós-traumático, também se beneficiaram da leitura de livros. Isso popularizou esse tratamento entre médicos militares.

Hoje em dia a VA (Veterans Administration) entidade que cuida da saúde dos militares norte-americanos possui um extenso manual de biblioterapia, com indicação para várias doenças psiquiátricas, além de disponibilizar biblioterapêutas para seus pacientes. No material da VA há indicação de uso da leitura específica para tratar depressão, ansiedade, distúrbio bipolar, transtorno obsessivo compulsivo, esquizofrenia, dependência química, programas de bem-estar, prevenção de várias doenças, distúrbios sexuais, e obviamente, em estresse pós-traumático.

Não só na experiência do VA, mas também em outros centros de pesquisa e universidades do mundo, o emprego da biblioterapia em psicologia e psiquiatria tem sido crescente. Entretanto, num segmento, o da a psicologia e psiquiatria infantil, essa técnica se revelou especialmente eficiente. Um dos pioneiros nessa área foi o psicólogo austríaco radicado nos Estados Unidos, Bruno Bettelheim, diretor por muitos anos do Instituto Sonia-Shankman para crianças psicóticas em Chicago. Ele descobriu o poder de histórias, mitos e jogos infantis sob o estado psicológico das crianças, e utilizava exclusivamente esses recursos no tratamento de seus pequenos pacientes, com resultados extraordinários. 

Bettelheim costumava selecionar um grupo de mitos e histórias, conforme o histórico das crianças, que ia contando, até descobrir qual tinha mais impacto. Em geral os pacientes sinalizavam que gostariam de ouvir novamente a história que mais se encaixava em sua problemática – e então revisitando muitas vezes a mesma história e trabalhando seu conteúdo simbólico, Bettelheim conseguia que essas crianças elaborassem seus conflitos. Hoje em dia, quase todos terapeutas de crianças trabalham com essas técnicas em virtude do sucesso relatado por psicólogos e psiquiatras em todo mundo. Bruno Bettelheim nunca usou o termo biblioterapia, mas a sua técnica, sem dúvida está dentro desse conceito.

Por que ler traz bem-estar mental?

Os estudos recentes mostram que o tipo de simbolização (e imaginação) que as pessoas fazem quando leem um livro é muito diferente daquela gerada por um filme ou outro método audiovisual. A pessoa constrói as imagens livremente em sua imaginação de acordo com seu universo conceitual. Dessa forma, ela adapta o imaginário da leitura, às suas vivências, e pode elaborá-las de forma mais eficiente, que nas experiências com recursos que possuem imagem, como o cinema. Também a leitura permite que a pessoa releia certas partes do conteúdo diversas vezes, quando há uma motivação, o que não ocorre em outros tipos de mídia. Isso reforça a importância da leitura, e o porquê da sua não substituição total por outras formas de acesso a informação e ao conhecimento.

Biblioterapia tem sido proposta para o tratamento de vários outros problemas de saúde além das doenças psiquiátricas. Uma das áreas onde há um forte benefício para o emprego da leitura é nos distúrbios do sono. Numa época onde os meios eletrônicos se expandem cada vez mais, e há indícios que essa expansão possa ter relação com o aumento dos casos de insônia e distúrbios do sono, resgatar a importância da leitura para regularizar o ritmo do sono é um avanço.

Leitura à noite pode ajudar a combater insônia

Talvez a primeira referência do uso da leitura no tratamento de insônia seja a lenda das mil e uma noites. Nela a princesa Xerazade, estaria condenada a morrer, porque o Rei Persa Xariar mandava decapitar todas esposas na noite seguinte às núpcias temendo uma traição. Ela escapa da morte contando histórias que fazem o rei dormir. Ansiando para saber o final de cada história, e agradecido por ela ter resolvido sua dificuldade de dormir, ele poupa a vida da princesa dia após dia contabilizando mil e uma noites, até que ele desiste da execução. Hoje em dia muitos especialistas em sono têm recomendado aos portadores de insônia para evitar televisão e computador no final do dia, trocando pelas páginas de um bom livro. As evidências são que ler a noite ajuda a reduzir a atividade cerebral, o que auxilia a conciliar o sono.

