domingo, 18 de novembro de 2012

8 Motivos para apostar nos livros


Para gostar de ler: Ler para estar no mundo

 Publicado em Agosto/2012

Como pessoas que tiveram pouco acesso ao ensino formal se tornaram, pelos mais improváveis caminhos, leitores dedicados

Marcio Renato dos Santos

O olhar de José Carlos Fernandes capta mais sinais entre o céu e a terra do que podem supor analistas e estatísticos. O jornalista da Gazeta do Povo costuma encontrar sutilezas em linhas e entrelinhas, e saiu da leitura da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, publicada pelo Instituto Pró-Livro em 2008, com mais inquietações do que certezas. Naquele levantamento, o não leitor representava nada menos que 48% de todo o estudo — ou 77 milhões de brasileiros. Na aferição mais recente, divulgada neste ano, o número salta para 50%, o que representa 88 milhões de pessoas.

Os números têm potencial para provocar insônia contínua — afinal, sinalizam que quase metade da população de 190 milhões de brasileiros são não leitores.

A inquietação, no caso de Fernandes, se traduziu em pesquisa, entrevistas, análises e leitura. Entre 2007 e 2011, ele acompanhou 12 pessoas que, pelos mais improváveis caminhos, se tornaram leitores. A empreitada tem a finalidade de dar substância ao projeto de doutorado que ele vai defender, em breve, na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Os 12 leitores — da pesquisa de Fernandes — desafiam as estatísticas: deixaram a escola e, apesar disso, seguiram com a leitura. “Ler, para eles, é uma forma de tornar presente aquele prazer de descoberta do período escolar que, em alguma medida, lhes foi tirado”, diz o doutorando, que procurou encontrar as razões que levaram essas pessoas às páginas de livros, jornais e revistas.

Inevitável metamorfose

Quando ainda usava calça curta, Aldo de Brito Lima foi morar na Casa do Pequeno Jornaleiro, em Curitiba. Durante o dia, vendia revistas e jornais. À noite, estudava e, nos intervalos, passava os olhos nos produtos que o ajudavam a fazer um pé-de-meia.
Desde então, lê de tudo. Essa liberdade para fruir de Paulo Coelho a Dostoiévski sem culpa, nem medo de patrulha, chamou a atenção do jornalista e pesquisador da Gazeta do Povo. “Esses leitores, como Lima e os outros que acompanhei, leem de tudo e não se enquadram na máxima, segundo a qual o sujeito que lê vai 'melhorando' e se torna mais seleto. Eles não. Leem sem escrúpulos”, analisa Fernandes.

Após deixar a Casa do Pequeno Jornaleiro, quando tinha 18 anos, Lima trabalhou, entre outras atividades, comercializando seguros e imóveis — e, em meio ao cotidiano e todos inesperados, sempre leu. “A leitura é uma maneira de viajar, sair da realidade”, comenta o catarinense de Canoinhas, hoje com 76 anos. Ele, inclusive, diz que, a partir do que encontrou nas páginas de muitos livros, conseguiu fazer uma interpretação do próprio percurso: “Fui ou acabei me tornando um tímido. E acredito que, devido a essa característica, dessa vocação para o mundo interior, me transformei em leitor.”

Presente que abre o futuro


Aldo de Brito Lima
A leitura é uma maneira de viajar,
sair da realidade
”,
Aldo de Brito Lima, aposentado.
  
As estradas que levam ao universo da leitura são as mais variadas, e receber livros de presente pode funcionar como passaporte para entrar nesse admirável mundo de letras, enredos e símbolos. O italiano radicado em Curitiba , hoje com 76 anos, foi presenteado, ainda ragazzo, com romances e outras brochuras, e se tornou leitor — diferentemente dos 87% entrevistados pelo Instituto Pró-Livro, na pesquisa divulgada em 2012, que são não leitores e nunca receberam um livro de presente. Coincidência? José Carlos Fernandes não considera mero acaso.

O jornalista avalia que, no caso de Busani e dos outros 11 leitores que ele acompanhou, o fato de ganhar um livro pode ser o que fez a diferença entre, de fato, ler ou não ler. “Para eles, o livro, em algum momento, veio como presente, representando algo com valor, que inclusive pode e deve ser guardado embaixo do colchão.”

