terça-feira, 3 de agosto de 2010

Contadores de histórias encantam gerações e incentivam a leitura

Ana Clara Brant  Publicação: 22/06/2010

“Certa palavra dorme na sombra de um livro raro. Como desencantá-la? É a senha da vida, a senha do mundo. Vou procurá-la. Vou procurá-la a vida inteira no mundo todo. Se tarda o encontro, se não a encontro, não desanimo, procuro sempre…”Palavra mágica, poema de Carlos Drummond de Andrade, trata do poder e da magia que a palavra, o grande instrumento dos poetas, exerce.

Tino Freitas, do Roedores de Livro:
mercado de contadores está crescendo

Seja na forma escrita, falada, jamais podemos subestimá-la. Um dos ofícios mais antigos de que se têm notícia, os contadores de história(1) sabem como ninguém desse fascínio. E é através dela, da palavra, que eles vêm encantando gerações. “Além de você exercitar o prazer de ouvir, ainda mais nesse mundo tão conturbado em que vivemos, onde quase não há espaço para se escutar, a gente ainda consegue dar ênfase ao valor da palavra. O contador resgata esse ouvir e esse falar. Quando conto uma história, tento potencializar cada pessoa a contar depois a sua história. A gente faz com que o indivíduo se exponha à criação e deixe-se transformar por esse jogo”, ressalta Elisete Teixeira, atriz e uma das precursoras na arte de contar histórias em Brasília.

Contadores de história. - (Clara Rosa/Divulgação)

Se antigamente as histórias eram contadas somente pelos pais e avós na cabeceira da cama ou ao redor de uma fogueira, hoje, o contador se tornou uma profissão e está presente nas escolas, shoppings, praças, hospitais e feiras. A essência de narrar não mudou, mas muitos grupos se valem de outras técnicas como o teatro, os bonecos e a música para dar uma incrementada nas fábulas, contos e lendas.

Contadores de história. - (Clara Rosa/Divulgação)

As meninas do Tagarelas, por exemplo, grupo criado há 15 anos por Miriam Rocha e Simone Carneiro, apresentam as histórias utilizando recursos como fantoches, avental chinês, instrumentos musicais e painéis, e acreditam que eles ajudam a dar mais dinâmica e a estimular a imaginação de quem está ouvindo. “São artifícios que os contadores têm na hora de narrar. Mas a base é a oralidade mesmo. Percebo que há uma carência não só nas crianças, mas nos adultos em estar ouvindo histórias. Além do mais, sentimos a necessidade de resgatar as histórias infantis, que vêm sendo atropeladas por uma onda tecnológica onde as crianças se fecham em um mundo individualista”, acredita Miriam.

Contadores de história do Grupo Tagarelas - (Léo Carvalho/Divulgação)

Já a contadora e escritora Clara Rosa afirma que a meninada do século 21 gosta sim dessa onda high tech, mas não deixa, jamais, de ser criança. “Contar histórias é uma arte, uma magia que encanta qualquer um. Mesmo com a tecnologia, o videogame, o computador, a criança não deixa nunca de se sentir atraída pela contação, porque ela se transporta para um outro mundo, viaja para um universo que é só dela, que ela fantasiou. E o mais interessante é que isso não fica restrito aos pequenos. Gente de todas as idades se deixa seduzir pela contação de histórias”, opina ela, que organiza a cada dois meses um sarau na Biblioteca Demonstrativa de Brasília com vários contadores de histórias da cidade e um convidado de fora. “Nossa intenção agora é realizar um Festival Internacional de Contadores de História em Brasília, algo que nunca teve por aqui”, espera.

Crianças assistem ao grupo de contadores de histórias
 Matrakaberta, no Boulevard Shopping
 (Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Para Tino Freitas, do Roedores de Livro, um dos grupos do ramo mais conhecidos na cidade, quando se conta histórias com paixão, independentemente da forma que for, o ganho pessoal acontece antes da apresentação, quando o contador — que, segundo ele, deve ser antes de tudo um bom leitor — mergulha nos livros, na cultura do mundo, para escolher o que vai contar para o outro. “Aí, acontece a outra mágica, que é dividir com o outro essas histórias, o prazer de conhecê-las, a alegria de contá-las e, quem sabe, incentivando-o a contar a outro também, independente da forma”, destaca.

Tradição oral

Os contadores de histórias têm suas origens na tradição oral, pois o conhecimento era transmitido verbalmente de uma geração para outra; graças à oralidade, as sociedades antigas foram preservadas. Na década de 1970, nos Estados Unidos, muitos narradores tornaram-se profissionais da literatura oral. Um resultado disso foi a criação da National Association for the Perpetuation and Preservation of Storytelling (NAPPS), agora National Storytelling Network (Rede Nacional de Literatura Oral), que auxilia a angariar recursos para narradores e organizadores de festivais.

Resgate de tradições

Um dos principais benefícios proporcionados pela arte de contar histórias é o estímulo à leitura e o resgate de narrativas e personagens dos tempos da carochinha. O músico Marcelo Tibúrcio e a esposa, a pedagoga e professora Adriana de Oliveira Maciel, criaram o grupo Matrakaberta, de Taguatinga, que segue bem a linha tradicional dessa manifestação artística. “Fazemos um trabalho de incentivo à nossa cultura, ao nosso folclore. As crianças conhecem o Mickey, o Tarzan, a Bela Adormecida, mas não sabem quem é o caipora, o saci, a burrinha. Por isso a gente tenta resgatar essa tradição dos nossos avós. O nosso modo de contar é bem próximo do tradicional”, comenta Marcelo.

Crianças assistem ao grupo de contadores de histórias
Matrakaberta, no Boulevard Shopping
 (Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Para Adriana, o contador tem um papel fundamental na formação das crianças, pois, por meio da maneira que narra, vai despertar ou não a curiosidade delas. “Através da contação de histórias, a gente pretende incentivar a imaginação e a expressão criativa, além do gosto pela leitura. O ser humano, por natureza, gosta de imaginar. Está na sua essência, principalmente da criança. A nossa função é estimular esse terceiro olho também”, destaca a contadora do Matrakaberta que se apresenta gratuitamente no projeto Hora Animada, do Boulevard Shopping, todos os sábados à tarde.

Performance

Mesmo com um número razoável de grupos, Brasília ainda engatinha na contação de histórias, se comparada aos grandes centros do país, como Rio e São Paulo. A cidade ainda carece de espaços e, sobretudo, divulgação. Tino Freitas, do Roedores de Livro, revela que sente que o mercado está crescendo por aqui, embora isso esteja muito restrito ao público infantil. “Há algumas pessoas que se destacam pela performance ou por estar há mais tempo em atividade. Mas ainda cabe ousar no repertório e valorizar o cachê. Acredito que, se alguém se aventurar a contar histórias com paixão e talento para adultos, encontrará um público extenso e atento. É uma área ainda pouco enveredada por aqui. Mas fica o recado: o público, mesmo infantil, tem que ser tratado com inteligência e respeito”, defende.

Contadores de história. Juliana e Tino Freitas (Ana Paula Bernardes/Divulgação)

Aldanei Menegaz, do grupo Eu Vou te Contar, está desenvolvendo uma dissetação de mestrado em que traça um panorama dos contadores de história no Distrito Federal e diz que está se surpreendendo com o número de pessoas, principalmente, de professores que querem aprender esse ofício.

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