Há ainda referências de que a leitura habitual auxilia a minimizar o distúrbio de memória do idoso, conhecido pela sigla ARMI (age related memory impairment). Durante a leitura há um estímulo específico no cérebro que ajuda na formação de sinapses numa estrutura cerebral chamada corpo caloso. Em geral quanto mais conexões através do corpo caloso, mais conexões de memória a pessoa tem, auxiliando esse processo. Outra forma que a leitura ajuda na memória é melhorando a qualidade do sono, já que a memória transitória se transforma em definitiva nesse período.

Para ter alguns benefícios da leitura, basta começar a ler um bom livro todos os dias. Mas quando se trata de um tratamento com biblioterapia, a estratégia é mais complexa, e exige uma participação fundamental do terapeuta. No tratamento o terapeuta escolhe os livros que o paciente vai ler – que ele conhece o conteúdo – para, em seguida, conversar sobre os conteúdos lidos. O paciente pode receber uma recomendação de reler o texto, em situações específicas. Ele pode também ser estimulado a escrever ou desenhar sobre os conteúdos lidos. As vezes o biblioterapeuta pode ler os conteúdos para o paciente.

Não somente o ato de ler é benéfico, mas os conteúdos também são importantes para os resultados esperados. A prática da biblioterapia está em escolher conteúdos, tipos de texto, tamanho e ritmo de leitura, adequados, para o resultado esperado. Por exemplo, a leitura adequada para insônia é mais lenta e repetitiva. Não é adequado propor um texto excitante de um romance para isso. Por outro lado, muitas ficções romanceadas podem ajudar na elaboração de conflitos pessoais, e por isso estão indicadas em diferentes problemas psiquiátricos. Alguns psicóticos, como portadores de esquizofrenia, têm uma excelente adaptação a poesias e outros textos altamente simbólicos. 

No Brasil a biblioterapia ainda é muito incipiente. Alguns pesquisadores têm se interessado, mas a sua pratica é limitada pela falta de terapeutas treinados. Esperamos que em breve seja possível contar com mais essa ajuda para a saúde. Enquanto ela não vem, a solução é começar logo a ler um bom livro.

Alex Botsaris
é médico especializado em Medicina Complementar

Fonte: Vya Estelar

A arte de ler livros a crianças

Mafalda Milhões, Livreiras da O Bichinho de Conto e contadora de histórias 

Ler é ser, sentir, estar, imaginar, compor, reflectir e deixar-se levar.
Ler é ouvir, confiar e deixar-se ficar.

Ler é conjugar todos os verbos com o corpo todo, é sentir inquietação, vontade de viajar, correr pelo mundo e experimentar tudo. É perder a noção do tempo simplesmente à procura.

Ler é seduzir, alimentar, acordar escutas para uma aventura que só tem bilhetes de ida.

Ler é aprender a ver, a ouvir, a comer, a tactear, a cheirar.
O leitor usa os sentidos para ler mundo e a alma para acolher a memória.

Quem lê sente o  texto a dar voltas na cabeça, na boca, no coração e na barriga.
É a ler em voz alta que se esculpem as escutas e afinam os sentidos.

Do ponto de vista de um Livreiro ou de uma Livreira a Arte de Livros a Crianças implica o desenvolvimento de muitas competências que se fazem com muita paixão e o coração nas mãos. Implica sobretudo a vontade e a necessidade de abrir a porta todos os dias como quem abre um livro e se some na leitura.

Há que descobrir, encomendar, carregar caixotes, conferir, ler, reler, dar a conhecer, apresentar,  conjugar, brincar, cuidar, acolher e depois de tudo isto aquietar.
É preciso dar espaço, sentir necessidade, conhecer a escuta e descobrir o destinatário de cada narrativa. Cada livro tem um leitor à sua espera.

Por isso Ler livros a Crianças é uma espécie de recompensa. É lendo e contando que os narradores se convertem em livros vivos, textos animados que passeiam por aí. E de vez em quando sentam-se à sombra dos autores, refrescam-se com textos e oferecem o colo a quem quer sentir.

É na arte de ouvir e contar que a mediação de leitura acontece.
As crianças têm o poder de aumentar, encolher, recriar leituras a alta velocidade.
Talvez por isso, ler em voz alta ou em surdina a uma criança se transforme de imediato num desafio, uma aventura onde não há espaço para uma pessoa só.

