Notícia publicada na edição de 04/05/2010 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 1 do caderno B.
Crianças aglomeram-se para ver os
livros ao lado de José Luiz Goldfarb
livros ao lado de José Luiz Goldfarb
Eis que o semeador saiu a semear. E, quando semeava, uma parte da semente caiu ao pé do caminho, e vieram as aves e comeram-na; e outra parte caiu em pedregais, onde não havia terra bastante, e logo nasceu, porque não tinha terra funda. Mas, vindo o sol, queimou-se e secou-se, porque não tinha raiz. E outra caiu entre espinhos, e os espinhos cresceram e sufocaram-na. E outra caiu em boa terra e deu fruto: um, a cem, outro, a sessenta, e outro, a trinta. Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça. Tal qual o semeador da famosa parábola bíblica, José Luiz Goldfarb tem cultivado livros. Curador há 20 anos do Prêmio Jabuti, considerado a principal premiação da literatura do país, Goldfarb está à frente de diversos programas de incentivo à leitura, entre eles o São Paulo: um estado de leitores, que já abriu e revitalizou 112 bibliotecas públicas no Estado de São Paulo, além de instalar 410 salas de leitura. Na sexta-feira passada, foi a vez de Boituva ser contemplada com a doação de livros e inauguração da Biblioteca Pública Municipal Ramal Parque Residencial Novo Mundo. Situada na periferia, a unidade deverá atender cerca de 10 mil moradores daquela região.
É claro que o incentivo à leitura não se resume à construção de biblioteca e entrega de livros, vai muito além. Goldfarb sabe bem disso e tem realizado cursos de preparação para capacitar incentivadores da leitura nas cidades onde são entregues as bibliotecas. Em seu discurso de inauguração, disparou: O motivo da inauguração não é nobre, não somos um povo leitor.
O coordenador lembra que o Brasil está em último lugar no quesito leitura. Isso porque durante anos não demos prioridade para isso. Faço questão de ressaltar que estou falando do hábito da leitura e não de ler por obrigação. Leitores todos somos, no trabalho ou na escola, no dia-a-dia de modo geral. Estou falando do prazer de ler e isso ainda não conseguimos no Brasil, lamenta.
Faz parte do programa visitar as cidades contempladas com as bibliotecas para verificar se a população está usufruindo. Prometo voltar à Boituva dia 30 de abril de 2011 para cobrar o uso da população, anunciou durante a entrega do prédio. Conforme o grau de utilização da biblioteca, ela poderá ser abastecida com novos livros semestralmente. Tudo dependerá da comunidade.
Goldfarb esclarece que existem muitas formas de incentivar a leitura, mas o resultado depende de iniciativas de diversos setores da sociedade como associação de moradores, igreja, professores, mídia e empresas. Temos muitas metodologias usadas com sucesso para serem aplicadas na escola, pescaria, escola de samba... São formas de cativar as pessoas para a leitura, afinal a gente não nasce lendo.
Ainda conforme o coordenador, é comum a televisão exibir propagandas diversas, mas nenhuma sobre livros. As livrarias não têm dinheiro para anúncio, isso mostra que o mercado do livro é pequeno.
A batalha do incentivo à leitura, iniciada em 2003, já teve vitórias e derrotas. Nesse período, ocorreram muitas situações. Em Flora Rica, interior de São Paulo, por exemplo, a biblioteca já é um espaço cultural, mas teve cidades que deram problema. Resumindo, é uma luta.
Curador do Prêmio Jabuti há 20 anos, Goldfarb afirma que apesar de não ser um país de leitores, o Brasil tem uma excelente produção de ficção, contos, poesia, ensaios e até mesmo livros de ciências muito criativos. O que falta é quantidade.
Questionado se existe algum autor contemporâneo que promete marcar seu nome como Machado de Assis, Goldfarb fica pensativo. Depois de refletir, arrisca: Tem gente que aposta em Milton Hatoum, mas essa é até uma questão de época. Entre Machado de Assis e a gente, teve Clarice Lispector, que as pessoas ainda estão descobrindo, ressalta.
Para Goldfarb o importante é a leitura. Por isso, não se incomoda com os e-books. Para mim a questão é a leitura, não o suporte. O e-book de qualquer forma é um livro, então não precisa ser do jeito que a gente conhece, basta oferecer possibilidade de leitura. O único inconveniente é que se o e-book descarregar, o leitor dançou.
Entre os livros
Letícia, Andressa, Larissa, Paulo Henrique, Rayane e outras tantas crianças aglomeraram-se para ver os livros que seu bairro, o Parque Residencial Novo Mundo, recebeu. Na sexta-feira passada, a discussão sobre o hábito de ler do brasileiro perdeu um pouco o sentido quando crianças e adultos tomaram posse de sua biblioteca. Se ainda não há o prazer da leitura, é certo que já existe receptividade, curiosidade e vontade de estar entre os livros.
Populares das mais variadas idades e profissões mostraram-se satisfeitos com a instalação da biblioteca. Oferecer acesso aos livros já foi um primeiro passo.
O porteiro João Batista Garcia Oliveira, 51 anos, afirma que não lia antes porque não tinha onde emprestar livro. Faz falta ter um livro para ler, diz. A mesma opinião tem a diarista Josefa Cordeiro Alves Oliveira, 39 anos. Ela lembra que conseguia emprestar livros quando a biblioteca móvel ia para o bairro.
Outra moradora que diz gostar muito de ler é a diarista Priscila Cristina dos Santos, 25 anos. Ter uma biblioteca no bairro é muito bom, é uma oportunidade de aprender mais, de ensinar as crianças e incentivar a ler. Pretendo emprestar livros e ler para meus filhos. Antigamente tinha de ir até a outra biblioteca, no centro, mas como é muito longe, ficava muito tempo sem ler, acho que eu conseguia ler dois livros por ano.
Já a aposentada Filomena Cordeiro Alves, 78 anos, ficou reticente com relação à Biblioteca. Não sei que tipos de livros vão ter.
Letícia Brasileiro, 11 anos, afirma que costumava pegar livros na escola, mas quando chegava o período de férias ficava sem ler porque não tinha biblioteca no bairro. Larissa, 9 anos, irmã de Letícia, também gosta de ler. As duas ainda estimulam a leitura do irmãozinho Paulo Henrique, 3 anos, que gosta da história dos Três Porquinhos.
Também Andressa Moreira da Silva, 9 anos, afirma que gosta muito de ler: Ia até o centro da cidade emprestar livros. Mas agora vai ficar mais fácil.
A Biblioteca Pública Municipal Ramal Parque Residencial Novo Mundo é um ramal da biblioteca central de Boituva, inaugurada com o apoio do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet, e o patrocínio do Banco Daycoval, parceiro na instalação de diversas outras bibliotecas no estado de São Paulo.
Fonte: Cruzeiro do Sul
Nenhum comentário:
Postar um comentário