quarta-feira, 2 de maio de 2012

A ajuda que vem do papel

Matéria publicada em 23/04/2012

E8-9 01 PJ
O sofrimento é algo universal. Até mesmo as crianças passam por dores e angústias. Mas para 
O sofrimento é algo universal. Até mesmo as crianças passam por dores e angústias. Mas para aliviar o sofrimento dos pequenos, o mercado editorial está investindo agora em livros de autoajuda infantil. Indicados para crianças a partir de 2 anos de idade, os livros do gênero se propõem a ajudar as crianças por meio de orientações sobre como lidar com problemas emocionais e de relacionamento.

Os autores buscam tratar de assuntos complexos, como a perda de um ente querido, a separação dos pais, a timidez, entre outros, de uma forma simples e atrativa. O gênero literário chega agora às salas de aula e causa polêmica.

Para a diretora da Faculdade de Educação da PUC-SP, Neide Aquino Noffs, nada deveria superar o convívio e o apoio da família. “A melhor autoajuda infantil é o relacionamento interpessoal saudável. Deve existir uma relação familiar e escolar forte porque a criança está num mundo de 'faz de conta' e é muito complexo transformar essa fantasia em realidade”, ressalta ela.

A escritora e professora da UFG (Universidade Federal de Goiás), Diane Valdez também não vê com bons olhos esse tipo de literatura. Ela analisou a coleção de livros Se Liga em Você, assinada pelo Tio Gaspa que, na verdade, se chama Luiz Gasparetto.

Valdez diz que não gostou do que leu. “O erro começa já na proposta de identificar o autor como um tio. Ele não é tio, ele é autor. Nos livros, ele cria um personagem e diz coisas como 'você é seu melhor amigo' e chega ao ponto de afirmar que 'você não precisa de ninguém'. Na minha opinião, isso é pavoroso!”, considera.

Já Roberta Gazzarolli, coordenadora da Vida e Consciência, editora que publica os títulos do Tio Gaspa, acredita que a mensagem do livro foi mal interpretada pela escritora.
Para ela, o leitor tem que entender a metodologia de Gasparetto que, além de psicólogo, escritor e locutor, também é médium e trabalha com muitas questões ligadas à espiritualidade.
“É tudo voltado para o ser, mas não de modo egoísta, não é isso! É trabalhar primeiro você, ser amigo de você mesmo. Aí você consegue entender melhor os teus problemas e o nível de depressão é muito menor porque você sabe quem você é! Isso começa por você, ninguém pode fazer por você e é essa mensagem que o autor tenta passar. Não é que você não precisa de ninguém”, defende.

Para Roberta, as crianças de hoje tê não só a capacidade de digerir a informação presente nos livros de autoajuda infantil, mas também precisam desse conteúdo.

“Um adulto depressivo começa na infância. Hoje temos crianças também depressivas e precisamos aprender a lidar com essas questões desde cedo. Essa geração de hoje é mais consciente, mais evoluída. As crianças de 6 anos hoje são completamente diferentes das de 50 anos atrás. Hoje elas estão recebendo muito mais comunicação externa e processando isso muito mais rapidamente”, argumenta ela.

A coordenadora destaca também que os livros da coleção não são “educacionais”, mas que isso não impede que eles sejam trabalhados em sala de aula. “Eu acho isso importante porque desde cedo você aprende dentro da escola. O pai vê a escola e o professor como referências e se esse professor consegue ensinar esse tipo de conteúdo, ele está fazendo o seu papel de educador, pois a criança vai crescer bem orientada”, ressalta.
Participação familiar
 
Ainda assim, a escritora Diane Valdez se mostra desanimada com o crescimento nas vendas das publicações do gênero. Como não tem como fugir do boom editorial, o importante, para ela, é a presença do adulto na seleção dessas leituras.

A professora de Literatura do Colégio Anglo de Campinas, Claudine Faleiro Gill, concorda que a escola tem um papel fundamental nessa questão. “Não adianta colocar o livro de autoajuda nas mãos da criança e falar: 'lê e aprende a viver'; tem que haver mediação. E a escola tem um papel importante, especialmente porque há um excesso de lançamentos nessa área”, esclarece Claudine.

A professora alerta também para o fato de que os pais têm imputado a esses livros uma responsabilidade que é deles. “Tem pais que delegam aos livros de autoajuda o papel de conversar com a criança, mas nós vemos isso como um problema, pois sentimos nessa carência de discutir temas polêmicos, que elas têm uma liberdade com os professores da escola que não encontram em casa”.

Claudine ministra aulas para turmas do 6° ao 8° ano do Ensino Fundamental e tem inserido alguns textos de autoajuda em sua disciplina. Para ela, a literatura não tem a função de educar e ela não tem efeito imediato. “Ninguém aprende na primeira lição, é a vivência que ensina. Mas o que foi lido fica no inconsciente da criança e, com o tempo, ela vai incorporando isso no dia a dia”, defende.

