A prova do livro ou a cumplicidade leitora?
Jonas Ribeiro
Em primeiro lugar, um livro infantil nasce para ser lido e tatuado nos olhos leitores das crianças. Ele nasce para dançar com as meninas leitoras dos olhos das crianças. Isso! Em cheio! Acertamos na mosca! Um livro infantil existe para assegurar a gratuidade de ser, por si só, um presente incondicional. E fica bastante claro e óbvio que, quando um educador entrega um presente para uma criança, convém que ele não exija nada em troca. Caso ele esperasse um retorno, o livro, enquanto presente da própria língua materna e da criatividade humana, perderia as suas qualidades intrínsecas em relação à literariedade e perderia também a sua função estética para ganhar uma função utilitária. Por essa razão, condeno o escritor que, num ato especulativo, escreve para preencher lacunas do mercado editorial e enalteço aquele que escreve pelo prazer de servir uma refeição literária ao leitor, pelo ato de generosidade e afetividade em si mesmos justificados.
Na verdade, caro educador, considero uma situação bastante desconfortável e incômoda quando uma obra literária costuma ser estudada e destrinchada exaustivamente. Todo o prazer que o leitor colheu da leitura escapa pela tangente e a própria leitura acaba virando uma barganha dentro da escola. Se o aluno ler, ele recebe nota. E, se a leitura deixou de ser feita, o aluno, tão-somente, segundo Daniel Pennac, exerceu o seu “direito de não ler”. Nenhuma tragédia. Nada de tão grave assim aconteceu. Não nos esqueçamos de que pode ocorrer de o livro adotado não encontrar nenhum atrativo junto ao aluno. Estou para conhecer um livro que agrade a gregos e a troianos. E o fato de ter deixado de ler um ou outro livro não significa que o aluno deixará de ser um leitor brilhante; pelo contrário, isso pode apenas significar que ele exerceu o seu livre-arbítrio leitor. Talvez essa relutância em ler tenha a sua causa enraizada na certeza de que haverá uma cobrança posterior à leitura, o que, vamos e venhamos, pode inibir o curso de uma relação saudável entre o livro e o aluno.
Penso que, antes de valer-se de uma ficha de leitura, que não carrega consigo a mesma carga emocional do livro, o educador deveria procurar seduzir o aluno para a obra e para as vantagens que a literatura costuma trazer para a existência de todo leitor. Agindo dessa forma, o educador terá chances cada vez maiores de abrir um espaço natural da presença e da necessidade do livro na rotina de seus alunos, finalmente leitores. Provavelmente, quando esse aluno concluir os seus estudos formais e deixar a universidade, ele terá o livro como um amigo, um aliado; e mais, ele freqüentará livrarias, sebos, bibliotecas e transmitirá essa paixão para seus filhos.
Se a escola e a família não souberem fazer essa ponte, o aluno preferirá buscar prazer em outros veículos de lazer. E aí, perderemos a batalha. Teremos conosco a ficha de leitura preenchida pela letra do aluno. Acontece que esse mesmo aluno não estará preenchido pelas letras do livro. Qual a função dessa vã cobrança? Receberemos a ficha cheia de respostas secas, quadradas, bem formatadas (à altura das perguntas) e teremos um aluno vazio de infinitude leitora, literária.
Para alguns livros, a ficha de leitura funciona. Para a maioria, pode ter um efeito castrador e desalentador para a prática da leitura. Mais do que a ficha de leitura preenchida com coerência, estamos atrás de um aluno preenchido com as ambigüidades e as sutilezas emocionais da Literatura. Estamos atrás de um aluno enriquecido pela Literatura, de um aluno que tenha tido o seu universo interior ampliado com a incorporação das incontáveis portas que a Literatura pode abrir para a sua observação, perspicácia e sensibilidade apurada.
O livro didático da disciplina Língua Portuguesa tem a função de ensinar as regras e o mecanismo da língua materna, e nele o aluno pode escrever à vontade, fazer exercícios e ser avaliado. Já o livro de leitura não carrega a pretensão e a finalidade de ter quaisquer funções práticas e avaliativas. O livro de leitura apenas nutre um grande desejo de oferecer uma experiência única do idioma pátrio e de proporcionar ao leitor/aluno uma reflexão de si mesmo e do mundo que o cerca. Tudo muito tênue.
Se quisermos que o aluno ame o livro, precisamos edificar, ao longo do tempo, um relacionamento belo e significativo entre os dois, entre aluno e livro. Não devemos ficar agindo como um pombo-correio mexeriqueiro, dizendo para o livro: “O Fulano não gosta de ler e achou você um chato de galocha”. E depois dizendo para o Fulano: “Se você não ler, você não vai conseguir fazer a prova do livro, não vai passar de ano e não vai prestar para nada”. Daí dizemos para o livro: “O Fulano deixou de ler as suas páginas porque você não deu nenhum sorriso para ele e nem ao menos o cumprimentou”. E de intriga em intriga vamos conseguindo distanciar o livro do dia-a-dia do aluno.
Parâmetros curriculares são importantes, mas a criança é muito mais.
É para elas que escritores, ilustradores e editores fazem os livros.
Um livro não precisa ser fichado.
Um livro quer ser um amigo, ser lido, ser livre, ser incorporado no imaginário do leitor e, acima de tudo e de todas as justificativas mais mirabolantes e convincentes que a inteligência humana possa conceber, um livro só quer ser um livro, ser ele mesmo e poder ler em tantos olhos leitores a aventura de sua alma, a quintessência de sua razão de ser.
Jonas Ribeiro,
escritor, ilustrador e contador de histórias
(Oi, amigos do livro!!! Retirei o texto acima do capítulo Por uma política de leitura na escola de um livro que estou acabando de escrever. Só falta ajeitar mais dois capítulos e pronto, ele seguirá para alguma editora amiga. Ele se chama Contos de desarmado para coração desarmado. Espero que a gente volte a se encontrar em outras páginas, seguindo o fio de Ariadne de outras tantas palavras.)
Poesias de dar água na boca
Editora Ave Maria
Em nome da paz
Editora Dimensão
Gente que mora dentro da gente
Editora Dimensão
Furos tampados de muitos papos-furados
Franco editora
Avó maluca lelé da cuca & Vovó pirada da pá virada
Franco Editora
Eu te amo para sempre
Editora Dimensão
A Aids e alguns fantasmas no diário de Rodrigo
Editora Elementar
Fonte: Construir Notícias
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