Eleita em maio de 2008 presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, Sonia Machado Jardim é vice-presidente de Operações do Grupo Editorial Record, conglomerado que agrega doze diferentes marcas editoriais. Como todos os representantes do setor, está preocupada com o destino do livro e do mercado editorial como um todo, para o qual ainda não vislumbra um modelo de negócios que conjugue circulação livre de títulos na internet e remuneração para o investimento das editoras.
De toda maneira, esta engenheira civil, mestre em administração de empresas, defende que os livros - os impressos - circulem livremente nas escolas e que o conhecimento formal não afaste o interesse dos jovens que querem ler por prazer. "A escola tem um poder irradiador." Leia a seguir a entrevista concedida ao editor Rubem Barros.
O Brasil tem um dos maiores planos governamentais de distribuição de livros, o Plano Nacional do Livro Didático. Como o Snel o avalia?
O Plano tem uma grande vantagem por ser uma política de Estado, e não de governo. Do ponto de vista das editoras, há a garantia de que é uma política consolidada, sem o risco de descontinuidade. Isso é muito bom, porque podemos saber o que vem pela frente e nos programarmos, pois o plano é plurianual.
O que a senhora acha de os apostilados passarem a ser objeto de avaliação do MEC?
Hoje, os grupos educacionais acabam se transformando em editoras, que foi o que aconteceu com o Positivo. Há uma garantia de mercado, dependendo do tamanho do grupo, que viabiliza uma edição de livro. Percebo um movimento nessas empresas de tentar efetivamente transformar-se em editoras. A partir do momento em que eles têm o material testado, aprovado dentro de suas unidades, a tendência é irem para o mercado. Além de o livro ter benefícios fiscais garantidos que a apostila não tem.
As editoras, inclusive a Record, têm investido em coleções de livro de bolso. É uma boa opção para o público jovem? Existe um acervo voltado a esse público?
A adoção é facilitada quando se entra com livros de literatura com perfil adequado ao jovem a um preço mais competitivo. Não só para adoção pela escola, mas também para a leitura por prazer, sem obrigação. É uma linha de negócios em que não só a Record, mas outras editoras também estão entrando. Há alguns fenômenos interessantes, como o Diário de Anne Frank, da Record. Fizemos a edição pocket e isso alavancou a venda da edição comercial. A percepção que ficou foi a de que, pelo fato de termos a edição de bolso e um trabalho de divulgação em escolas, isso ajudou a venda da edição comercial. Não sei se os pais não encontraram a edição de bolso e compraram a normal, ou acharam que a normal era mais completa por ter um caderno de fotos que a de bolso não tem. O fato é que as duas se beneficiaram dessa iniciativa.
Há outros casos?
No caso de literatura, esse é o mais destacado. Fizemos uma série de outros títulos querendo aproveitar essa questão. Lançamos o Fogo morto, do José Lins do Rego, e as melhores crônicas e contos do Fernando Sabino visando atender esse público estudantil. Mas ainda é precoce.
O perfil das obras que os jovem leem hoje é parecido com o de 30, 40 anos atrás?
Há duas questões distintas: questão da leitura para a escola e a da leitura por prazer. O grande desafio que a escola tem é fazer com que o jovem desperte para a leitura, se aproxime do livro. É importante fazer com que leiam os clássicos, mas o desafio maior é formar o hábito da leitura. É o primeiro passo, depois isso se aprimora. Nesse ponto, vejo um mérito enorme no Harry Potter, pois se criou uma voz corrente de que ler é uma coisa chata, de nerd, e a série mostrou que, ao contrário, ler pode ser muito legal, abre um universo novo. Esse fenômeno representado pelo Harry Potter e pelo Diário da princesa para as meninas é uma vitória, no sentido do despertar o prazer da leitura. A escola vai inserindo um refinamento na escolha. Um fenômeno que transpassa as gerações é O encontro marcado, do Fernando Sabino, que continua muito atual para os jovens.
As editoras têm investido na oferta de textos por meio de novas mídias? Qual sua avaliação do Kindle e similares?
Estamos observando uma tendência mundial. O livro digital é uma realidade. É preciso encontrar um modelo de negócio para sobreviver, o que no caso do Kindle existe. Acredito que ele vá ser muito prático para obras de referência, livros didáticos, obras em que a condição de ser portátil traz uma série de vantagens, ou seja, vai resolver o problema da mochila do aluno. Agora, até que ele se torne acessível financeiramente para um público maior, estamos observando a direção em que isso vai acontecer nos Estados Unidos. O que acontecer por lá, vai chegar aqui.
Mas nós temos uma dificuldade maior com relação à escala.
E também há a questão do combate à pirataria. Hoje, o que vemos na internet de arquivos digitais, de livros que não são de domínio público e que estão totalmente disponíveis para o acesso... O receio que temos é que isso se perpetue e acabe matando a indústria do mesmo jeito que aconteceu com a música. É preciso encontrar uma fórmula. A grande dificuldade que existe hoje é saber o que ler. O que está na lista dos mais vendidos é o óbvio. Além daquilo que já é muito divulgado, como é que se escolhe? Indo a livrarias, pesquisando. Se você parte do livro digital, como você vai tomar conhecimento disso? Os livros óbvios, os best-sellers, vão se dar bem, mas os outros que existem e que também formam um colchão no mercado é que não sei.
Mas será que essa informação não vai circular de forma diferente? Não é uma questão de hábitos geracionais?
