Para promover a formação de leitores, o espaço da escola precisa estar repleto de textos e a rotina deve contemplar momentos reservados à leitura de qualidade e a conversas sobre livros
Noemia Lopes noemia.lopes@abril.com.br
"Dentre os instrumentos inventados pelo homem, o mais impressionante é, sem dúvida, o livro. Os demais são extensões de seu corpo. O microscópio e o telescópio são extensões da visão; o telefone, uma extensão da voz e, finalmente, temos o arado e a espada, ambos extensões do braço. O livro, porém, é outra coisa. O livro é uma extensão da memória e da imaginação." Foi assim, no ensaio O Livro, publicado em Cinco Visões Pessoais, que o escritor argentino Jorge Luis Borges (1898-1986) resumiu a importância da literatura. Por meio dela, é possível conhecer personagens e culturas que fazem revelações sobre a natureza humana (e, portanto, sobre nós mesmos). Quem nunca se identificou com o protagonista de um romance e, tomando contato com as emoções vividas por ele, descobriu os próprios sentimentos? Quem, pelas frases de um conto, não viajou para outros lugares - reais ou fictícios - e criou em sua cabeça um mundo novo, único?
Mas não basta folhear as páginas de romances, contos, crônicas, fábulas, novelas e poesias para chorar, rir, recordar. É preciso aprender a ser um leitor literário. Infelizmente, na escola, esse é um conteúdo que vem sendo deixado de lado. Os textos são usados quase exclusivamente como um instrumento de estudo (sobre as figuras de linguagem, a pontuação e outros usos da língua ou a história da literatura, por exemplo). Esses, é claro, continuam sendo conteúdos curriculares importantes, que ajudam a desfrutar dos prazeres da leitura. Só que, sem o trabalho de ensinar a ler textos literários, eles são insuficientes. E como se faz isso? Lendo livros de literatura e mostrando às crianças e aos jovens como agem os adultos que já têm esse hábito. Alguns pontos de partida desse percurso são:
- Garantir o acesso ao acervo de livros,
- Permitir que os alunos possam escolher os gêneros e os autores que desejam ler,
- Mostrar a importância de trocar indicações de leituras e opiniões com amigos e colegas,
- Destacar que é possível ler em qualquer lugar, desde que a pessoa se sinta confortável.
Valorizar a literatura requer mudanças nos espaços e na rotina
Como gestor, talvez você precise mudar alguns aspectos da rotina e dos espaços da escola para oferecer esse aprendizado a todos os estudantes. O ideal é pensar em como criar um "ambiente leitor", envolvendo gestores, professores, funcionários e pais nessa tarefa (afinal, o exemplo dos adultos como modelos de leitor é fundamental para estimular a garotada e atingir os objetivos). Isso não significa que seja obrigatória a montagem de uma biblioteca "oficial", com pelo menos um título por aluno matriculado e um bibliotecário formado cuidando das obras. Ao contrário, qualquer espaço pode ser adaptado para a montagem do acervo. "O que está em jogo é a importância que se dá à leitura. De nada adianta ter um local razoavelmente estruturado se esse valor não é parte da cultura do grupo", resume Roberta Panico, consultora de NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR. Até porque, segundo o Censo Escolar de 2009, apenas um terço das escolas públicas de Ensino Fundamental e Médio tem biblioteca (nas particulares, esse número sobe para 78%) - razão pela qual o governo federal aprovou, em maio, uma lei que define o prazo de dez anos para que todas as instituições de Educação Básica passem a ter uma (se você já tem uma biblioteca em sua escola, leia o quadro abaixo com dicas para melhor geri-la).
Na reportagem de capa da edição de agosto/setembro de 2010 da revista NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR, apresentamos as oito ações mais eficazes para construir e manter viva a cultura de escola leitora. Elas estão divididas em quatro áreas da gestão (espaço, materiais, equipe e comunidade) para ajudar você, gestor, nesse trabalho. Como diz a espanhola Teresa Colomer, professora da Universidade Autônoma de Barcelona e especialista em literatura infantil e juvenil, "as maneiras para chegar lá são variadas, mas o objetivo final é sempre o mesmo: promover um entorno povoado de textos, tempos de leitura e conversações sobre eles".
Biblioteca para todos
De olho na equipe e no horário de funcionamento
Mesmo as escolas que têm biblioteca podem sofrer com outros problemas. Um deles é a falta de bibliotecário, pois há menos profissionais formados do que espaços para eles trabalharem. Nesse caso, é possível preparar um professor para ser o responsável pelo local - ou alunos-monitores e estagiários. Outra atribuição do gestor é manter o espaço aberto em períodos e tempos adequados para melhor atender o público. No CMET Paulo Freire, em Porto Alegre, cinco educadores se revezam para que a sala fique aberta das 8 às 22h30, para as turmas dos três períodos. Vale lembrar que a biblioteca é um lugar de leituras individuais e de interação. "É ali que os alunos vão aprender a pedir indicações e dividir opiniões. Por isso, não se deve exigir o silêncio absoluto", completa Roberta Panico.
Publicado em Agosto 2010
Fonte: Nova Escola
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