Fernanda Mariano
Jovens e crianças formam a faixa etária com maior índice de leitura no Brasil. A informação pode surpreender muitos adultos, principalmente os que não perdem a chance de dizer que "a juventude e o estudo de hoje são muito diferentes de épocas passadas" e que não vêem os filhos lendo.
O fato é que uma pesquisa divulgada recentemente pelo Instituto Pró-Livro, realizada pelo Ibope Inteligência, mostra que quase 40% dos 95,6 milhões de leitores de livros no Brasil estão na faixa etária de 5 a 17 anos e outros 14% possuem entre 18 e 24 anos.
Contudo, o alto índice de leitura entre os jovens está ligado à fase escolar, quando são cobrados pelos professores. O desenvolvimento do hábito de leitura, porém, depende de ações que promovam o interesse constante e proporcionem uma formação para um adulto leitor - e essas atividades não devem ser restritas à escola.
"O que promovemos é estudo, não é leitura", comenta o professor Hélio Consolaro, que defende que o desenvolvimento do hábito de ler acontece por meio do contato das obras que estão além do currículo escolar. Para ele, a cobrança pelo conhecimento dos livros indicados pode "tirar o sabor" da leitura entre as crianças e jovens. A indicação é tida, simplesmente, como tarefa. "É claro que a oferta em sala de aula causa o estímulo, mas é preciso mais do que isso para formar leitores."
A dificuldade em entender uma obra precisa ser enfrentada. "Os estudantes perdem o interesse por livros que não entendem, e isso acontece muito com os clássicos; por isso, o ideal é oferecer algo contemporâneo, que tenha relação com a realidade deles", diz a professora de Literatura Márcia Lorca.
Ela lembra que, atualmente, alguns alunos procuram na internet os resumos e resenhas de obras apresentadas para estudo, o que limita a compreensão e o desenvolvimento crítico.
"Normalmente, eles se desinteressam por aquilo que não entendem; perdem a oportunidade de desenvolver o vocabulário e a capacidade de interpretação."
Já o professor de Literatura Carlos Eduardo Brefore Pinheiro destaca que "o papel da escola é entregar para a sociedade um cidadão que consiga interpretar aquilo que lhe dizem e escrevem, que consiga fazer críticas aos problemas sociais. Para isso, ele precisa ter desenvolvido e trabalhado a interpretação". De acordo com o profissional, não basta ler, é preciso entender, assimilar e transformar aquele conhecimento.
Criar estímulos, relacionar as obras com a atualidade e buscar a interdisciplinaridade são papéis dos professores, pais e responsáveis. A chance de assistir a filmes baseados em obras literárias, por exemplo, é um modo de instigar a criança ou o jovem a procurar o livro.
Relacionar obras de arte, músicas e situações do dia-a-dia com livros também pode despertar a curiosidade do estudante em procurar a literatura. O universitário Diego Costa Assunção, apaixonado por cinema, lembra que muitas vezes um longa-metragem lhe atraiu a atenção para a obra literária original sobre o fato ou personalidade. "Vendo filmes, entrei em contato com outras artes que talvez eu não conheceria sem o auxílio do cinema. Por meio dos filmes baratos de terror dirigidos por Roger Corman, travei contato com a literatura de Edgar Allan Poe. Pela atuação de Mickey Rourke como Henri Chinaski, procurei conhecer os contos e poemas de Charles Bukowski".
O assunto é fundamental
De acordo com a pesquisa do Instituto Pró-Livro, para dois terços das crianças e adolescentes com menos de 15 anos, o tema é o fator mais importante na hora de escolher um livro para ler. O estudo aponta que, dos 4,7 livros lidos por ano, 3,4 obras são indicadas pela escola e apenas 1,3 é uma escolha espontânea.
"É importante deixá-los ler aquilo que têm vontade. Diferente do que os intelectuais dizem, não é porque a pessoa lê Paulo Coelho ou Harry Potter é um 'leitor ruim'", alerta o professor Hélio Consolaro.
