Editoras universitárias debatem futuro do setor com a chegada dos e-books e destacam a importância do professor para que os brasileiros leiam mais
Nova tecnologia, mais leitores
Encontro discute impacto dos e-books no mercado editorial e importância do professor na formação dos leitores no país
Encontro discute impacto dos e-books no mercado editorial e importância do professor na formação dos leitores no país
Daniel Patire
O impacto dos livros em formato digital, ou e-books, gera dúvidas e também expectativas sobre novas possibilidades de negócios no mercado editorial brasileiro. Para discutir o futuro comercial desse setor e a expansão do hábito da leitura, dirigentes e profissionais da área de todo o país, além de professores e pesquisadores, encontraram-se na XXIII Reunião Anual da Abeu (Associação Brasileira de Editoras Universitárias), realizada de 7 a 10 de junho, na sede da Fundação Editora Unesp (FEU), em São Paulo.
“Pela primeira vez, abordamos esses tópicos de uma forma direta e baseada em dados de pesquisas nacionais e experiências internacionais”, afirma a presidente da associação, Flávia Garcia Rosa, professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA). “Desses debates, pretendemos gerar ações que fomentem a leitura em nossa sociedade.”
A abertura do evento aconteceu no dia 7, com a presença da professora Flávia, do secretário de Ensino Superior do Estado de São Paulo, Carlos Vogt; do vice-reitor da Unesp, Julio Cezar Durigan; do diretor-presidente da FEU, José Castilho Marques Neto; do secretário municipal da Cultura de São Paulo, Carlos Augusto Calil; do presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Hubert Alquéres; e da presidente da CBL (Câmara Brasileira do Livro), Rosely Boschini.
Livros virtuais – As novas tecnologias de informação vão impor um rearranjo na produção, comercialização e distribuição das obras, segundo o filósofo Pablo Ortellado, professor da USP. Ele coordena um grupo de pesquisa sobre os efeitos das novas tecnologias para a produção, distribuição e consumo de bens culturais e educacionais, além de temas relacionados à propriedade intelectual.
“Podemos fazer um comparativo com a indústria fonográfica, que precisou se reinventar após a digitalização da música”, ressalta Ortellado. “Os empresários utilizam a disseminação de arquivos em MP3 para divulgar o produto, e seu modelo de negócio passou por reestruturações.”
Para o filósofo, a digitalização do livro tem um impacto fundamental na difusão do conhecimento entre classes sociais que antes não conseguiriam adquirir as obras que constam da bibliografia solicitada em cursos superiores. Ele cita o exemplo de universitários argentinos, que digitalizaram toda a bibliografia dos cursos da área de Ciências Humanas.
Entretanto, o leitor brasileiro não gosta, em princípio, do livro digital, de acordo com o estudo “Os leitores brasileiros e o livro digital”, promovido pela Imprensa Oficial e pela CBL, e executado pelo Observatório do Livro e da Leitura, em 2009. Os pesquisados identificaram o e-book com a Internet, o computador e o notebook, segundo Galeno Amorim, coordenador do trabalho e diretor do Observatório.
“Os leitores reclamam que a tela do computador é muito ruim e cansativa para a leitura”, comenta Amorim. “Um outro aspecto apontado é que os e-books não permitem anotações, comentários.” O dirigente explica que, ao serem apresentados aos equipamentos apropriados, conhecidos como e-readers, os entrevistados perceberam que o manuseio do e-book fica mais fácil, e, com isso, concluíram que poderiam consumir o conteúdo digital.
Experiências – Para fundamentar as discussões, o diretor executivo da Federação de Editores da Espanha, Antonio Maria Ávila Alvarez, e a consultora de mercado editorial desse país, Inés Miret, falaram da experiência de digitalização do acervo da Biblioteca Nacional espanhola e dos catálogos das editoras locais. “Hoje, por meio da Biblioteca Hispânica Digital, o usuário pode consultar até 20% do conteúdo das obras comerciais de graça”, explica Alvarez. “Isto permite a degustação, se assim podemos dizer, do produto que poderá ser comprado.”
Em 2009, a Federação e a Fundação Germán Sánchez Ruipérez realizaram um estudo sobre o impacto do livro digital na Espanha. Com a participação de 254 editoras de diversos portes, constatou-se que os preços dos livros devem cair de 30% a 50%, em 2010, ano em que 20% dessas editoras comercializarão de 50% a 100% das suas novidades tanto no formato digital quanto em papel.