A leitura, e o Brasil, estavam no caminho de Busani. O pai dele veio fazer a América, ou melhor, implantar uma fábrica de máquinas de costura em Jundiaí, no interior de São Paulo. Aos 16 anos, ele tinha apego à namorada, ao cachorro e aos amigos daquele contexto, na Itália. Mas sofreu apenas na partida, e se adaptou desde o primeiro dia — lá se vão 60 anos de Brasil.

Aprendeu o português a partir de sua curiosidade — da mesma maneira que descobriu o idioma italiano perguntado, principalmente para a sua mãe, Ida, o que estava escrito nas placas de sinalização. O ziguezague da vida fez com que o técnico industrial, com formação equivalente ao atual ensino médio, viesse para a capital paranaense, onde foi admitido em uma empresa e passou por diversos cargos até ser nomeado gerente de planejamento. Ele acredita que, entre outros fatores, sua experiência de leitor o auxiliou, e muito, no percurso. “A leitura me deu tudo o que consegui na vida. O que me preparou para eu ocupar os postos nos quais estive foi o volume de livros que li. Aprendi muito lendo, inclusive com as obras de ficção”, afirma Busani.

Ilumina até a madrugada

Durante as aulas que leciona para os alunos do curso de Jornalismo, na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Fernandes costuma citar Terezina Nicola Hubie como exemplo de alguém que se potencializou para a vida por meio da leitura. “Um leitor tende a desenvolver uma relação rica com a realidade, passando a emitir opiniões e se desviando, por exemplo, da ideia-força do fatalismo e da alienação”, teoriza o jornalista.

De fato, a paranaense nascida em Porto Amazonas nunca se contentou apenas com o que estava pronto diante de seu campo de visão, como o trecho navegável do Rio Iguaçu e a mata de Araucaria angustifolia. No Grupo Escolar Rocha Pombo, onde estudou até os 13 anos, ela começou a perceber que os livros podem viabilizar algo parecido com super-poderes. A professora de geografia falava sobre a escravidão no Brasil, citava Gabriel García Márquez e comentava clássicos do cinema norte-americano, como o longa-metragem Casablanca. Terezinha também sentia vontade de conhecer aqueles assuntos, e falar a respeito de tudo aquilo. “Aquela professora estudava, lia, procurava saber. Segui o exemplo”, conta. Nascia, naquele momento, uma leitora.

A roda-viva gira. Até os 19 anos, ela — após deixar a escola — trabalha em uma loja e depois no escritório de uma serraria. Então, casa com Arthur Hubie e, a partir de 1952, atua na área do turismo. São 60 anos na capital paranaense e, apesar de contratempos, encontra tempo para ler. “A leitura é a melhor hora do dia”, confessa.

A leitora de 81 anos diz reparar que as crianças deveriam ler mais, incluindo os seus dez netos. “Quem lê, percebe tudo com mais clareza e não se deixa enganar facilmente”, afirma a mulher que acompanha o Programa do Jô, lê jornais, livros de Fernando Sabino e Carlos Drummond de Andrade e tem repertório para comentar a crise europeia, a pertinência da lanchonete popular do Aeroporto Afonso Pena e a sina do Coritiba em ser vice-campeão.

Fernandes faz os últimos ajustes no texto da tese e, um tanto aliviado, diz que cumpriu o seu objetivo inicial, de apresentar o perfil de 12 leitores — conteúdo que pode dar pistas de como é possível, apesar de pedras no caminho, se tornar leitor. “Sem o aval da escola, eles prosseguiram na leitura, têm vida pública, são reconhecidos e respeitados em seus grupos, e agem sobre o mundo”, reflete o jornalista e futuro doutor.

Ler, verbalizar e agir

Leia trecho da tese de doutorado sobre leitura e leitores que o jornalista José Carlos Fernandes vai defender na Universidade Federal do Paraná

A primeira marca está nas vias da memória: os 12 leitores se lembram, como se fosse um capítulo de uma saga, o momento em que a escola lhes foi tirada, apontando a cada um deles um destino diferente. O lugar que, como diziam os pais e parentes, lhes garantiria o futuro, não fazia mais parte da vida deles. Teriam de trabalhar ou cuidar de marido e de filhos ou mesmo dos parentes envelhecidos. Nesse momento, foi como se desaparecessem na multidão dos brasileiros que têm suas vidas demarcadas pelas obrigações com trabalho.

