quarta-feira, 27 de junho de 2012

Professores e promoção da leitura: dez ideias

POR Ana Garralón
Ana GarralónAna Garralón trabalha com livros infantis desde finais dos anos 80. Colaborou como leitora para muitas editoras, trabalhou dando oficinas sobre temas de formação e incentivo à leitura e livros informativos nas mais importantes instituições. Escreve regularmente na imprensa. Publicou Historia portátil de la literatura infantil (Anaya, 2001), a antologia de poesia: Si ves un monte de espumas (Anaya, 2002) e uma seleção bibliográfica para mediadores: 150 libros infantiles para leer y releer (CEGAL, Club Kirico, 2012).  Saiba mais sobre ela em anatarambana.blogspot.com.



Você é professor? Então, certamente, voce deve estar muito ocupado em cumprir o programa e sem tempo nenhum para fazer atividades especiais. No entanto, é muito valiosa a influência que você tem sobre seus alunos no que se refere à leitura. Conseguir alunos leitores ajuda muito no entendimento de muitas disciplinas e os transforma em pessoas curiosas e cheias de vitalidade. E o melhor é que não precisa fazer muito. Basta ter consciencia do trabalho e fazer pequenas ações diárias.
Aqui vão algumas ideias:
1. Todos os professores podem promover a leitura. Não importa se a sua disciplina é ciências ou literatura. Pensa-se em geral que as atividades de leitura são de conteúdo exclusivo dos professores de línguas, mas não é assim. Em todas as disciplinas se lê e em todas elas existem livros maravilhosos a serem descobertos.
2. Amplie sua ideia de leitor. Leitor é aquele que lê um romance, mas também aquele que lê um texto científico, um gibi ou um jornal.
3. Pergunte a seus alunos, todos os dias, se eles estão lendo alguma coisa. Talvez no começo eles não se envolvam muito, mas se você repetir a pergunta e aceitar as respostas, não importa o que digam que estão lendo, em breve você terá um grupo discutindo suas leituras. Não faça isto como se fosse uma atividade, mas como algo rápido e espontâneo.
4. Não julgue o que eles leem. Valorize o  esforço e, acima de tudo, conheça e reconheça os interesses. Talvez você até mesmo se anime a ler alguma coisa que eles estejam gostando nesse momento.
5. Compartilhe as suas leituras. Se você está lendo um livro que lhe agrada,  fale brevemente sobre isso. Compartilhar é uma das bases da promoção da leitura. Você pode dar alguma explicação sobre os autores, o estilo ou o tema. Com isso você estará fornecendo pistas para que eles façam seus próprios comentários.
6. Leia em voz alta em sala de aula. Um fragmento, um recorte de jornal, uma notícia relacionada à sua disciplina. Tudo é válido para despertar o gosto pela leitura. Incluir livros na prática diária significa que a leitura é algo natural, necessário e uma parte normal do dia.
7. Indique livros. Se suas aulas são de ciências, filosofia ou educação artística, procure de vez em quando um livro direcionado à idade de seus alunos. Uma biografia, um ensaio de divulgação, uma revista, um artigo.

8. Comente. Se gradualmente eles vão tomando coragem para discutir suas leituras, por que não escolher, de tempos em tempos, um livro entre aqueles que estão interessados em compartilhar?
9. Aconselhe. Com seus conselhos e com o interesse que você demonstra pelas leituras de seus alunos,  eles se sentirão apreciados e você será mais do que o "professor" que ensina. Eles vão lhe ver como alguém diferente e excepcional.
10. Incentive. Em cada promoção, seus alunos vão lembrar de você como uma pessoa dedicada e cheia de interesse. Não é isso também um objetivo da educação? Incentive-os a viver com paixão e entusiasmo. Será uma lição para a vida toda e eles a relacionarão diretamente com os livros.
 ***
Na home, a imagem em destaque é The Baron in the Trees (2011), da artista Su Blackwell, a quem a Emília agradece. Conheça mais sobre o trabalho de Blackwell em www.sublackwell.co.uk

Imagem que ilustra a abertura é de Su Blackwell, The Baron in the Trees, 2011.