Não tenho dúvida de que o próprio hábito do livro de papel não está adquirido pelas crianças, que poderão acostumar-se ao livro digital. Mas o que acontece na música, que é diferente, é que o autor e o cantor têm uma outra fonte de remuneração, que é o show. Além disso, a música que você baixa é ouvida várias vezes, o que não acontece com o livro, que raramente é relido. Como é que esse autor sobreviverá neste cenário de conteúdo circulando livremente?
A relação direta escritor-leitor pode empobrecer a oferta?
Hoje, o editor tem algumas outras funções nessa cadeia, não é meramente um impressor de livros. Tem desde uma função de formulador de coleções e ideias até a função de tornar pública uma obra, que passa pelo marketing, por posicionar o livro, saber fazer chegar ao leitor por meio de uma estratégia. Isso é que eu não sei como estaria contemplado.
Nesse cenário, o próprio marketing deverá mudar bastante.
Iremos a reboque da experiência americana, onde há um mercado maduro. Nosso mercado ainda tem muito que aprender e que crescer.
Só com as duas edições recentes da pesquisa Retratos da Leitura passamos a ter uma visão mais concreta do leitor brasileiro. O Snel planeja outros estudos obre leitores e leitura?
Tradicionalmente, temos uma pesquisa da indústria editorial, feita pela Fipe, mas não é feita do ponto de vista do leitor, e sim da indústria, com número de exemplares vendidos, número de títulos etc. Dela, temos uma boa série histórica. A ideia, ao fazer a segunda edição da pesquisa Retratos, era de reeditá-la em um intervalo de mais três anos para aferirmos tendências. É uma pesquisa interessante por permitir ver o outro lado, o ponto de vista do leitor, o que o atrai.
Há alguma outra ação prevista, com algum recorte específico?
Ficamos meio indecisos se partiríamos para uma pesquisa por regiões, ou se bastava a pesquisa como feita. Conseguimos fazer algumas segmentações ali dentro, mas é uma pesquisa nacional. Neste primeiro momento, estamos analisando. Há demandas de pesquisas por cidades ou regiões, mas o Brasil é muito grande. Ficaria difícil atender a todas as demandas. A ideia por enquanto é fazer uma nova versão no começo de 2011.
Professores e mães são as pessoas com maior poder de influência sobre o que se lê no Brasil. Quais ações têm sido feitas junto a esses segmentos?
Além desses aspectos, o índice de leitura cresce em função de escolaridade e de renda. Houve um aumento espantoso de pessoas com nível universitário na população brasileira. Em 2000, de acordo com o Censo do IBGE, tínhamos 10 milhões de pessoas com o ensino superior concluído. Em 2006, eram mais de 15 milhões, um aumento de 50% em seis anos. Ou seja, temos outras mães que poderão funcionar como esse agente multiplicador da leitura. Em relação aos professores, um dado interessante nos foi passado pela secretária municipal do Rio de Janeiro, Cláudia Costin, que fez uma pesquisa junto aos docentes para entender o seu hábito de leitura. A informação a que se chegou é a de que 60% dos professores da rede municipal não têm o hábito de leitura. Como conseguir formar o interesse da leitura no aluno sem que se tenha esse hábito? Em decorrência disso, foi montado um programa de incentivo à leitura, com a constituição de uma biblioteca para o professor por meio da distribuição de alguns títulos. A secretaria montou uma lista de 10 títulos de autores nacionais e estrangeiros e os professores votaram. A secretaria comprou os quatro mais votados e distribuiu no mês de julho.
O Brasil tem uma rede de bibliotecas bastante precária e poucos bibliotecários, sobretudo nas escolas. O que fazer para mudar esse quadro?
O que vemos naqueles filmes americanos, em que a biblioteca é sempre o local bonito e agradável que serve de ponto de encontro para os alunos, não existe no Brasil. Aqui, é a pior sala, a mais escura, ou o lugar em que o aluno vai cumprir um castigo, destino do professor cansado ou desmotivado. É difícil reverter isso. A compra de acervos pelo MEC é um avanço. Mas, apesar de crescer, o Programa Nacional de Bibliotecas Escolares fica à mercê de cada governo, não se sabe se vai continuar. Sobre a questão da montagem e organização de acervo, o projeto Sala de Leitura, que a Record patrocina, traz um manual que ensina uma maneira de organizar que talvez não seja a melhor ou mais perfeita, mas é exequível. Há uma outra linha, que é levar o acervo para dentro da sala de aula, torná-lo disponível para que o aluno possa ter acesso a ele, levar para casa a qualquer momento, sem preocupação de controle.
Isso dá resultado?
Na última reunião do CCL foram relatadas duas experiências interessantes. Numa escola, colocaram uma estante móvel na entrada da escola, no local em que as mães esperavam os filhos, sem nenhum controle. Em muitos casos relatados no PNBE, os livros ficam trancados por medo de que sejam roubados ou estragados, e isso afasta o leitor. Nesse caso, as mães também estão pegando os livros. A segunda experiência foi a de deixar a sala de leitura ou biblioteca da escola aberta, mesmo nos dias e horários em que não há um profissional disponível. Há estados e municípios em que, por carência de recursos humanos, se retira o professor que deveria estar na biblioteca, deslocando-o para a sala de aula, e com isso a biblioteca fica fechada. Na primeira experiência, as pessoas que levaram os livros os trouxeram de volta. Até o pipoqueiro da escola pegou livros. Ou seja, a escola tem um poder irradiador.
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