quinta-feira, 27 de maio de 2010

A educação passa pela leitura

Em cada cidade, uma biblioteca. Em cada escola pública, um acervo. E livros didáticos distribuídos a todo o ciclo básico. São os pilares do ministro Fernando Haddad para recuperar a qualidade da Educação

Por Celso Kinjô

Responsável pelo maior orçamento do governo (R$ 41 bilhões, soma equivalente a 4,6% do PIB brasileiro), o ministro Fernando Haddad, professor, advogado e economista, tem, como uma de suas prioridades, o incentivo ao hábito da leitura de livros. Criou vários programas nessa direção, seu ministério vem investindo neles, com a convicção de que o retorno para o País será muito maior.

Em entrevista exclusiva a Panorama Editorial, o ministro, há quatro anos pilotando a Educação, revela seus planos até 2010, quando se encerra o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Como o Sr. define as ações do Governo em estimular o hábito da leitura, sobretudo nas populações mais jovens?
“Estou de acordo com o diagnóstico de que a leitura é o caminho para a educação de qualidade. Ela nunca será possível se a leitura não estiver presente no dia a dia da população. Daí, derivam as ações do Governo. Não só de garantir que todo município brasileiro tenha pelo menos uma biblioteca pública, como também garantir que todas as escolas públicas recebam um acervo, no âmbito do Programa Nacional Biblioteca na Escola. E mais que isso, estendendo o programa do livro didático para toda a educação básica, e não restringi-lo ao ensino fundamental como no passado.

Até 2005, o governo não encaminhava livros didáticos para os alunos do ensino médio. Isso é uma barbaridade à luz da exigência por mais qualidade na educação. Literalmente, é impossível que alguém faça um bom ensino médio sem uma coleção didática disponível. Hoje, todas as etapas da educação básica; todas as escolas, no que diz respeito a acervos de livros; e todos os municípios, no que diz respeito a bibliotecas públicas, estão sendo contemplados.

E há outra forma de introduzir o hábito da leitura entre os jovens. Experiências empíricas comprovam que a internet é uma porta de entrada importante para que se cultive a leitura. Como a navegabilidade pressupõe a leitura – não é como a tevê, em que você muda de canal com um botão numérico –, a internet estimula a leitura, e há evidências empíricas de que isso tem impacto na proficiência de leitura, e também no consumo de livros. Uma coisa não substitui a outra. Ao contrário, são mídias que se reforçam.

Finalmente, a desoneração tributária de toda a cadeia do livro foi um ato importante do governo Lula, no sentido de tornar mais acessível o livro para a população”.

Como fazer o livro mais acessível, ministro?
“Eu penso que a leitura é conseqüência da democratização do acesso ao livro. Por isso é tão importante o programa ‘Biblioteca na Escola’. As pessoas tendem a imaginar que o cidadão não lê porque não quer, mas muitas vezes as pessoas não cultivam porque não tem acesso ao livro. São inúmeros os exemplos divulgados pela imprensa, de cidadãos comuns que tomaram a iniciativa de criar bibliotecas circulantes, e naturalmente as pessoas se aproximam do mundo da escrita.

O Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), para 2010, foi denominado ‘PNBE do Professor’. A dúvida é: há títulos suficientes para capacitar os professores?
“É uma inovação. Estamos agregando, à biblioteca da escola, uma biblioteca didática para o professor. É uma inovação porque averiguamos que o Brasil não dispõe de número expressivo de títulos de didática especifica. Se você pesquisar essa área em língua inglesa, ou francesa, ou em espanhol, vai verificar que o número de títulos é substancialmente superior ao catálogo em língua portuguesa. Então, esse programa visa fermentar a produção de livros de didática específica. Como ensinar Física, como ensinar História. Como ensinar Filosofia. Tudo isso para as várias etapas da educação básica. É um instrumento valioso na mão do professor, que pode aprimorar a sua didática, se tiver à mão uma biblioteca desse tipo.