A receita é simples:

Escolhe-se um livro a gosto.
Faz-se o refugado em metáforas, comparações e memórias.
Pisca-se o olho  com um ar cúmplice ao leitor, uma piscadela basta.
Oferece-se o colo, ajeitam-se os corpos e as escutas.
Lê-se como que conta um segredo e o sucesso é garantido.

A qualidade do momento converte qualquer história na mais fantástica de todas.

Para quem tem filhos, basta querer, pois nem o melhor contador de histórias do mundo é capaz de competir com um pai ou com uma mãe apaixonados pelas suas crias.

Para os avós, as leituras são de memória.

A minha avó era uma artista. Uma contadora de histórias que nos ensinou a arte de saber pedir outra vez.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Questões de Literatura: A leitura de torná-lo mais inteligente?

Literatura quebra a continuidade do cotidiano e nos faz parar e pensar, observa Vieira.

Patricia Vieira é Professor Auxiliar no Departamento de Espanhol e Português da Universidade de Georgetown. Ela é a autora de Vendo Política contrário: Visão na América Latina e Ibérica Fiction (Toronto: University of Toronto Press, 2011). 

 A leitura tem inúmeros efeitos, mas é difícil identificar exatamente como ele influencia cada pessoa e ainda mais difícil de traduzir esse impacto em termos de ganhos quantificáveis ​​[AFP]

Em uma reunião na universidade onde leciono, um colega lamentava que, depois de anos de pesquisa na escrita Studies, ninguém tinha ainda encontrado um caminho certo para transformar os alunos em bons escritores. Pode não ser uma solução mágica, mas a resposta para o problema está lá fora: ela está lendo! A correlação entre um ávido leitor e um escritor proficiente é bem conhecido para os pais que incentivam seus filhos a ler desde cedo e os professores que se esforçam para incutir nos seus alunos o amor pela literatura. Mas, se a conexão de leitura-escrita parece ser um truísmo, é mais complicado de avaliar o impacto mais amplo da literatura em nossas vidas. A literatura nos faz bem e, por outro lado, é bom para nós? 

Será que estamos mais felizes depois de finalmente terminar A Montanha Mágica? Será que todos os assassinos se arrepender, uma vez que li o final edificante de Crime e Castigo? Será que nos tornamos mais inteligentes, passando por Collected Poems de TS Eliot? 

Defensores da literatura geralmente tentam justificá-la em uma de duas maneiras. Alguns seguem uma abordagem utilitária e afirmam que a leitura nos faz bem, nos torna mais inteligentes e nos ensina coisas que nunca teria conhecido de outra forma. Outros preferem um argumento ético-moral e conceber a literatura como um caminho para transformar os leitores em melhores seres humanos. Vamos rever estas posições em nossa tentativa para determinar por que a literatura assuntos. 

Literatura é bom para você

Eu recentemente comecei a uma classe de graduação com foco em romances brasileiros em tradução Inglês, pedindo aos alunos por que ler literatura. Suas respostas improvisadas atingiu um catálogo dos pontos mais importantes sobre a "literatura-é-bom-para-você" lado do debate . Sem surpresa, os alunos foram unânimes em afirmar que a literatura leitura foi fundamental para a sua educação (afinal, eles estavam sentados em uma aula de literatura e foram provavelmente ansioso para estar nas boas graças do professor). 

Muitos estudantes acreditavam que a leitura lhes daria um melhor domínio da língua e melhorar a sua competência como escritores. Vários comentaram que as habilidades de análise e interpretação textual que adquiriram através da leitura e discussão de obras da literatura seria útil em outros campos de estudo e em suas vidas profissionais futuras. Alguns também mencionou que a literatura lhes oferecia insights sobre outras culturas e épocas, neste caso particular, a sociedade brasileira do século 19 e 20. Em suma, os alunos pensaram que a literatura era bom para eles na medida em que aperfeiçoou suas habilidades de pensamento interpretativas, argumentativa e crítica e ampliou seus conhecimentos. 

Numa altura em que a literatura é forçado a competir com outras formas de entretenimento, argumentos como os meus alunos vocalizado tornaram-se moeda comum. Literatura defende estresse que, na leitura, combinamos prazer com a aprendizagem e, portanto, fazer a maior parte do tempo destinado ao relaxamento em nossas agendas lotadas. Mas se a literatura nada mais é do que uma forma de adquirir habilidades e conhecimentos, ele não poderia ser substituída, por exemplo, por documentários ou por videogames educacionais?

