sábado, 19 de junho de 2010

Incentivo à leitura: Uma tarefa básica dos pais e um desafio aos professores

Para educadores, indicar os livros como fonte de conhecimento e opção de lazer é tarefa primária de pais e professores que, infelizmente, não vêm desempenhando suas funções satisfatoriamente. É preciso, ainda, entender que as novas mídias - como a internet e até mesmo os celulares - também podem ser vistas como meios de leitura

Julia Wiltgen

Se hoje o Brasil conta, segundo o IBGE, com uma taxa de analfabetismo de 10,4% entre pessoas com mais de 15 anos - o que ainda é um índice alto - o ensino deficiente é, também, um problema tão grave quanto a total falta de estudo. Um dos reflexos disso é a quase ausência de hábito de leitura entre os jovens em idade escolar e universitária, dizem especialistas. Para eles, se, por um lado, a prática não tem sido incentivada pela família, por outro, a escola não tem cumprido bem o seu papel, seja pela má-formação dos professores, seja pela má remuneração oferecida aos mesmos.


O presidente da Fundação Biblioteca Nacional, Muniz Sodré, frisa que essa falta de hábito de leitura é uma realidade do Brasil, especificamente. “Os jovens brasileiros lêem uma média de 1,8 livro por ano, o índice mais baixo da América do Sul”. O professor chega a questionar o critério de aferição desse dado, considerando que leitura envolve também outras mídias. “O livro está perdendo a hegemonia como repositório do conhecimento. Quando se lê no computador, ou se vê um filme ou um videoclipe, também se está lendo. É preciso rever esse conceito. No entanto, a falta de leitura de livros é alarmante, de qualquer forma,” diz ele, numa referência a uma geração que, no lugar de livros, traz um mundo de informações embarcadas na tecnologia de um celular que cabe na palma da mão. Muniz crê que a formação do hábito da leitura começa em casa, quando os pais têm livros e estimulam os filhos, mas que essa é uma realidade da classe média. Portanto, o governo deve criar projetos para o incentivo à leitura. “Para as comunidades mais pobres, deveriam ser criadas bibliotecas portáteis. O governo também tem trabalhado, tentando baixar os preços dos livros e implantando bibliotecas. É preocupante que elas ainda estejam ausentes em 613 municípios brasileiros,” revela.

Família, escola e mídia jogam contra os livros

Para Leodegário de Azevedo Filho, presidente da Academia Brasileira de Filologia (Abrafil), pais e professores primários não estimulam a leitura desde a infância, mesmo a literatura infantil brasileira sendo bastante desenvolvida. “O hábito de leitura deve ser iniciado na infância. É preciso que a família e os professores tenham consciência de que a leitura é fundamental para a construção da personalidade da criança. O Brasil tem uma das melhores literaturas infantis do mundo. É só uma questão de os docentes organizarem grupos de leitura com bons autores, de acordo com a idade, para haver motivação”, acredita. O gramático e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), Evanildo Bechara, concorda, embora chame a atenção para outros fatores. Ele acredita que, sem dúvida, o hábito de leitura construído pela família influi no desempenho escolar e que, antigamente, mesmo a família mais humilde tinha livros em casa. “As crianças ganhavam livros de aniversário, e eu acho que hoje em dia isso pouco acontece”, opina. No entanto, ele afirma que os meios de comunicação e a escola também não têm colaborado. Os primeiros, em especial a televisão e a internet, são atrativos que não só não estimulam como desviam da leitura. “Não há mais, por exemplo, os suplementos literários nos jornais,” diz. Já a escola, não apresentaria mais as antologias dos grandes escritores, limitando-se a trabalhar trechos de obras e de reportagens. Para a jornalista, escritora e presidente do Conselho Estadual de Cultura, Ana Arruda Callado, a falta de leitura entre crianças e jovens se deve ao sistema de ensino deficiente. “O problema todo é do sistema de ensino. Forma-se um professorado que não lê desde pequeno e que não incentiva o aluno a ler. Afinal, se, por um lado, os livros são caros, por outro, as bibliotecas estão às moscas. Uma solução para isso seria uma reciclagem dos professores,” sugere. Numa visão ainda mais pessimista, o professor de Língua Portuguesa da Unicarioca, Sérgio Nogueira, afirma que o “brasileiro nunca teve o hábito de ler. E isso é cultural. Hoje em dia, é ainda mais difícil desenvolvê-lo, pois existem apelos mais atraentes que o livro, como a TV e a internet. Reverter esse processo seria conseqüência de uma reforma no sistema de ensino, sem falar numa mudança de mentalidade das famílias.”