Não necessariamente se deve apelar para traduções. Temos professores qualificados para escrever esses livros. A produção local vai ser fomentada a partir do PNBE 2010, em pouco tempo teremos uma coleção de títulos de didática específica bastante significativa. Por que não há ainda essa variedade? Porque sem o apoio do Estado, fica difícil. Quem vai contratar alguém para escrever um livro, sem ter a menor ideia sobre seu potencial. Um livro desse tipo é muito caro, pois exige cuidados, vai chegar na mão do professor, que vai fazer uso dessa prática.

O investimento não é pequeno e sem a garantia de demanda, fica difícil para um editor investir tanto dinheiro, sem ter a menor ideia de como será o impacto do lançamento da obra. Com a garantia de que o Estado adquirirá as obras para compor o acervo das bibliotecas escolares, tudo fica facilitado.

A distribuição de livros na rede pública vai continuar e até crescer, ministro?
“Não tenha dúvida. Ninguém vai voltar atrás na decisão de entrega gratuita de livros didáticos para toda a educação básica. Seria um contra-senso. Agora que a biblioteca chegou à pré-escola, ao ensino fundamental, ao médio, não há retrocesso possível.

O necessário é que o programa ‘Biblioteca na Escola’ se expanda, mas para isso, tenho de cuidar de uma questão preliminar, que é a infraestrutura das escolas, para acomodar acervos maiores. Tem havido esforço razoável por prefeitos e governadores, para adequar instalações e há outros dois programas importantes do MEC. Um é o ProInfo, que está instalando banda larga em todas as escolas públicas urbanas, e o Biblioteca na Escola. São programas muito importantes, até para caracterizar o papel da escola na era da tecnologia da informação”.

É possível uma educação de qualidade em um País de tantas desigualdades, ministro?
“Entendo que se quisermos combater as desigualdades, não há outro meio senão investimento. As desigualdades se explicam pela falta de investimentos em educação. Está comprovado, por vários estudos econométricos, que o investimento que tem a maior taxa de retorno é o investimento em formação. Supera qualquer outro. Entendo que o Brasil despertou para isso, definitivamente.

Entendo que o Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação deu um norte, um caminho para se trilhar, do ponto de vista de se fixar metas de qualidade, desde o ensino fundamental, passando pela graduação, o ensino médio e até a pós-graduação. O sistema brasileiro de avaliação é incomparável, eu diria que é um case a ser estudado, porque estamos avançando em todas as etapas. Há a fixação de metas, ou seja, você investe mais, mas exige que seu investimento retorne para a sociedade, em qualidade”.

O Sr. reivindica que o orçamento para Educação atinja 6% do PIB brasileiro?
“Se o próximo governo mantiver o passo do atual, eu diria que sim. Porque saltamos de um investimento de 2,9% do PIB para 4,6%. Temos toda a condição de chegar ao fim do governo beirando ou superando os 5%, mas em torno de 5%. Se o próximo governo fizer exatamente o mesmo esforço, chegaremos rapidamente a 6%. Mantendo esse patamar, até que se salde a dívida educacional, que é elevada em função da falta de investimentos que é histórica”.

No atual governo, não há cortes na educação?
“Desde 2004, não há cortes no orçamento da educação, muito ao contrário. Nosso orçamento, do ano passado para este, se elevou em cerca de R$ 10 bilhões. A previsão para o ano que vem é de um salto do mesmo porte, talvez um pouco menos. Um orçamento que vai superar os R$ 50 bilhões, tendo saído de um patamar de R$ 23 bilhões em 2004”.

E o futuro do livro, como vê?
“Uma vez que alguém tem acesso ao mundo da cultura, não abdica mais desse benefício. Creio que temos muito a fazer. O brasileiro, do adulto recém-alfabetizado, até o recém-doutor, sabe que o mundo da escrita é inalienável. Uma vez inserido nele, no universo da escrita, ninguém vai sair. Isso vale para o futuro.

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