À frente do maior império de comunicação do País com os irmãos, José Roberto Marinho diz que só o conhecimento rompe definitivamente o ciclo da pobreza
Por Celso Kinjô
José Roberto Marinho herdou uma responsabilidade e tanto. Com seus irmãos Roberto Irineu e João Roberto, dirige um conglomerado de comunicação que envolve redes de televisão (abertas e fechadas, inclusive no exterior), rádio, jornal e revista, portais de internet, produtoras de conteúdo para tv paga, gravadoras, distribuidoras de filmes.
Caçula do trio, 53 anos, vice-presidente das Organizações Globo, comanda também a Fundação Roberto Marinho, que há mais de quatro décadas tem como missão facilitar o acesso aos universos da cultura e da educação, através de seus meios de comunicação.
Na XIV Bienal Internacional do Rio, José Roberto recebeu, em nome da empresa, o troféu José Olympio, em homenagem ao empenho que a Globo vem dedicando ao livro e à leitura. Em 1993, seu pai, jornalista Roberto Marinho, foi agraciado com o mesmo prêmio.
Nesta entrevista exclusiva a Panorama Editorial, o empresário analisa o desafio estratégico que se coloca para o País, o de reduzir as desigualdades, aumentar a escolaridade e, assim, elevar a oferta e a demanda do mercado editorial.
Índice baixo de escolarização e ensino de qualidade discutível. Seriam essas as causas para o irrisório índice de leitura da população? Ou seria mais a falta de acesso ao livro?
“Ambas são verdadeiras. O número de analfabetos funcionais no país é gigantesco. E, se uma pessoa não sabe interpretar o que lê, o mundo do livro não existe para ela. Se ela estudou apenas até o primeiro ciclo do ensino fundamental, por exemplo, deixou de ler inúmeros livros didáticos e paradidáticos que seriam essenciais para a sua formação. O acesso restrito ao livro é outro fator determinante. Além da questão da renda, há problemas como a baixa proporção de bibliotecas públicas e em escolas. Sem dúvida, iniciativas públicas e privadas são fundamentais para reverter esse quadro e elevar o patamar de conhecimento, liberdade e autonomia propiciados pelo hábito da leitura.”
Em sua opinião, como o Brasil pode vencer o analfabetismo (total e funcional), e o agora reconhecido analfabetismo digital? O Sr. acha que o Governo tem feito a sua parte? E a iniciativa privada, deveria participar mais desse esforço do Estado?
“Sabemos que só o conhecimento rompe definitivamente o ciclo de pobreza e melhora de forma sustentada a vida das pessoas. Para atingirmos esse objetivo, é necessário um esforço conjunto – como é o caso do ‘Compromisso Todos pela Educação’ –, que envolve os governos, o setor privado e a sociedade civil organizada. Além de uma questão ética, o desenvolvimento humano é condição para a competitividade do país no mundo globalizado. A qualidade da educação precisa ser, de fato, a prioridade absoluta na agenda nacional, com políticas de Estado continuadas (registre-se avanços nesse sentido) e uma atuação complementar – esse é um ponto-chave para alcançarmos a escala necessária – entre os diferentes setores e atores. E, logicamente, o acesso aos bens culturais e às tecnologias de informação e comunicação precisa estar contemplado nessa busca de soluções, ou as oportunidades serão cada vez mais desiguais.”
De que maneira se pode aumentar o acesso da população ao livro e à leitura? Tão somente através de mais bibliotecas?
“É inegável a importância de se formar desde cedo nas crianças o hábito da leitura, apresentando a elas publicações que estimulem e reforcem o prazer de ler. O ideal é que esse hábito comece dentro de casa e depois tenha continuidade na escola. Para isso, os pais também devem ler – de modo a incentivar que os filhos façam a mesma coisa – e os professores devem ter condições de apresentar leituras diversificadas para os alunos. E os meios de comunicação podem ter um papel de grande relevância”. As Organizações Globo buscam contribuir com a ampliação do acesso à leitura de diferentes formas. Por exemplo, por meio do ‘Novo Telecurso’, metodologia pioneira da Fundação Roberto Marinho, foram distribuídos mais de 600 mil livros nos dois últimos anos.
Através do projeto ‘Época na Educação’, do qual já participaram mais de 1.600 escolas, os alunos e professores recebem revistas, fascículos especialmente desenvolvidos e têm acesso a conteúdos na internet, em um conjunto de atividades que ajudam a desenvolver a leitura e a pesquisa. O jornal O Globo também mantém o projeto ‘Quem Lê Jornal Sabe Mais’, de incentivo à leitura em sala de aula, e o Extra, em onze anos, distribuiu gratuitamente mais de seis milhões de livros, para citar apenas algumas iniciativas.
