sexta-feira, 12 de março de 2010

Mãos cheias de livros

 
À direita, José Mindlin;à esquerda, sua esposa, Guita

Hélio Consolaro

Na roça, quando meu pai dizia que ia estudar os filhos, muitos eram contra, porque quem estudava muito ficava doido. Assim era a crença entre os colonos pobres. Ler muito não era bom.

Os quatro filhos de Seu Luís e Dona Augusta estudaram e nenhum endoideceu de sair pelo mundo e lutar contra os moinhos de vento. Cada um tem suas esquisitices e paramos por aí. Este croniqueiro nunca queimou dinheiro.

Um mundo sem livros até pode existir, mas sem leitura jamais. Já tentaram, mas não conseguiram. As obras poderão migrar para outros portadores. Quem assistiu ao filme “Fahrenheit 451” conhece bem este papo.

Não podemos absolutizar o saber livresco, como se fosse único. As tradições também ensinam, Jesus Cristo deu dicas de como ler o mundo. Segundo os sociólogos, a sociedade que tem mais analfabetos no seu bojo tem a tendência de endeusar o livro. Fazendo um paralelo: só quem nunca operou um computador olha a máquina com certo encanto.

A grande escritora brasileira da literatura infantil, Ruth Rocha, afirma que milhões de pessoas viveram sob a égide do analfabetismo por milênios e ninguém vai morrer se nunca ler um livro. Embora ele não seja portador automático de sabedoria, a leitura dá outra dimensão para nossa vida.

Morreu José Mindlin em 28 de fevereiro, o Cavaleiro da Triste Leitura, um colecionador de coisas imprestáveis, segundo os obscurantistas. Até parece que com ele morre também o livro. Teve uma obsessão e ganhou notoriedade com ela. Saiu pelo como Dom Quixote, encheu suas próprias mãos de livros, raros ou não.

Muitos colecionam armas, ele juntava livros. Como outros cavaleiros andantes, achava que o mundo seria salvo por eles. Conseguiu até cooptar sua Dulcinéia. Se José Mindlin não salvou o mundo, pelo menos construiu uma trajetória de vida dignificante. Não era nobre em decadência como Alonso Quijano, nem seus amigos queimaram sua biblioteca no final dahistória para que saísse daquela loucura de se confundir com personagens de novelas.

José Mindlin colecionou livros e o presidente Lula, votos; mas o primeiro nunca atacou o segundo por causa de sua pouca leitura. O empresário de origem judaica aprendeu nos livros ser humilde, respeitar o outro; o presidente soube ler o mundo e interpretá-lo, por isso entendeu a alma do brasileiro.

Espero que os livros tenham levado José Mindlin também ao mundo das excelências, embora o Jesus Cristo tenha dito que os céus pertençam aos pobres de espírito.

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