Como previram sociólogos aqui estudados — Simmel, Park e Elias —, no entanto, nem todos se entregam às engrenagens da sociedade industrial, fazendo vingar uma identidade própria em meio às imposições do concreto e do óleo diesel. É quando aparece a segunda marca. Apartadas da escola, essas pessoas aqui acompanhadas — o que pode se estender por analogia a quem quer mais que eles representam — ficaram órfãos do melhor indicativo que poderia haver para se tornarem leitores, profissionais e cidadãos, mas não perderam de vista as experiências gratificantes vivenciadas com os livros. Ler se tornou uma distinção em meio à realidade na qual foram lançados. A escola, de alguma maneira, permaneceu neles, ainda que não mais com eles.

Vingaram como leitores, e a seu modo. São únicos — pouco hierárquicos, instintivos, nada preconceituosos, versáteis e falantes. Falar é parte de sua condição de leitor, reafirmando a máxima de Bachelard de que “o sujeito falante é todo o sujeito”, o que indica que realizam a vida no espírito prevista pela prática dos livros. O ler e o verbalizar fazem parte de sua estratégia de retomada de um lugar no mundo — um mundo que, sem o auxílio da escola, lhes chegava como um desígnio pesado e sem cor. 

Fonte: Cândido - Jornal da Biblioteca Pública do Paraná

As muitas águas da leitura

Publicado em Outubro/2012


Marta Morais da Costa
é especialista em leitura, professora da Universidade Federal do Paraná, integrante da Cátedra Unesco de Leitura da PUC-Rio e autora, entre outros, do livro Mapas do mundo. Vive em Curitiba (PR).

Já tratei de leitura em muitos textos, já falei para algumas plateias, já tentei esclarecer algumas conclusões que o trabalho com a formação de leitores acumulou em meu currículo. Posso afirmar, com segurança, que obtive alguns resultados positivos no convencimento da importância da leitura para as pessoas e para o grupo social em que atuam. Em outras ocasiões, a resposta não foi tão estimulante assim.

Professores me consideraram idealista demais, crianças me consideraram uma avó “se achante”, colegas de universidades não hesitaram em me denominar “especialista em leitura” — a mim, que sei que nada sei, verdade aprendida com o filósofo Sócrates —, avaliadores de meus livros julgaram-nos imperfeitos, equipes de editoras acreditam que posso prestar alguma consultoria de valor no quesito leitura. Como insegurança não é a mais perfeita de minhas qualidades pessoais, considero que julgamentos tão divergentes não me causaram maiores traumas profissionais.

Em todo caso, como não desejo, de forma alguma, motivar uma avaliação negativa de meu texto nos leitores deste espaço, quero começar declarando algumas posições ético-político-científicas a respeito da leitura. Como muitas pessoas de valor já o disseram — e com elas eu concordo — a leitura vai além da alfabetização, da capacidade de identificar palavras ou frases. A leitura tem a ver com interpretação, com a compreensão de frases e textos organizados (habilidade indispensável) e a compreensão das entrelinhas, presentes em qualquer texto, e que requerem a participação ativa do leitor.

As palavras dançam diferentes ritmos de acordo com os diferentes pares das contradanças textuais. O significado tem o dom de alterar-se dependendo dos contextos em que palavras e frases se situam. E quem vai buscar uma determinada coerência nessa flutuação semântica é o leitor. Portanto, ler não é reconhecer o código linguístico; ler é compreender contextos textuais, é escolher, entre os sentidos possíveis de um texto, aquele que para o leitor apresenta alguma coerência. Por extensão, interpretar não é estabelecer um sentido único, ou mais nocivo ainda, reproduzir o pensamento expresso pela maioria dos leitores.

Também esclareço que leitura rima perfeitamente com literatura; mas, para mim, acompanhando Drummond, a rima não é a solução. Todos nós lemos textos dos mais diferentes gêneros diariamente em nossa vida social e individual (cartazes, folhetos, embalagens, a diversidade textual dos jornais e revistas, as mensagens nas redes sociais, páginas de livros os mais variados e muitos outros). Também não nos restringimos a lidar com a linguagem exclusivamente verbal e somos envolvidos pelo visual, pelo auditivo, por suas combinações e diferentes suportes (computador, cinema, televisão). Enfim, quando eu tratar de leitura, não estou me restringindo aos livros de literatura. Essa é uma confusão frequente: pergunte a alguém se ele gosta de ler e poderá ouvir como resposta: “Gosto, sim, mas não tenho tempo — ou interesse — para ler romance”. Pergunte a outra pessoa que livros leu recentemente e ela pensará de imediato que você quer saber sobre a leitura da literatura. E pode, numa caricatura, responder: “Não perco meu tempo com histórias que não existem — ou não servem para nada”. Vou falar de leitura em sentido amplo, mas paradoxalmente preciso saber ler textos. Sem distinção de gêneros textuais.

