domingo, 24 de janeiro de 2010

Ler e escrever

Mário César Rodrigues é professor e escritor,
membro da Academia Araçatubense de Letras

Escrever é uma arte. Que se aprende na escola. Alguns escritores herdaram uma facilidade inacreditável com as palavras. Elas saltam de seus cérebros para o papel ou para tela como se fossem macacos em refeição depois de uma chuva forte e longa. Jorge Amado e Humberto Eco, por exemplos.

Outros lutam com as palavras. Demoram-se na estruturação da frase definitiva. Escrevem, revisam, apagam, deletam, reescrevem. Resolvem cada frase como se decidissem pela vida ou a morte de uma criatura. Nelson Rodrigues sofreu e Nélida Piñon ainda sofre demais com as palavras.

Se não tivemos a sorte do Humberto Eco ou do Jorge Amado, podemos aprender a escrever tecnicamente. Lendo. Analisando. Exercitando. Comparando estilos. Compreendendo estruturas descritivas, narrativas, dissertativas.

Para que escrever? A Literatura é uma disciplina escolar porque o ato de ler (e escrever) é fundamental na educação intelectual, na organização cerebral, na saúde psicológica. Justamente
por isso estimulamos a leitura e a escritura. Porque não é fácil organizar o mundo de informações que nos invade constantemente. Não é fácil, mas não podemos desistir de organizá-las.

Em todo instante adquirimos informações por meio dos sentidos e devemos dar a elas um mínimo de organização para ter uma noção razoável da realidade. Quando ouvimos, falamos, lemos ou escrevemos... Quando desenvolvemos processos de comunicação, organizamos parte das informações guardadas em nosso cérebro. Porque precisamos ordená-las para entendê-las ou emiti-las.

Imagens, sons, cheiros, sabores, impressões táteis que não conseguimos organizar tornam-se lixo dentro de nossas cabeças e começam a nos atrapalhar. Imagine uma mesa de trabalho barrotada, tão cheia de serviços que o trabalhador desiste. Alguém que não consegue compreender o funcionamento do mundo e da vida desiste.

Uma organização meia-boca resolve. Não nos deixa desistir. Mas proporcionalmente nos oferece
uma visão meia-boca da realidade. E logicamente todas as nossas definições, conclusões e convicções também serão de qualidade mediana. Tirar leite de pedra é só uma metáfora. Não é possível tirar uma grande ideia de um cérebro mal organizado. Ler e escrever são atitudes fundamentais. Para o indivíduo e para o mundo.

Convivemos com um alto índice de violência justamente porque não temos ainda uma visão satisfatória da realidade. A maioria da população, muito infelizmente, não leu nem escreveu o bastante para entender a própria vida. Para entender (outro por exemplo) que a sua felicidade depende da felicidade dos outros. O mundo, o país, o Estado, a cidade, o bairro, a família são instituições finitas. Exatamente por isso, dentro delas, o isolamento é só uma ilusão. Todos influenciam e são influenciados por todos. O mundo precisa de pessoas menos analfabetas para que todos vivam melhor.

Fonte: Folha da Região

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