Na vida profissional, conhecimento fragmentado

Entre as conseqüências da leitura e da escrita deficientes nos meios profissionais, talvez a mais marcante seja a fragmentação do conhecimento. Para o professor Sérgio Nogueira, isso acarreta uma dificuldade de compreensão mais ampla do mundo, o que é prejudicial em qualquer profissão. “A cultura adquirida pela leitura é mais sólida e permanente,” afirma. Ana Arruda Callado, entretanto, ironiza. “A falta de leitura seria prejudicial profissionalmente se alguém se importasse com isso, hoje em dia. Eu leio coisas absurdas nos meios profissionais. As pessoas estão relaxando, não se preocupam mais em escrever corretamente. E a tal ‘linguagem da internet’ também dificulta.” Mas complicações nos meios profissionais acabam sendo só a ponta do iceberg. O professor Muniz Sodré é categórico. “A consciência da cidadania passa pela educação formal.” Para ele, um analfabeto total ou alguém que não domine bem as habilidades de leitura e de escrita acaba se tornando um cidadão de segunda classe, marginalizado.

Caminhos para o incentivo da leitura e da escrita

Para estimular a leitura e a escrita entre crianças e jovens são muitos os caminhos. Ana Arruda Callado frisa a importância da produção textual em sala de aula e da prova discursiva em todas as disciplinas, inclusive com a correção do português pelo professor. Além disso, acha imprescindível a leitura dos grandes autores. “Alguém pode dizer que Guimarães Rosa é entediante? Ou Graciliano Ramos? Ou Machado de Assis, João Ubaldo Ribeiro, Antonio Callado?”, questiona. Já Muniz Sodré considera as novas tecnologias na hora de se criar o hábito de ler. “É preciso incorporar o computador, por exemplo, ao se orientar a leitura. E incluir na bibliografia não só os clássicos da literatura, mas também textos novos e mais divertidos, que despertem a curiosidade do jovem”, sugere. O presidente da Biblioteca Nacional reforça, ainda, que a escola e a universidade não devem ser voltadas apenas para o mercado, mas sim vistas como lugares de formação ampla. “É preciso haver a mentalidade de que estudar não é uma atividade com idade para acontecer, visando o mercado de trabalho. Deve ser uma prática para a vida toda,” completa.

Valorização do professor é um dos caminhos

Evanildo Bechara e Sérgio Nogueira enfatizaram, no entanto, que a desvalorização do professor, hoje, é um agravante para a falta de estímulo dos jovens para ler e escrever. Bechara afirma que o papel do docente não é só ensinar, e sim estimular a aprendizagem, para que o aluno vá além do que foi visto em sala de aula. Mas isso seria difícil, uma vez que o professor não teria nem tempo para se preparar. “A sociedade precisa dar tempo para o professor ler, se reciclar, preparar as aulas, escolher textos que despertem a curiosidade dos alunos. Esse profissional tem sido uma vítima, pois não tem tido tempo de se aperfeiçoar, devido à grande carga de trabalho, e recebe um péssimo salário, o que o desmotiva,” explica. Sérgio Nogueira vai além, afirmando que incentivar os jovens a ler e a escrever melhor não é algo que possa ser resumido a uma dica. “O professor não consegue estimular um aluno a ler o que ele próprio não conhece ou não gosta. Por outro lado, com uma remuneração tão baixa, o profissional não tem estímulo para melhorar sua formação,” declara.

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