professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral, Estado do Ceará.
O signo linguístico, isto é, a palavra, segundo Ferdinand de Saussure, possui duas faces: o significante, que corresponde à imagem acústica que nos vem à mente quando ouvimos uma palavra; e o significado, termo relacionado à ideia ou ao conceito que temos de algo. Graças à teoria de Saussure, a palavra passou a ser uma unidade importante na estrutura das línguas, especialmente as modernas.
As palavras têm traços discretos, traçados icônicos, sugestivos e históricos dos nossos ancestrais, e sons distintivos (fonemas). Todavia, as palavras têm, também, ideologia, ou seja, o pensamento dominante dos que, em determinado momento da civilização, dão as regras de convivência social ou ditam as condutas ou o comportamento das pessoas, muitas vezes interditando de forma avassaladora o corpo e a alma delas, como ocorre em muitas formas de governo, partidos políticos ou religiões duras, de modo que as pessoas não são consideradas construtoras de sua história, sujeitos de sua liberdade e de sua aprendizagem.
A interdição do corpo, especialmente da nossa voz e do gesto, podemos observar ideologicamente na formação de algumas palavras de origem clássica. É o caso de infância, que significa aquele que não fala. A palavra infância, tão presente nas teorias da aquisição da linguagem, não poucas vezes parece ainda conservar essa ideia em teorias de aquisição da linguagem que não veem nas crianças sujeitos de sua própria fala ou linguagem.
Na visão tradicional dos gregos e romanos, acreditava-se que as crianças, pelo menos nos três primeiros anos de vida, não sabiam falar como os adultos e que o balbucio articulado não poderia ser considerado um prenúncio importante de uma capacidade de expressão verbal, mas que as crianças eram unicamente capazes de escutar os mais velhos, para que, ouvindo “a fala dos adultos”, imitassem-nos e aprendessem, após os três anos, a iniciar-se na difícil habilidade de “falar como os grandes”. A fábula é, assim, o gênero textual escolhido pelos adultos para que as crianças aprendam lições de vida, da moral e da ética das coletividades, especialmente das famílias.
As fábulas, como sabemos, são narrações populares ou artísticas de fatos puramente imaginados. A imaginação é importante para quem fala e escuta e, na sociedade letrada, imprescindível para o leitor iniciante diante do texto escrito que precisa ser oralizado em determinados contextos de comunicação. Se as fábulas favorecem a imaginação criadora desde a infância, logo as habilidades linguísticas serão beneficiadas com a escuta ativa por parte das crianças durante os anos da pré-escola em que escutam, de forma prazerosa, fábulas, parlendas para fazer rir, trava-línguas, contos e histórias do folclore de sua comunidade.
Mais tarde, saem, aos quatro ou cinco anos de idade, da préescola, última etapa da Educação Infantil, ou de seus lares, em que são compulsoriamente matriculados nas escolas de Ensino Fundamental, em busca da educação formal e do conhecimento cultural e historicamente acumulado pelos povos. As crianças, agora aos seis anos, terão que escrever bem e ser formalmente criativas. Não poderão escrever rabiscos ou escrever por escrever como ocorria na Educação Infantil. Terão que escrever um texto criativo e com imaginação criadora, mas dentro dos padrões cultos e prescritivos da palavra e dos textos escolares.
No Ensino Fundamental, para ingressar na sociedade letrada, há a exigência contumaz de que as crianças terão que ler e escrever corretamente. Desse modo, a ortografia, que depende muito da memória visual, encontrará boa receptividade nas crianças que tenham sido estimuladas, desde a Educação Infantil, a recontar as histórias fabulosas que ouviram de pais, amigos, contadores de histórias e professoras.
Graças a essa formação pelo ouvir, formaremos, plenamente, na última etapa da Educação Básica, o Ensino Médio, leitores e escritores proficientes para a vida social. Por isso, desde cedo, se faz necessária a educação leitora, escritora e ortográfica das crianças, de modo a levar os educandos, com ou sem dificuldades na aprendizagem das habilidades linguísticas, a desenvolverem a “capacidade de evocar imagens de objetos anteriormente percebidos” e, assim, oferecer boas tarefas que envolvam as habilidades da linguagem escrita.