A experiência europeia é um exemplo para ações brasileiras, segundo Jézio Hernani Bomfim Gutierre, editor executivo da FEU e professor da Faculdade de Filosofia e Ciências, câmpus de Marília. “Não podemos considerar o e-book como algo que salvará a difusão e nem um sinal do fim das editoras”, acentua.
Recentemente, a FEU adotou um modelo pioneiro de digitalização do catálogo, com o lançamento, em março, de 44 títulos inéditos exclusivamente no formato eletrônico, em uma ação conjunta com a Pró-Reitoria de Pós-Graduação (Propg) (Jornal Unesp n.º 254, pág. 7). “Tivemos a ousadia de trabalhar com dois conceitos importantes: o contexto eletrônico e o acesso gratuito ao conhecimento produzido nas universidades”, afirma Marques Neto. Desde o lançamento, foram feitos mais de 35 mil downloads. Os leitores têm acesso gratuito às obras no site do selo Cultura Acadêmica. http://www.culturaacademica.com.br/
Leitura universitária – O encontro promoveu também o debate sobre a leitura nas universidades brasileiras. A intenção foi diagnosticar como estudantes e professores “consomem” o livro. Foram apresentados estudos realizados pela PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), que compararam quantos livros os alunos leem até entrarem na universidade e o tempo gasto na leitura após alguns anos no ensino superior.
A pesquisa feita com estudantes da PUC-RJ demonstrou que, ao entrarem na universidade, eles liam pouco e tinham dificuldade em encontrar a mensagem principal do texto. Após os anos de formação, esses mesmos alunos tinham aumentado o tempo de leitura, a agilidade de compreensão dos textos e a cultura geral. “Mesmo com os resultados positivos, os alunos nos últimos anos dos cursos pediram professores que os ensinassem a ler, independentemente das áreas de formação”, salientou a professora Eliane Yunes, coordenadora do estudo e diretora da Cátedra Unesco de Leitura.
João Luiz Ceccantini, do curso de Letras da Faculdade de Ciências e Letras (FCL), câmpus de Assis, também destaca o papel dos professores na formação de um público leitor, percebendo e trabalhando a heterogeneidade de seus alunos. Ceccantinni, que recebeu o Prêmio Jabuti 2009 com o livro Monteiro Lobato: livro a livro, editado pela FEU, analisou os dados da pesquisa “Retratos da leitura no Brasil”, realizada pelo Observatório e pelo Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), que aponta que os períodos de maior dedicação à leitura se concentram na infância e adolescência dos entrevistados (Veja gráficos). “Nessa faixa etária, eles frequentam a escola e são obrigados a ler”, avalia.
Acesso democrático – O levantamento constatou, ainda, que a leitura é prazerosa para as crianças até os 14 anos. Nessa idade, os alunos participam de várias iniciativas que os incentivam a ler. Já para os estudantes de ensino médio a leitura é uma obrigação, representando algo feito sem prazer. Para Ceccantini, essas informações reafirmam a função do chamado mediador da leitura, geralmente desempenhada pelo professor. “Essas crianças não têm o exemplo da leitura em casa e, por isso, o papel do professor passa a ser tão importante”, conclui.
De acordo com Marques Neto, os temas do livro digital e da leitura na universidade convergem para a democratização do acesso ao conhecimento e o aumento do hábito da leitura. Ele é secretário executivo do Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL), ligado ao Ministério da Cultura e ao Ministério da Educação. O plano é um conjunto de atividades e eventos voltados para a área do livro, leitura, literatura e bibliotecas, focados no desenvolvimento do setor. “As nossas ações estão direcionadas à capacitação de educadores, bibliotecários e outros mediadores da leitura; a ampla utilização dos meios de educação a distância; a implantação de novas bibliotecas; e a incorporação de novas tecnologias de informação, para facilitar o acesso à produção”, enumera.
De todos os debates, duas questões se sobressaem, segundo Marques Neto: o papel central do professor na formação de leitores e o poder da digitalização para se ampliar o acesso aos livros. “Já está comprovado que, quando se tem acesso a um bem cultural, como por exemplo um livro, ele passa a ser consumido”, assegura.
Fonte: Jornal da Unesp
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