Fui muitas vezes surpreendida — e interrompida — quando lia em filas ou salas de espera por pessoas bem intencionadas que entendiam que, se eu estava lendo um livro, é porque estava com problemas, entre eles o da solidão. Para me fazer companhia e me tirar da depressão, elas se propunham a interromper minha leitura sedutora. Como provavelmente não eram leitoras, elas não entendiam que ler não é um ato solitário ou fruto da solidão: o leitor está sempre acompanhado, não apenas do autor do texto que lê, mas de todos os leitores desse mesmo texto que o antecederam; também de todos os escritores que foram lidos para que o autor do texto presente pudesse escrever o que escreveu. Em suma, a cadeia de autores e leitores remonta a passados remotos e forma uma “trança de gente”, bela imagem criada por Ana Maria Machado. Antes de tudo, ler é uma ação solidária de integração na história da cultura. Ao ler, estou só fisicamente; mas mental, imaginária e intelectualmente, estou bem (ou mal) acompanhado. Por isso, antes de interromper, com boas intenções, a leitura de alguém embevecido, pense que pode estar cortando — temporariamente — o fio humano que tece a história da cultura.

Esclarecidas essas três linhas de compreensão, a saber, leitura não é ação exclusiva para a literatura; ler não é apenas reproduzir um texto, mas interpretá-lo, compreendê-lo; ler, é compartilhar e conviver com a história e a cultura, vou verificar como esses princípios podem orientar a formação de leitores. Convém lembrar que para desenvolver um bom trabalho de criação e formação de leitores é preciso acreditar que a leitura representa um requisito indispensável e irrecusável para o crescimento pessoal e profissional e para o desenvolvimento de um país em todos os setores de atuação da sociedade que lhe dá existência.

A necessidade de mediadores

Na origem da história de cada leitor está um mediador. Seja um parente (pais, avós, tios, irmãos), um amigo, um professor, um religioso, um jornalista, em qualquer espécie de interação social — conversas, aulas, saraus, pregações, filmes, mídia impressa. Pense comigo, leitor, nas possíveis situações em que pode nascer um leitor. A audição de um disquinho de histórias infantis, objeto do passado. Um livro eletrônico infantil ou de pano ou de plástico, objetos do presente. Uma história sussurrada no momento da chegada do sono, na voz carinhosa de quem se quer bem. A fala do amigo que se admira ou do grupo em que se busca a inclusão. Um comentário em roda de conversa sobre assunto científico ou curiosidade histórica. Em todos eles, o leitor pode estar ali, ainda desconhecido para ele mesmo, mas já apto a absorver o encantamento e a informação, a considerá-los valiosos. É o passo inicial para viver o desejo de reencontrá-los nos mais diversos objetos de leitura. Nem sempre o mediador (amigos, pais, professores...) precisa ter qualificação pedagógica ou cientifica, mas é imprescindível que ele desempenhe sua função com entusiasmo de quem foi afetado pelo assunto, pelo livro, pelo texto.

Imagine que uma pessoa deseja convencer um amigo a assistir a um filme e para tanto faz um relato aos tropeços, sem emoção, monótono. Mesmo um filme bom não resiste a uma apresentação medíocre. No entanto, um filme ruim pode ser embelezado por uma retórica emocionada. Sem deixar de ser um filme ruim. Uma entrada segura para o mundo da leitura pode estar numa mediação de qualidade. A vida do leitor em seu nascimento é, como a vida em geral, também um espaço-tempo de contradições. Reagimos ao ruim, ao mal feito, à imperícia, buscando em outras fontes a perfeição. Quem não tem livros em casa, procura entre as estantes da biblioteca. Quem não teve uma avó que lhe contasse histórias, vai em busca das crianças que a tiveram. Quem não ouviu a discussão sobre um assunto que lhe interesse, pergunta, pesquisa, incomoda (se) até encontrar quem ou o quê sacie sua curiosidade. Os textos e livros interessam porque preenchem faltas e lacunas e matam a sede de respostas.

