sábado, 20 de março de 2010

Sobre leitores e livros


por Plínio Martins
Nascido em 1951 na cidade de Pium, no estado de Tocantins, o professor do curso de editoração da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) Plínio Martins construiu seu currículo com muito mais prática do que teoria. Iniciou o envolvimento com os livros aos 20 anos quando, recém-chegado a São Paulo, arrumou um emprego no depósito da Editora Perspectiva. “Ou seja, aprendi a mexer com livro desde o empacotamento e empilhamento”, contou ao Conselho Editorial da Revista E. Logo passou para o departamento de revisão e em seguida foi para a composição de linotipo – máquina que funde as linhas de caracteres tipográficos, utilizada para montar os livros antes do computador. Desde então, nunca mais largou o ramo. Em 1987, foi convidado a lecionar na USP e, dois anos depois, chamado para reestruturar a editora da universidade, a Edusp. “Tive uma oportunidade rara de criar, conceber uma editora, seu projeto gráfico, a seleção de obras, começar do zero com todas as condições que qualquer editor gostaria de ter”, revelou. Na ocasião do encontro, o convidado, cuja família é proprietária da Ateliê Editorial, falou também sobre como se desperta o hábito da leitura nos jovens, comentou a relação entre o livro e a internet e contou um pouco mais sobre os bastidores da criação da Edusp.

Criação da Edusp

Depois de 18 anos na Perspectiva fui convidado a iniciar um projeto editorial: transformar a Editora da Universidade de São Paulo [Edusp] em uma editora de fato. Digo editora de fato porque até então ela não produzia livros, apenas financiava. Era uma co-editora, e com uma situação muito peculiar: apesar de ser a Editora da Universidade de São Paulo, não publicava a produção de seus professores. O desafio era montar o departamento editorial. Fui convidado pelo professor João Alexandre Barbosa [professor de teoria literária e literatura comparada da USP falecido em 2006], que foi a pessoa que bancou essa mudança. Sim, porque imaginem uma editora com 26 anos de existência e financiando as publicações de uma porção de editores. Havia editoras com mais de 300 títulos financiados por esse sistema. Foi uma coisa muito difícil de quebrar. Pois bem, fui para a Edusp para montar o departamento editorial. Tive uma oportunidade rara de conceber uma editora, seu projeto gráfico, ajudar na seleção de suas obras, começar do zero com todas as condições que qualquer editor gostaria de ter, só que financiado – no caso, pela universidade. Foi um privilégio participar desse projeto. Acho que aplicamos bem os recursos. Hoje, 20 anos depois, nós comemoramos, no dia 25 de março, na Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], o milésimo título lançado nesta nova fase.

Minha vida profissional é toda ligada ao livro, à feitura do livro. Refiro-me ao livro não só como conteúdo, mas também como forma, como produto. E mais: fazendo livros sem se preocupar com o mercado, o que é um privilégio que só uma editora pública tem. Nossa preocupação é fornecer conteúdo com qualidade para as pessoas.

Eu tentei aplicar na Edusp o conhecimento e a experiência adquiridos na Perspectiva. Coleções como a Debates e a Estudos [ambas Perspectiva/Edusp] me davam vontade de criar belos projetos gráficos para elas, valorizar as imagens. E a Edusp me liberou para fazer tudo isso.

O livro e a internet

Há a preocupação se a internet vai substituir o livro, se ele vai desaparecer etc. Acontece que o livro tem várias formas, inclusive a que está na internet. O problema não é se o livro, o objeto, vai desaparecer ou não, a questão é se a leitura vai desaparecer ou não. A grande transformação na comunicação nos últimos 500 anos foi a internet. E de vez em quando grandes empresas de informática lançam um novo produto que vai revolucionar e substituir o livro... Tudo parece uma campanha para vender aquele objeto, mas não resolve o problema da leitura. O que interessa na realidade não é tanto a forma do livro, mas se esse livro vai ser lido ou não. O índice de leitura de livros pode talvez diminuir, mas as pessoas hoje não vivem mais sem ler. Você lê no computador o dia todo, e isso é o que realmente interessa. É claro que nós que gostamos do objeto livro, que o cheiramos, o sentimos tatilmente, sabemos o quanto isso é importante. Fabulamos muito mais quando estamos lendo num livro do que lendo numa tela. Ninguém tem grandes sonhos em frente a uma tela de computador. Disseram até que a produção de papel ia diminuir [por causa do surgimento da internet], mas ela triplicou. Todo mundo imprime o que está na tela para ler. Não acho que a internet vai acabar com o livro. Ele pode mudar de forma, pode estar no CD, no DVD, mas o que interessa é que seja lido. Quanto à forma, é uma questão de adaptação. Eu acredito que essa geração que está se alfabetizando no computador vai ler muito mais na tela com uma tranqüilidade com a qual eu jamais conseguiria. Quanto ao aproveitamento dessa leitura ainda não sabemos muito, os textos serão bem menos extensos, pois não há quem suporte ler grandes textos numa tela de computador. Talvez um dia inventem uma tela que não ofereça limitações à leitura.

Formação de leitores

Sabe-se que aqueles que nasceram e vivem em meio aos livros – pais que têm hábito de leituras, autores, professores, editores – ou que tiveram um bom professor de literatura passam a ler por prazer, desenvolvem afeição pelo ato da leitura. É aquela história: se eu tiver um professor de física ruim provavelmente vou odiar física. Eu, por exemplo, não me lembro de um professor bom, sinceramente. Nunca estudei em bons colégios. Nada me fascinou até começar a trabalhar com o livro e entrar na faculdade. Trata-se de uma reação em cadeia: uma pessoa que lê bem forma outra. Ela pode fazer indicações, pode ler para essas pessoas para despertar-lhes o interesse pela leitura. O professor Ivan Teixeira, por exemplo, é capaz de convencer um adolescente a gostar até de Basílio da Gama [1740-1795, poeta luso-brasileiro] – autor que, se for lido sozinho e na hora errada, vai odiar. Mas ele [Teixeira] lê bem, entende e fala de um jeito que você começa a gostar de poesia por mais antiga que ela seja. Eu o vi lendo Os Lusíadas para um grupo de crianças de 13, 14 anos. Ele conseguiu envolvê-las na leitura. Ele dizia: “Vamos ler”. Aí os garotos liam e ele: “Não é assim que lê”. Aí ele dava a entonação certa etc., foi um show. Professor de literatura deve ser assim, tem que incentivar e ensinar os alunos a ler.

Agora, concordo que para isso é bom iniciar com aquilo que as pessoas estão vivendo [com livros contemporâneos e de temática mais adequada] e depois ir se aprimorando. Imaginem uma criança de hoje lendo Machado de Assis! O autor é excelente, mas elas não têm bagagem para isso. Daí fica aquela coisa de tentar decorar a história, as personagens etc. Ninguém fala da história, ninguém reconta a história, ficam só nas estruturas. Uma das coisas que eu acho que mais fizeram mal para a literatura foi o estruturalismo. Às vezes você lê um texto desse pessoal [dos teóricos e estudiosos] e fala: “Acho que eu sou burro, não estou entendendo nada, o que essa pessoa viu aqui?”. Isso porque eles começaram a desestruturar o texto e fazer tanta teoria que as pessoas se sentem inibidas.

“O problema não é se o livro, o objeto, vai desaparecer ou não, a questão é se a leitura vai desaparecer ou não”

O professor e editor Plínio Martins esteve presente na reunião de pauta do Conselho Editorial da Revista E em 17 de abril de 2008

Fonte: Revista E SESCSP

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