Foi assim com a aluna do 6° ano, Mariana Garcia Lacerda, 10. Ela gosta de todo tipo de literatura, mas afirma que aprendeu a se relacionar melhor em casa e na escola a partir do momento em que começou a ler os livros de autoajuda. “Eu aprendi com ele (o livro) que nós não podemos mandar nas pessoas; elas não gostam disso”, explica.

Entrevista
O sofrimento é um bom professor
Para Yvanna Samert, psicóloga clínica da UnB (Universidade de Brasília), os livros de autoajuda somam no desenvolvimento emocional da criança, mas eles devem ser adotados como um recurso complementar, pois o sofrimento está presente em todas as fases da vida e, por isso, não deve ser eliminado, mas apreendido
Qual o papel do sofrimento na infância?
O sofrimento faz parte da vida, não tem como evitar. É ele que nos faz querer avançar, que nos ensina a resolver os problemas, ter motivação para seguir em frente. Ele é uma coisa necessária que faz crianças e adultos evoluírem como pessoas.
Muitos pais e escolas têm adotado livros de autoajuda infantil para tentar amenizar o sofrimento dos pequenos. Para a senhora, essa é uma alternativa válida?
São recursos úteis para trabalhar questões importantes para o desenvolvimento emocional da criança. É relevante como forma de ensinar a criança a lidar com os problemas do dia a dia, com as próprias emoções, mas ela sozinha com o livro não produz tão bem quanto quando está com o adulto que conversa sobre aquilo. Mais importante do que o conteúdo do livro é a forma como ele é utilizado. Então ele não pode ser considerado um recurso isolado, tem que ser associado a muitos outros para favorecer o desenvolvimento da criança.
Antes a literatura, através de metáforas, trabalhava diversas questões emocionais e até morais em sala de aula. Agora, muitas escolas tem inserido na disciplina de literatura os livros de autoajuda que trazem um outro tipo de linguagem, mais simples e direta. Essa mudança é favorável?
Depende muito do caso. Não dá para substituir a psicoterapia pelos livros de autoajuda nem para as crianças nem para os adultos. Os livros sozinhos não trazem o benefício que eles podem trazer sem o olhar do pedagogo. Acho que mesmo essas crianças que não têm nenhum problema emocional diagnosticado podem se beneficiar desse conhecimento. Eu não acho que seja prudente retirar um livro de literatura convencional e substituir por outro de autoajuda. Os livros de autoajuda devem somar e não subtrair.
E de que forma podem somar?
Eles podem somar em situações onde a escola ou os responsáveis pelo aluno identifiquem que algumas crianças estão com dificuldades. Acredito que esses livros trazem conhecimento que somam com o tradicional e por isso acho que podem somar no planejamento pedagógico da escola.
Como a família e a escola podem ajudar a criança a superar o sofrimento?
Elas devem lidar com a situação com todo o respeito que a criança merece. Não seria correto tentar eliminar todo o sofrimento da criança, embora essa seja uma estratégia que vem acontecendo. Hoje ninguém quer mais sofrer; muitos querem tomar remédio ou fazer cirurgia para parar de sofrer, mas isso não vai acontecer porque o sofrimento faz parte da vida.
Como fazer isso na prática?
Nós temos que fornecer apoio para a criança. Temos que explicar para ela o que está acontecendo, conversar sobre quanto tempo isso vai durar, como isso vai passar e o que se aprende a partir desse sofrimento, já que o sofrimento, em si, é impossível de eliminar. O único jeito disso acontecer é morrendo e muitas pessoas acreditam que essa é a saída e por isso buscam o suicídio. Nós não podemos ensinar isso para a criança; temos que ensinar que o sofrimento existe e que, a partir dele, nós aprendemos outras coisas. Então o respeito à dor e ao sofrimento da criança passa a ser um aprendizado diante do sofrimento. Para mim, essa é a maneira mais adequada da escola e do pais lidarem com o sofrimento delas.
E quando é preciso procurar a psicoterapia?
Isso pode ser feito preventivamente, antes de uma coisa mais grave acontecer. Como, por exemplo, quando os pais percebem que vão se separar ou quando tem alguém com alguma doença grave na família. A busca pela psicoterapia vai depender muito da capacidade dos pais e da escola em serem sensíveis às necessidades da criança. Algumas crianças lidam muito bem com esses acontecimentos em suas vidas e não tem grandes mudanças comportamentais. Nesses casos, onde não tem grandes prejuízos observados na vida da criança, não há necessidade de psicoterapia. Mas existem muitos outros casos em que a família fica tão desestabilizada que não consegue dar atenção às necessidades da criança e é nessa hora que a psicoterapia pode ajudar orientando a família, a escola e dando o apoio necessário à própria criança.
Fonte: Suplemento Escola/ Tribuna do Planalto -Thaís Lobo Estagiária convênio Tribuna/PUC-GO

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