Matéria publicada em 26 de abril de 2011
Willian Vieira
Maria josé Rodrigues, de 48 anos, e as amigas da associação de mães do Parque Santa Rita, na zona leste de São Paulo, descobriram que são o retrato da nova classe média – os 20 milhões de brasileiros que testemunharam, nos últimos dez anos, o avanço da renda e do crédito e agora são perfilados como classe C. Elas ganham de dois a quatro salários mínimos, têm cartões de crédito e três, quatro tevês. Mas há um item a mais nessa lista que aponta para uma ascensão social diferente, incomum a quem vem de famílias com pouca formação escolar. Elas leem. E compram os próprios livros.
“Um dia eu ia comprar um cosmético, vi o livro no catálogo e me interessei”, diz Maria. Ela comprou o exemplar da revendedora que bateu na porta de casa, fenômeno recente que traduz uma nova situação para o mercado livreiro. O bairro dela não tem livraria. Quando a opção chegou tão perto, Maria aceitou. “O título me atraiu, sobre como lidar com pessoas difíceis. Era o que eu precisava. Então comprei.”
Em um país onde a leitura é somente a quinta atividade de lazer nas pesquisas e três em cada quatro pessoas não vão a bibliotecas, a compra de Maria mostra que as coisas começam a mudar. Como o índice de leitura acompanha o aumento da educação formal, que caminha com a alta da renda, a leitura surge para esses novos consumidores. O número de livros lidos por habitante saltou de 1,8, em 2000, para 3,7, em 2007, segundo a pesquisa Retratos da Leitura, do Instituto Pró-Livro, de 2008.
O Brasil já é o 11º mercado de livros do mundo, de acordo com pesquisa divulgada nesta semana na Feira do Livro de Londres. E, segundo o mais recente levantamento da Fipe para a Câmara Brasileira do Livro, do ano passado, o mercado editorial cresceu 13,5% em volume de exemplares entre 2008 e 2009. Faturou quase o mesmo. Os livros é que estão mais baratos, graças à política de desoneração do governo e à queda do dólar.
A demanda é óbvia: segundo a pesquisa, 43% dos que dizem ler livros são da classe C, mas só 48% deles compram livros. Na classe A, são 73%. Se os outros 52% da classe C passarem a comprar, a mágica está feita. O mercado já percebeu isso. A Paulus, por exemplo, lançou uma coleção de infantis a 5 reais,- em razão “do aumento da procura- por essa classe C”, segundo o presidente, Zolferino Tonon. Fora o boom de livros de bolso e edições mais simples que a maioria que as editoras tem lançado, de olho em gente com formação e renda cada vez mais sólidas.
“Tome-se o universitário de faculdade barata: ele não vai comprar A Bíblia do Marketing, que custa 169 reais, mas, com certeza, vai comprar um livro para ajudar na carreira por 15 reais”, diz Ednil-son Xavier, presidente da Associação Nacional de Livrarias. Juliana da Costa, de 26 anos, confirma a tese. Moradora da zona leste, a 40 quilômetros das maiores livrarias da cidade, a estudante de Administração passou a comprar livros a pedido do professor. “Não tenho tempo de ir à livraria, então compro no catálogo mesmo.” Ela comprou O Monge e o Executivo, adorou e quer mais.
“O que importa é que estamos conseguindo contemplar esse público”, afirma Sônia Jardim, presidente do Sindicato Nacional de Editores de Livros. Dois elementos sinalizam isso. Primeiro, os filões que mais cresceram foram o religioso, o de autoajuda e os técnicos, além dos infantis – acessíveis e comprados- em massa pelo governo. Segundo, o tipo de venda que mais se expandiu foi o porta a porta, que cresceu perto de 13% em três anos, superando a internet.
Como as livrarias ainda se concentram nas áreas nobres das cidades, esse público compra livros em feiras, no porta a porta, em supermercados e nos catálogos, para alegria da Avon, que descobriu no clássico público que adquire seus produtos de beleza mulheres sedentas por leitura barata e com temas afins. Com fonte menor e papel simples, os livros são mais baratos. Caso do Crepúsculo nas mãos de Valdenice Barca, de 37. “Só compro em livraria se for no shopping. Mas quando abro o catálogo e acho algo, compro.” Já foram nove livros, que ela troca com as amigas, num improvisado clube de leitoras.
O que a classe C busca? “São livros de autoajuda, religiosos, receitas, romances femininos e cada vez mais literatura, mais best-sellers”, conclui Jardim.
Mas o impacto dessa nova classe de leitores no país ainda não é claro. O governo aposta que o aumento da escala barateará os livros, incentivando a leitura. Ao implantar o programa do livro popular, o objetivo é chegar a títulos abaixo de 10 reais. Seria algo como a Farmácia Popular. O MinC estuda linhas de crédito para tais livrarias. A contrapartida seria exigir, nos editais de compras para bibliotecas, o fornecimento dos títulos pelos mesmos preços no mercado. “Assim traremos o livro para a cesta básica da classe C”, diz Galeno Amorim, à frente da Fundação Biblioteca Nacional. “Mas o governo não vai interferir no que as pessoas devem ler. É o mercado que decide o que quer vender e as pessoas, o que comprar.”
Amorim contemporiza. “Claro, quando o Estado compra títulos, leva em conta critérios do que deve haver na biblioteca, incentivando a qualidade do que chega ao mercado. Mas o kit é variado e inclui a demanda dos leitores.” E tem o vale-cultura, incentivo de 50 reais aos trabalhadores para gastar com cultura, cuja aprovação no Senado é esperada pelo MinC. A cifra alcançaria 7 bilhões de reais ao ano. Se uma parte for endereçada a livros, já seria um novo boom.
Nem todos, porém, são tão ufanistas. “Existe um mercado potencial enorme, mas não há garantia de que o aumento de renda vai se refletir em leitura”, diz Milena Duchiade, diretora da Associação de Livrarias do Rio de Janeiro. “Uma livraria pequena tem 5 mil livros no catálogo. A Avon tem dezenas. Como ficam as escolhas?” Dona de livraria, Duchiade dá um exemplo da pouca diversidade da demanda. Com os vouchers recebidos pela prefeitura, professores cariocas podem comprar livros. “Mas é sempre autoajuda ou religiosos. Isso não é ruim. Mas precisamos diversificar a leitura.”
Para o antropólogo Felipe Lindoso, é natural o boom de livros religiosos. Como o tema agrada e eles são vendidos em livrarias, igrejas e supermercados, garantem-se escala, preço e acesso. “O bom livro é o que a pessoa quer ler.”
Que o diga a assistente social Giane Gouveia, de 40 anos. Quando ela entra numa livraria, busca livros sobre a profissão, autoajuda e espíritas. “Busco coisas que atendam às minhas inquietações. Já cheguei a gastar 400 reais com livros, mas eram de áreas que me interessavam.” O que importa, diz, é que as pessoas buscam respostas para seus problemas na leitura. “Assim, ganham uma perspectiva mais ampla”, diz Lindoso, autor de O Brasil Pode Ser um País de Leitores? “E pode ser, com certeza. Só não vai ser dos livros que os intelectuais querem.”
Fonte: Carta Capital
Nenhum comentário:
Postar um comentário