A pluralidade da leitura

Leitores são como a vida: histórias diversificadas, ora cômicas, ora trágicas, ora monótonas, ora carregadas de aventuras. Analisando o leitor ou a leitora que somos, constatamos com facilidade o quanto somos volúveis. Gostamos hoje do que acharemos tedioso amanhã. Colocamos valor no livro ou no texto que no futuro poderemos considerar medíocre, equivocado, dispensável. Tratamos, na leitura do presente, de forma diferenciada e em categorias de importância o livro da moda, o ensaio filosófico (histórico, médico, jurídico, etc.), o clássico da literatura, os quadrinhos, a obra gastronômica, o guia de viagens, o jornal. Na verdade mais elementar da leitura, somos, cada um de nós, muitos leitores. Iniciantes nos manuais de uso da tecnologia, doutores nos assuntos que nos afetam profundamente, aprendizes nos temas que queremos dominar, satisfeitos e relaxados com as obras de fácil leitura e assim por diante. Subimos e descemos os degraus das categorias de leitores com rapidez e alguma facilidade.

O leitor, pra valer, é ao mesmo tempo como o malandro oficial de Chico Buarque — está na coluna social, deseja ser malandro federal, tem gravata e capital — e como o malandro pra valer, que tem mulher e filhos, mora longe e “chacoalha no trem da Central”. Assim, o leitor das estatísticas, genérico, impessoal, badalado ou execrado, sob domínio das classificações universais e objeto das políticas empresariais do livro, não é o único que nos habita. Somos, no exercício da leitura, “trezentos ou trezentos e cinquenta”, como Mário de Andrade se definia.

Os infinitos acervos

Essa multiplicidade permite compreender por que as portas de entrada da leitura são mui­tas e, por vezes, surpreendentes. Bruxos, vampi­ros, cabanas, números, fórmulas, imagens, sons podem estar na fonte primeira da sede saciada. O perigo não está nessa fonte, está, sim, em con­verter a fonte em único lugar onde se pode beber. Há lagos, rios, corredeiras, cascatas e oceanos, em que se apresentam e despenham as águas da lei­tura. Para beber, para banhar-se, para afogar-se, para aceitar ou recusar. O leitor pode viver sua vida leitora no mesmo lago, mas jamais compre­enderá a força do oceano. Pode ler exclusivamen­te quadrinhos a vida inteira, mas perderá as ima­gens incompletas dos grandes romances. Pode ler exclusivamente textos científicos, mas perderá o movimento intenso e prismático dos quadri­nhos e a força imaginária da literatura. Poderá ler exclusivamente a ficção, mas não aprenderá a intensa liberdade da poesia e o rigor especulativo do discurso histórico. O escritor japonês Haruki Murakami afirma: “Se você só lê os livros que todo mundo está lendo, você só pode pensar o que todo mundo está pensando” . Os infinitos acervos Essa multiplicidade permite compreender por que as portas de entrada da leitura são muitas e, por vezes, surpreendentes. Bruxos, vampiros, cabanas, números, fórmulas, imagens, sons podem estar na fonte primeira da sede saciada. O perigo não está nessa fonte, está, sim, em converter a fonte em único lugar onde se pode beber. Há lagos, rios, corredeiras, cascatas e oceanos, em que se apresentam e despenham as águas da leitura. Para beber, para banhar-se, para afogar-se, para aceitar ou recusar. O leitor pode viver sua vida leitora no mesmo lago, mas jamais compreenderá a força do oceano. Pode ler exclusivamente quadrinhos a vida inteira, mas perderá as imagens incompletas dos grandes romances. Pode ler exclusivamente textos científicos, mas perderá o movimento intenso e prismático dos quadrinhos e a força imaginária da literatura. Poderá ler exclusivamente a ficção, mas não aprenderá a intensa liberdade da poesia e o rigor especulativo do discurso histórico. O escritor japonês Haruki Murakami afirma: “Se você só lê os livros que todo mundo está lendo, você só pode pensar o que todo mundo está pensando”.

Formar leitores é oferecer às pessoas a oportunidade de descobrirem-se múltiplas na multiplicidade incontrolável dos textos.