Fonte: Revista Emilia

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Hábito de ler está além dos livros, diz um dos maiores especialistas em leitura do mundo

Francês Roger Chartier esteve no Brasil para participar de evento realizado pela UEM

Um dos maiores especialistas em leitura do mundo, o francês Roger Chartier destaca que o hábito de ler está muito além dos livros impressos e defende que os governos têm papel importante na promoção de uma sociedade mais leitora.

O historiador esteve no Brasil para participar do 2º Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários, realizado pela UEM (Universidade Estadual de Maringá). Em entrevista à Agência Brasil, o professor e historiador avaliou que os meios digitais ampliam as possibilidades de leitura, mas ressaltou que parte da sociedade ainda está excluída dessa realidade.

— O analfabetismo pode ser o radical, o funcional ou o digital.

Agência Brasil: Uma pesquisa divulgada recentemente indicou que o brasileiro lê em média quatro livros por ano (a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada pelo Instituto Pró-Livro em abril). Podemos considerar essa quantidade grande ou pequena em relação a outros países?
Roger Chartier: Em primeiro lugar, me parece que o ato de ler não se trata necessariamente de ler livros. Essas pesquisas que peguntam às pessoas se elas leem livros estão sempre ignorando que a leitura é muito mais do que ler livros. Basta ver em todos os comportamentos da sociedade que a leitura é uma prática fundamental e disseminada. Isso inclui a leitura dos livros, mas muita gente diz que não lê livros e de fato está lendo objetos impressos que poderiam ser considerados [jornais, revistas, revistas em quadrinhos, entre outras publicações]. Não devemos ser pessimistas, o que se deve pensar é que a prática da leitura é mais frequente, importante e necessária do que poderia indicar uma pesquisa sobre o número de livros lidos.

ABr: Hoje a leitura está em diferentes plataformas?
Chartier: Absolutamente, quando há a entrada no mundo digital abre-se uma possibilidade de leitura mais importante que antes. Não posso comparar imediatamente, mas nos últimos anos houve um recuo do número de livros lidos, mas não necessariamente porque as pessoas estão lendo pouco. É mais uma transformação das práticas culturais. É gente que tinha o costume de comprar e ler muitos livros e agora talvez gaste o mesmo dinheiro com outras formas de diversão.

ABr: A mesma pesquisa que trouxe a média de livro lidos pelos brasileiros aponta que a população prefere outras atividade à leitura, como ver televisão ou acessar a internet.
Chartier: Isso não seria próprio do brasileiro. Penso que em qualquer sociedade do mundo [a pesquisa] teria o mesmo resultado. Talvez com porcentagens diferentes. Uma pesquisa francesa do Ministério da Cultura mostrou que houve uma redistribuição dos gastos culturais para o teatro, o turismo, a viagem e o próprio meio digital.

ABr: Na sua avaliação, essa evolução tecnológica da leitura do impresso para os meios digitais tem o papel de ampliar ou reduzir o número de leitores?
Chartier: Representa uma possibilidade de leitura mais forte do que antes. Quantas vezes nós somos obrigados a preencher formulários para comprar algo, ler e-mails. Tudo isso está num mundo digital que é construído pela leitura e a escrita. Mas também há fronteiras, não se pode pensar que cada um tem um acesso imediato [ao meio digital]. É totalmente um mundo que impõe mais leitura e escrita. Por outro lado, é um mundo onde a leitura tradicional dos textos que são considerados livros, de ver uma obra que tem uma coerência, uma singularidade, aqui [nos meios digitais] se confronta com uma prática de leitura que é mais descontínua. A percepção da obra intelectual ou estética no mundo digital é um processo muito mais complicado porque há fragmentos e trechos de textos aparecendo na tela.

ABr: Na sua opinião, a responsabilidade de promover o hábito da leitura em uma sociedade é da escola?
Chartier: Os sociólogos mostram que, evidentemente, a escola pode corrigir desigualdades que nascem na sociedade mesmo [para o acesso à leitura]. Mas ao mesmo tempo a escola reflete as desigualdades de uma sociedade. Então me parece que, também, é um desafio fundamental que as crianças possam ter incorporados instrumentos de relação com a cultura escrita e que essa desigualdade social deveria ser considerada e corrigida pela escola que normalmente pode dar aos que estão desprovidos os instrumento de conhecimento ou de compreensão da cultura escrita. É uma relação complexa entre a escola e o mundo social. E é claro que a escola não pode fazer tudo.