O universo da pesquisa sobre leitura foi de 172,7 milhões de pessoas, das quais 95,6 milhões foram consideradas leitoras, o que significa ter lido pelo menos um livro nos últimos três meses. Desse total, 54% deles são estudantes que lêem as obras indicadas pela escola.
Outra constatação interessante da pesquisa é o papel das famílias, em especial a mãe. A função dos pais mostra-se mais relevante ainda quando são feitas comparações entre leitores e não-leitores. Entre as crianças de 5 a 10 anos, 73% delas citam as mães como quem mais as estimularam a ler, elas aparecem acima dos professores.
De acordo com o estudo, um em cada três leitores tem lembranças da mãe lendo algum livro, e 87% afirmam que os pais liam para eles quando estavam iniciando na prática da leitura. "O aprendizado acontece pelo exemplo", comenta a professora de Literatura Márcia Lorca. "Os pais precisam ser leitores para causar identificação". Presentear as crianças com livros, ler em conjunto e comentar sobre obras que estão sendo lidas suscitam o interesse nas crianças e adolescentes.
Pesquisa constata que as mulheres costumam ler mais que os homens
O estudo encomendado pelo Instituto Pró-Livro mostra que a média nacional é de 4,7 livros ano/habitante. Depois das crianças e jovens, as mulheres saem na frente em relação à leitura: lêem 5,3 livros por ano, enquanto o índice entre eles é de 4,1. A maioria dos entrevistados diz que o livro é uma fonte de conhecimento. Somente 8% relacionam a leitura como atividade prazerosa ou interessante.
Depois das crianças e dos jovens, as mulheres são as maiores freqüentadoras da Biblioteca Pública Rubens do Amaral, em Araçatuba. Segundo a bibliotecária, Marlene Umbelina Martinez Rodrigues, as senhoras, principalmente as aposentadas, têm grande participação na locação de obras na instituição. "Elas buscam por romances e também clássicos", diz.
A "Bíblia" é considerada o livro mais importante, com dez vezes mais referências em relação ao segundo colocado, "O Sítio do Pica-pau-amarelo", de Monteiro Lobato, apontado como o escritor mais lido no Brasil.
Após Lobato, líder disparado, a lista dos dez escritores brasileiros mais lidos inclui, pela ordem, Paulo Coelho, Jorge Amado, Machado de Assis, Vinícius de Morais, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Érico Veríssimo, José de Alencar e Maurício de Souza, autor de histórias em quadrinhos.
Dos leitores que declararam gostar da atividade e realizá-la com freqüência, 79% têm formação superior, 78% têm renda familiar acima de 10 salários-mínimos e 69% são moradores de regiões metropolitanas.
Em algumas regiões, a leitura é mais habitual. É o caso do Sul, onde foram apurados 5,5 livros lidos por habitante/ano. Em seguida, vem a região Sudeste (4,9), o Centro-Oeste (4,5), o Nordeste (4,2) e o Norte (3,9). Os leitores lêem mais nas grandes cidades (5,2 livros por habitante/ano) do que nas pequenas localidades do interior (4,3 em municípios com menos de 10 mil habitantes).
Essa média sobe entre os que possuem maior escolaridade. Entre aqueles que possuem formação superior, ela é de 8,3 livros/ano. Esse número é de 4,5 livros para quem tem ensino médio completo, 5 para quem cursou entre 5ª e 8ª série do ensino fundamental e 3,7 para quem tem até a 4ª série.
A pesquisa também constatou que, apesar dessa média de leitura, os brasileiros não compram muitos livros: 1,1 livro adquirido por ano. O Brasil possui 36 milhões de compradores de livros e, entre eles, a média é de 5,9 livros exemplares adquiridos por ano.
O estudo foi realizado entre novembro e dezembro de 2007, ouviu 5.012 pessoas com mais de cinco anos, inclusive analfabetos, em todos os estados do País e no Distrito Federal. A margem de erro é de 1,4 ponto percentual, para mais ou para menos.
Fonte: Folha da Região
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