Recentemente, O Globo lançou ainda, associado ao caderno literário semanal Prosa & Verso, o projeto ‘O Livreiro’, a primeira rede social na internet dedicada aos livros. No campo social, o ‘Criança Esperança’ destina recursos para projetos que promovem a inclusão através da leitura, e o ‘Amigos da Escola’ estimula a participação da comunidade em atividades que têm a leitura como eixo de atuação”.
Sobre televisão: que influência exerce no estímulo à leitura da criança e do jovem? Ela inibe, estanca, estimula a vontade de ler?
“Estamos certos de que uma programação televisiva de qualidade, que busque informar, entreter e educar, com ações voltadas para a valorização do conhecimento e da nossa identidade e diversidade cultural, tem papel importante nesse sentido. Por exemplo, quantas obras de teledramaturgia adaptadas ou inspiradas na literatura nacional não impulsionaram fortemente as vendas de livros?”
O advento de novas mídias eletrônicas vai interferir e até ocupar espaços tradicionais do livro? Ou trata-se de um falso dilema?
“Acreditamos que as diversas mídias são complementares. O home vídeo ampliou a distribuição de filmes. O rádio não acabou com o surgimento da TV. As novas mídias e as novas plataformas para distribuição digital e leitura de livros ganharão espaço, mas o livro físico continuará existindo.”
Em suas diversas mídias, a Rede Globo tem apoiado de modo claro o estímulo à leitura. De que forma se pode mensurar os resultados dessa experiência? Poderia citar exemplos?
“Desde 1965, a teledramaturgia da TV Globo adaptou para o vídeo 72 obras inspiradas ou baseadas na literatura. Foram minisséries, novelas e especiais difundindo em larga escala, no Brasil e no exterior, obras e autores consagrados, assim como revelando novos talentos nacionais. Somente nos últimos quatro anos, a Rede Globo veiculou gratuitamente o equivalente a R$ 37 milhões em campanhas nacionais e regionais de apoio às feiras literárias e de incentivo à formação de novos leitores. Entre 2006 e 2009, o jornalismo da Rede Globo produziu mais de 3500 matérias nacionais e regionais sobre literatura, incluindo a cobertura das principais feiras literárias do País.
Na internet, o portal G1 mantém blogs, faz entrevistas, coberturas e transmissões sobre eventos literários. O assunto é também permanente nos mais diversos sites de programas da Rede Globo. No merchandising social, 61 cenas de incentivo à leitura estiveram presentes nas telenovelas nos últimos quatro anos, difundindo o tema em horário nobre, em todo o território nacional.
A literatura está presente também em espaços relevantes nos Canais Globosat de TV por assinatura e em todas as empresas das Organizações Globo, com ações permanentes e diversificadas.”
Qual é a orientação da empresa no que se refere à divulgação de eventos literários, como feiras, do tipo Flip ou outras mais modestas, exposições, bienais do livro?
“Além do expressivo investimento na veiculação gratuita de campanhas nacionais e regionais de apoio a feiras literárias, e de ampla cobertura jornalística, realizados pelas Organizações Globo, sobre os quais falamos, contamos com participação assídua nos principais eventos literários. E realizamos iniciativas especiais: em 2007, por exemplo, vinhetas temáticas (“plim-plins”) foram criadas para promover a edição da Bienal daquele ano na Rede Globo.
No que se refere ao Sistema Globo de Rádio, a Rede CBN monta estúdios e ancora programas das bienais, produzindo debates, entrevistas e até oficinas, como aconteceu esse ano aqui no Rio. Além da cobertura das feiras literárias, feita também pela Rádio Globo, a CBN leva ao ar reportagens dedicadas ao tema e mantém o boletim diário ‘Tempo de Letras’. Todo esse material fica também disponível no site da emissora.”
A direção da empresa estimula, especificamente, ações de merchandising em favor do livro e da leitura?
“Conforme falamos, contamos com uma quantidade significativa de ações de merchandising social na teledramaturgia que estimulam a leitura e evidenciam a importância desse hábito. É muito comum ver personagens de novelas lendo um livro, comentando sobre uma obra ou autor. É importante que o público perceba que a leitura tem que estar presente no dia a dia. É lembrete aos pais: as crianças precisam ter acesso fácil ao livro em casa. Os pais precisam contar histórias, apresentar o mundo da literatura, e dar o exemplo.”
O Sr. tem uma mensagem otimista em relação ao futuro do livro?
“O Brasil caminha – precisamos acelerar bastante o passo, claro – para se tornar uma sociedade menos desigual. Pode avançar muito nas próximas décadas no desenvolvimento econômico, sem esquecer da inclusão social e do meio ambiente. Isso significa que milhões de pessoas passarão a ter a acesso a bens culturais e à informação escrita. A escolaridade aumentará, assim como a qualidade da educação, com a convergência de prioridades em torno do tema. Isso aumentará a demanda e a oferta no mercado editorial. Temos a certeza de que com esforço conjunto podemos melhorar os índices de leitura e conhecimento no país, reforçando a democracia e a nossa identidade.”
Fonte: Panorama Editorial
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