ABr: Esse é um papel também dos governos?
Chartier: Os governos têm um papel múltiplo. Ele pode ajudar por meio de campanhas de incentivo à leitura, de recursos às famílias mais desprovidas de capital cultural e pode ajudar pela atenção ao sistema escolar. São três maneira de interação que me parecem fundamentais.

ABr: No Brasil ainda temos quase 14 milhões de analfabetos e boa parte da população tem pouco domínio da leitura e escrita – são as pessoas consideradas analfabetas funcionais. Isso não é um entrave ao estímulo da leitura?
Chartier: É preciso diferenciar o analfabetismo radical, que é quando a pessoa está realmente fora da possibilidade de ler e escrever da outra forma que seria uma dificuldade para uma leitura. Há ainda uma outra forma de analfabetismo que seria da historialidade no mundo digital, uma nova fronteira entre os que estão dentro desse mundo e outros que, por razões econômicas e culturais, ficam de fora. O conceito de analfabetismo pode ser o radical, o funcional ou o digital. Cada um precisa de uma forma de aculturação, de pedagogia e didática diferente, mas os três também são tarefas importantes não só para os governos, mas para a sociedade inteira.

ABr: Na sua avaliação, a exclusão dos meios digitais poderia ser considerada uma nova forma de analfabetismo?
Chartier: Me parece que isso é importante e há uma ilusão que vem de quem escreve sobre o mundo digital, porque já está nele e pensa que a sociedade inteira está digitalizada, mas não é o caso. Evidente há muitos obstáculos e fronteiras para entrar nesse mundo. Começando pela própria compra dos instrumentos e terminando com a capacidade de fazer um bom uso dessas novas técnicas. Essa é uma outra tarefa dada à escola de permitir a aprendizagem dessa nova técnica, mas não somente de aprender a ler e escrever, mas como fazer isso na tela do computador.

Fonte: Estadão

quinta-feira, 21 de junho de 2012

A transição da leitura

 Márcia Lorca
 21/06/2012

Vamos dar aqui luz à antiga questão sobre o distanciamento da leitura que ocorre na transição das séries iniciais para as posteriores. E, levando em conta o papel da literatura infantil e juvenil, entendo que há algumas considerações que precisam ser discutidas: o nível da interferência da escola, do professor e do mercado editorial para a (de)formação do leitor.

É visível que o mercado editorial direciona a produção dos livros, tanto infantil como juvenil, para temas e assuntos de peso comercial. Os escritores são obrigados, muitas vezes, a escrever aquilo que vende mais. Nesse sentido, a liberdade de escrita que permeia a arte literária fica comprometida e é deixada em último plano

Por outro lado, a escola tem-se prendido a um cronograma de conteúdos endurecido, avesso às novidades da própria sociedade e dos alunos enquanto indivíduos distintos em gostos e interesses. Parte-se da obrigação de ensinar determinadas matérias e inculcar certos valores morais para escolher o livro de leitura obrigatória de cada bimestre. Poderia ser essa atitude de incentivo à formação do leitor ideal?

Finalmente atenta-se ao árduo trabalho do professor em sala de aula. Com alunos alheios aos conhecimentos que lhes são oferecidos, cabe ao professor a difícil tarefa de criar o belo hábito da leitura nos alunos. Entretanto, como se processa a escolha do professor pelo livro que os alunos terão de ler? 

Restringe-se aos velhos livros conhecidos ou àqueles que ensinem as moralidades do mundo acima de todas as coisas.

E a estética? E a arte literária? Em sala, vale trabalhar com níveis simples da estrutura narrativa: quem são as personagens, o que fazem ao longo do enredo, qual a moral da história e dos ensinamentos que nos passa? 

Se o nível do livro fosse expressivamente artístico, o estudo se voltaria à construção do texto literário, o que certamente abriria novas noções da escritura textual e das possibilidades que a linguagem verbal oferece ao leitor, a fim de instigá-lo a voos mais desafiadores e intensos pelo extraordinário mundo da leitura.

Márcia Lorca é mestre pela Unesp de Assis, pesquisadora da área de Literatura Infantil e Juvenil e professora de Literatura do ensino médio em Araçatuba