 Outro argumento generalizado fez em defesa da literatura aponta para a sua capacidade de transformar os leitores em melhores seres humanos. Aqueles que defendem esse ponto de vista postular a existência de uma intrínseca - embora um pouco misterioso - ligação entre desfrutando de boa poesia ou romances clássicos e tomar as decisões morais corretas.
 
No entanto, o pedido de desculpas da literatura por motivos éticos e morais foi contestada pelo menos desde a Grécia Antiga. Para ter certeza, para Aristóteles, a literatura e, especialmente, a tragédia, fez-nos moralmente melhor, na medida em que nos expurgados das emoções negativas e impulsos em um processo conhecido como catarse. No entanto, Platão, professor de Aristóteles, era de uma opinião diferente. Ele achava que os poetas e as imagens falsas da realidade que girou em seus textos eram nocivos à sociedade, tanto que ele sem cerimônia os baniu de sua cidade ideal.
 
O que a literatura tem a dizer para si mesmo sobre este assunto? Como os escritores representados os efeitos de seu ofício? Visto através dos olhos de seus próprios criadores, a literatura tem sido julgado de maneira muito dura.
 
Por exemplo, em Don Quixote, obra-prima de Miguel de Cervantes, do século 17, a literatura não faz bem nem é bom para você. Na verdade, Quixote enlouquece de ler muitos dos romances de cavalaria populares na época e de tentar imitar os atos descritos nesses escritos. Mais de dois séculos depois, a mais famosa heroína de Gustave Flaubert, Emma Bovary, é conduzido ao adultério e ao suicídio depois, em parte devido à influência negativa de romances românticos, onde leu sobre amantes bonito e um estilo de vida glamuroso que contrastava fortemente com a apatia de sua própria existência.
 
A leitura tem inúmeros efeitos


Mas se a literatura não significa necessariamente torná-lo bom e não é certamente a única forma de entretenimento que é bom para você, o que é realmente para? A literatura ainda são importantes e, em caso afirmativo, por quê?
 
O problema com a maioria dos argumentos no debate sobre a leitura é que eles postulam literatura como um instrumento utilizado para atingir um determinado objetivo: ou o bem do indivíduo (que é bom para você) ou o bem da sociedade (isso te faz bem). Deixando de lado a questão de decidir se o que te faz bem não é, em última análise, bom para você, uma questão mais fundamental que surge é: por que a literatura precisa ser defendida em tudo?
 
A ansiedade para justificar a literatura é sintomático da nossa idade, quando todas as atividades devem ter um objetivo facilmente identificáveis. A dificuldade com a literatura, bem como com a música ou as artes plásticas, é que ele não tem nenhum propósito reconhecível ou, na formulação elegante de Immanuel Kant, ele encarna "intencionalidade sem propósito". Leitura certamente tem inúmeros efeitos, mas é difícil identificar exatamente como ele influencia cada pessoa e ainda mais difícil de traduzir esse impacto em termos de ganhos quantificáveis.
 
Literatura quebra a continuidade do cotidiano e nos faz parar e pensar. A experimentação linguística que é a marca do literário nos afasta do mais comum de ferramentas, a nossa língua, enquanto os elementos ficcionais de romances, peças e poemas nos oferecem um vislumbre de uma realidade que não é a nossa. Ao fazê-lo, a leitura nos proporciona uma experiência essencialmente humana: a percepção de que o que não tem necessariamente de ser, que as coisas podem ser diferentes e que um outro mundo é possível. A luta com ou o abraço de um trabalho de formas de literatura nossas esperanças e medos, sonhos e ambições. Questões de Literatura, em última instância, porque nos faz quem somos.
 
Patricia Vieira ensina no Departamento de Espanhol e Português da Universidade de Georgetown. Ela é a autora de Vendo Política contrário: Visão de Ficção Ibero-Americana Latina e (Toronto: University of Toronto Press, 2011); Cinema Português 1930-1960: a encenação do Novo Regime do Estado (Lisboa: Colibri, 2011; próxima com Continuum , 2013), e co-editor da Utopia existencial: Novas Perspectivas sobre o pensamento utópico (New York e London: Continuum, 2011).

Fonte: Al Jazeera