Ao certo, nem todas as crianças têm o mesmo insight no período da Educação Infantil. Muitas, por exemplo, com atraso na fala, já observado pelos pais e professores nas creches e na pré-escola, tendem a ter comprometimento na leitura em voz alta no Ensino Fundamental, a que chamamos de dislexia. Para as crianças disléxicas, as fábulas, principalmente, são altamente benéficas do ponto de vista pedagógico por serem um gênero da literatura que se caracteriza por trazer uma curta narrativa, em prosa ou verso; que tem, entre as personagens, animais que agem como seres humanos; e que ilustra um preceito moral. São as fábulas em prosa que facilitam a compreensão leitora; e as em verso, as que ajudam na sensibilização às rimas e, por consequência, na decodificação leitora.
No tocante às tarefas de avaliação da compreensão leitora, inclusive com fins de promoção escolar — ainda tão presentes no currículo para definir a aferição do rendimento —, a boa recomendação pedagógica é que os professores tomem como bons gêneros literários as fábulas de Esopo, as parlendas de origem nacional, o rico regionalismo linguístico e literário dos cordéis das comunidades rurais, por não quererem que reproduzam a “mesma fala” do texto, levando os pequenos a recontarem a história de sua gente com suas próprias palavras. É o que, em linguística, chamamos de paráfrase. A paráfrase é um recurso didático dos mais viáveis e produtivos nas atividades em que o professor requer conhecimentos antes, durante e depois da leitura por parte dos seus alunos.
Eis um exemplo de fábula de Esopo que conduz as crianças, na primeira infância, à compreensão leitora na Educação Infantil, a partir da escuta ativa, e à formação leitora crítica, nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
O Sapo e o Boi
Há muito, muito tempo, existiu um boi imponente. Um dia, o boi estava dando seu passeio da tarde quando um pobre sapo todo malvestido o olhou e ficou maravilhado. Cheio de inveja daquele boi que parecia o dono do mundo, o sapo chamou os amigos.
— Olhem só o tamanho do sujeito! Até que ele é elegante, mas grande coisa; se eu quisesse, também seria.
Dizendo isso, o sapo começou a estufar a barriga e, em pouco tempo, já estava com o dobro do seu tamanho normal.
— Já estou grande que nem ele? — perguntou aos outros sapos.
— Não, ainda está longe! — responderam os amigos. O sapo se estufou mais um pouco e repetiu a pergunta.
— Não — disseram de novo os outros sapos —, e é melhor você parar com isso, porque senão vai acabar se machucando.
Mas era tanta a vontade do sapo de imitar o boi que ele continuou se estufando, estufando, estufando até estourar.
Moral: Seja sempre você mesmo.
Sugestões de Leitura:
AIMARD, Paule. O Surgimento da Criança na Criança. Porto Alegre: Artmed, 1998.
BALIEIRO JR., Ari Pedro. Psicolingüística. In: MUSSALIM, Fernanda;
BENTES, Anna Christina (Orgs.). Introdução à Lingüística: Domínios e Fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001.
DEL RÉ, Alessandra. A Aquisição da Linguagem: uma Abordagem Psicolingüística. São Paulo: Contexto, 2006.
KATO, Mary A. No Mundo da Escrita: uma Perspectiva Psicolingüística. São Paulo: Ática, 1990.
KAUFMAN, Diana. A Natureza da Linguagem e sua Aquisição. In: GERBER, Adele. Problemas de Aprendizagem Relacionados à Linguagem: sua Natureza e Tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
PUYUELO, Miguel, RONDAL, Jean-Adolphe. Manual de Desenvolvimento e Alterações da Linguagem na Criança e no Adulto. Porto Alegre: Artmed, 2007.
SCARPA, Ester Mirian. Aquisição da Linguagem. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (Orgs.). Introdução à Lingüística: Domínios e Fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001.
SHAYWITZ, Sally. Entendendo a Dislexia: um Novo e Completo Programa para Todos os Níveis de Problemas de Leitura. Porto Alegre: Artmed, 2006.
VIGOTSKI, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
Fonte: Construir Notícias
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