quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Incentivo à leitura

Escrito por: Patrícia Costa 04/01/2009

Uma pesquisa nacional divulgada em 2008 mostra que o brasileiro lê, em média, 4,7 livros por ano. No entanto, temos ainda 77 milhões de não leitores, pessoas que não lêem ou porque o livro é caro ou porque não têm tempo ou, simplesmente, porque não gostam. A Bíblia é o livro mais conhecido pelos brasileiros, e entre os autores mais lidos estão Monteiro Lobato, Paulo Coelho, Jorge Amado e Machado de Assis.

O jornalista Galeno Amorim é diretor do Observatório do Livro e da Leitura, entidade que coordenou a segunda edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, encomendada pelo Instituto Pró-Livro, que abrange um universo de 172 milhões de brasileiros.

Nesta entrevista exclusiva ao site Opinião e Notícia, Amorim afirma que cabe aos pais o principal papel no estímulo à leitura: “A pedagogia do exemplo tem um poder extraordinário.”

Leia abaixo a entrevista completa:

O&N: Que programas de incentivo à leitura o senhor destacaria como eficazes e que realmente mudam a relação do cidadão com o livro e a leitura?

O Brasil tem bons exemplos de ações de fomento à leitura tanto na área pública quanto, principalmente, na sociedade, com iniciativas que partem de escolas, bibliotecas, empresas, instituições sociais e voluntários. Na área pública, um bom exemplo é o programa Arca das Letras, uma iniciativa do Ministério do Desenvolvimento Agrário que, em apenas quatro anos, já abriu 6 mil mini-bibliotecas na zona rural em todas as regiões do País. Esses livros estão indo parar em comunidades roceiras, aldeias indígenas, assentamentos de reforma agrária e remanescentes quilombolas. Além dos livros, eles formam agentes multiplicadores de leitura. Tudo isso a um custo baixíssimo. Por onde se vai, há iniciativas que fazem a diferença nos lugares onde elas acontecem. Agora mesmo, por exemplo, a Fundação Palavra Mágica está abrindo de uma vez cem clubes de leitura em Ribeirão Preto (SP), para fazer não só chegar o livro gratuitamente como também criar condições de estímulo e apoio para que leitores correntes e leitores em potencial se apropriem deles. O Brasil, na verdade, é pródigo em bons exemplos nesta área. Talvez ainda não sejam suficientes dadas às complicações decorrentes de 500 anos de ausência de políticas públicas na área.

O&N: As políticas públicas vigentes hoje facilitam o acesso ao livro e aumentam o interesse pela leitura entre as pessoas?

As políticas públicas setoriais estão engatinhando. Na área da educação, com acesso gratuito aos livros aos
estudantes de escolas públicas, elas estão mais avançadas e isso já começa a dar resultados. Prova disso é que os leitores que estão nas escolas lêem duas vezes mais do que os que já saíram dela. Mas ainda falta uma política mais vigorosa para as bibliotecas públicas, tanto as municipais e universitárias quanto as escolares e comunitárias. Um dos passos importantes nesta década foi a criação do primeiro grande marco legal que é a Lei do Livro, de 2003. No ano seguinte, tivemos a desoneração fiscal do livro e, em 2005, o Brasil fez 100 mil atividades de fomento à leitura para celebrar o Ano Ibero-Americano da Leitura, o Vivaleitura. Nesse mesmo ano, criou a Câmara Setorial do Livro e Leitura e o BNDES ProLivro. Uma das medidas mais importantes nesta área, contudo, se deu em 2006, com a criação do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), o primeiro em cinco séculos de história. Já é um começo e ainda temos que avançar muito para assegurar o acesso das pessoas aos livros e à leitura.

O&N: Muitos especialistas afirmam que o hábito da leitura deve começar cedo, e que a família é um bom exemplo. Mas muitos pais das crianças de hoje não têm o hábito de ler. Como reverter esse quadro?

A pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” confirma que o papel da família é fundamental no processo de formação dos leitores. A maior parte dos leitores atuais diz que foi a mãe quem mais influenciou e o pai só aparece em terceiro lugar, atrás dos professores. Três em cada quatro crianças respondem isso e o papel da mãe é ainda maior nos estados do Norte e Nordeste. A maioria dos leitores de hoje guarda a lembrança de algum adulto lendo em casa, ao contrário dos não-leitores, cuja maioria não se lembra de outras pessoas lendo quando eram crianças. O mesmo acontece com relação a presentear os filhos com livros ou revistas. Os pais precisam desenvolver o hábito de ler e contar histórias para os filhos ou mesmo fazer com que existam livros espalhados pela casa. Nada mais forte, no entanto, do que eles próprios cultivarem a prática da leitura. A pedagogia do exemplo tem um poder extraordinário.

