Carla Barcaro*
A reportagem ''Direito à leitura'', (Folha2, pág. 4, 22/06) bem como os comentários publicados por leitores na seção de cartas da FOLHA, me fizeram lembrar de um sonho secreto que alimentava na infância: ganhar uma biblioteca. Das duas escolas estaduais que frequentei até o término do segundo grau, nenhuma possuía biblioteca. Talvez, por isso, me causa tanta inquietação e interesse. Creio na leitura como forma de acesso à cidadania e democracia. Apesar dos índices que mostram avanços nesse setor, o acesso à leitura e às bibliotecas continua sofrível.
Pesquisa encomendada pelo Ministério da Cultura à Fundação Getúlio Vargas (FGV) - o Primeiro Censo Nacional das Bibliotecas Públicas Municipais -, estima que haja cerca de 2,67% bibliotecas para cada 100 mil habitantes no país. Quando olhamos para os índices de distribuição regional, percebemos ainda a discrepância existente entre zonas centrais e áreas mais remotas. Cerca de 86% das bibliotecas escolares estão localizadas em áreas urbanas (Inep, 2004). Alguns projetos desenvolvidos pelo setor privado e pelo governo buscam melhorar esses índices. Além do projeto ''Palavras Andantes'', citado pela FOLHA, há também o projeto ''Arca das Letras'', promovido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. Nesse projeto são montadas bibliotecas para uso comunitário na casa de pessoas pertencentes à comunidade local, os agentes de leitura. Cada casa recebe em torno de 200 obras inicialmente, e os títulos variam entre saúde, agricultura, literatura, didáticos, gibis, etc.
Projetos do gênero são importantes, pois oportunizam aos leitores títulos relevantes às suas necessidades (os moradores indicam os livros que querem no acervo), capacitando-os não apenas para a decodificação de mensagens desconexas de seus contextos, mas na formação de leitores conscientes da comunidade onde vivem. A necessidade de acervos e de construção de salas adequados para a reunião dessas obras (como a intentada pela lei Direito à Leitura) é inquestionável. A biblioteca não é apenas um local de leitura e pesquisa, mas um espaço aberto para várias práticas sociais, dentre as quais a integração social, que deve acontecer em todas as esferas da sociedade e não ser polarizadas nas regiões centrais. Essa integração, a meu ver, pode acontecer por meio de um simples círculo de leitura.
A lei do Direito à Leitura, mesmo que óbvia, tardia e com motivações questionáveis, chega para elevar o valor da leitura entre nós e diminuir os entraves de acesso à informação que marca nossa nação e acentua a exclusão social. A lei coloca a biblioteca sob a tutela do Estado (ótimo!) que, por outro lado, terá poder para fiscalizar e punir as instituições particulares que não se adequem a ela. Quero crer que em dez anos não teremos mais escolas públicas em estado precário no país e que cada uma delas estará devidamente equipada, não apenas com espaços de leitura e acervos, mas com um bibliotecário, com é previsto pela lei.
Entendo ser direito legítimo da sociedade exigir uma agência que fiscalize o governo, quanto ao cumprimento da lei que ele mesmo sancionou. Nada mais justo que o governo receber as mesmas punições caso não atinja a meta de adequação, que de acordo com os cálculos apresentados pela reportagem da FOLHA, implica na construção de 25 bibliotecas por dia. Espero ver diferença nas bibliotecas escolares no setor público. Sou esperançosa e sigo sonhando com a valorização da biblioteca como espaço de acesso à cidadania e formação de leitores críticos e atuantes. Como já reconheceram os europeus, ''investir nas bibliotecas significa investir na democracia'' (Parlamento Europeu, 1998, p.3).
*CARLA BARCARO é professora de Inglês e aluna do programa de pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina
Matéria publicada em 13/07/2010
Fonte: Folha de Londrina
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