O&N: Qual é o papel da escola nesse processo de criar o hábito da leitura?

Esse estudo mostrou que a escola é um lugar privilegiado para formar leitores. O fato de os livros fazerem parte do dia-a-dia dos estudantes já produz algum tipo de resultado. Mas é nas escolas onde professores abraçam de uma forma vigorosa e apaixonada a questão da leitura que ocorrem as mudanças mais substanciais. Nesses locais, onde os livros assumem o papel de fio condutor do projeto pedagógico, os resultados são visíveis. Muitas dessas escolas ganharam prêmios e mostram desempenho acima da média nas medições sobre rendimento escolar. Para isso, é fundamental que os professores possam ler e gostem de fazer isso. Isso se consegue com políticas públicas de formação, incentivo e inclusão da questão da leitura e da própria literatura no processo educacional, e não apenas como mera ferramenta de trabalho.

O&N: Temos uma realidade em que os professores só lêem o estritamente necessário. Ou falta dinheiro ou falta tempo para leitura. Como mudar a cabeça de quem educa nossas crianças?

As duas coisas acontecem. E ainda uma terceira, que é o fato de simplesmente não gostarem de ler. Combater esse quadro passa necessariamente pela melhoria dos salários e valorização dos professores. E, sobretudo, com políticas permanentes de formação do professor. Não se muda isso, definitivamente, em um passe de mágica. Infelizmente, nesse caso, milagres não acontecem.

O&N: Na sua opinião, o livro é caro no Brasil?

Há uma questão que deve vir antes desta. Nenhum país desenvolvido do mundo que resolveu antes do Brasil a questão do acesso à leitura se deu ao luxo de enfrentar esse problema colocando a responsabilidade inteiramente nas mãos do mercado. Ao contrário, esses países perceberam acertadamente que o acesso ao livro e à leitura deve ser assegurado de forma gratuita por meio das bibliotecas públicas. Não conseguiremos jamais solucionar o problema do acesso aos livros no País apenas pelo mercado — e não é apenas porque há 3 mil livrarias concentradas em menos de mil municípios, sobretudo no eixo Rio-São Paulo. Há que se ter acesso aos livros gratuitamente e, aí sim, pontos de venda para quem quiser comprar os livros. Junto com as pequenas tiragens, há um outro problema que é o fato de que, historicamente, os editores brasileiros gerarem produtos olhando quase que exclusivamente da classe média para cima. Mas isso começa a mudar e, aos poucos, teremos, antes mesmo de termos mais leitores, produtos adequados para todo tipo de consumidor — que, por ora, ainda são poucos: apenas 36 milhões de pessoas compram livros no Brasil.

O&N: As crianças e jovens de hoje estão conectados na web. Lêem sites de seu interesse, como de música, jogos, animações, escrevem na linguagem web em salas de bate-papo etc. Essa prática estimula a leitura? A leitura virtual é uma possibilidade a ser explorada?

A pesquisa também mostrou que começa a surgir um outro tipo de leitor. Jovens que cada vez mais lêem ouvindo música, crianças que cada vez mais lêem enquanto assistem TV e, ainda, pessoas de todas as idades, inclusive jovens, que estão nas telas. Para quem consegue ter acesso à internet e tem a leitura de textos virtuais como sua predileta, esse tipo de suporte já é o que consegue fazer com que se dedique mais tempo da semana à leitura. Entender essas mudanças em curso, se preparar para elas e, principalmente, refletir sobre eventuais perdas ou necessidade de correções de rota será um desafio dos tempos atuais. Os livros como conhecemos e curtimos — no formato papel — conviverão harmonicamente com os novos formatos que estão surgindo com as novas tecnologias e haverá espaço para todos eles. Em países como o Brasil — onde há 77 milhões de não leitores — ainda precisaremos de muito mais para criar uma geração de cidadãos leitores. Mas, sem dúvidas, chegaremos lá. O rumo parece que está correto. Só precisamos apertar o passo.

Fonte: Opinião e Notícia

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