Fazer de cada criança um leitor requer atividades diárias em que a garotada tenha a oportunidade de ler, trocar idéias, comentar notícias e muito mais
Maria Fernanda Ziegler novaescola@atleitor.com.br
Fotos: Fernanda Sá;
Agradecimentos: Green e Avanti Tapetes
Agradecimentos: Green e Avanti Tapetes
É dever de todo professor, desde a Educação Infantil, incentivar o desenvolvimento de comportamentos leitores antes mesmo de a turma aprender formalmente a ler. Comentar ou recomendar algum texto, compartilhar a leitura de um livro, confrontar idéias e opiniões sobre notícias e artigos com outras pessoas - tudo isso ajuda a estabelecer gostos, reconhecer finalidades dos materiais escritos, identificar-se com o autor ou distanciar-se dele, assumindo uma posição crítica. No mundo todo, crianças que vivem em ambientes alfabetizadores (ou seja, aqueles em que as pessoas fazem uso regular do ato de ler e escrever) têm a oportunidade de construir esse conhecimento naturalmente ao imitar as ações dos parentes e amigos. Já os que não vivem cercados de "letras" precisam (e muito) da ajuda da escola. O fato é que essa ainda não é a realidade do nosso país. Os números do Censo Escolar 2005, feito pelo Ministério da Educação, revelam que apenas 19,4% dos colégios públicos do Ensino Fundamental têm biblioteca: só 27 815, de um total de 143 631 unidades.
Daí a importância de iniciar esse trabalho ainda na Educação Infantil. Além de aproximar as crianças do mundo letrado, a leitura alimenta o imaginário e incorpora essa experiência à brincadeira, ao desenho e às histórias que todos os pequenos gostam de contar. Não é raro ver bebês manuseando livros, apreciando as ilustrações e até virando as páginas, como se estivessem realizando uma leitura silenciosa. Isso é mais uma prova de que é possível formar comportamentos leitores desde muito cedo. Para os menores de 3 anos, é fundamental escolher atentamente as obras por causa das imagens: elas precisam ser grandes, claras e atraentes, pois estimulam a participação. "Ler para as crianças é igualmente importante para elas se familiarizarem com o hábito da escuta. Os temas, é óbvio, devem estar de acordo com os interesses mais genuínos da idade, como afazeres cotidianos, bichos etc.", afirma Ana Lúcia Bresciane, formadora do Instituto Avisa Lá.
A psicopedagoga e especialista em educação especial Daniela Alonso explica que, assim como os deficientes físicos precisam de rampas para se locomover, os deficientes auditivos e mentais também precisam de ferramentas para participar de atividades de leitura. "Não podemos deixar que essa criança só participe da aula. Se ela é surda, trabalhe com livros cheios de figuras. Se ela tem uma deficiência mental e não consegue se concentrar, dê um exemplar para ela acompanhar a tarefa", diz Daniela.
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Uma cidade de leitores
Em São Miguel do Oeste, Santa Catarina, os livros usados nas atividades de leitura tinham pouca qualidade literária. Após um projeto de formação de professores e coordenadores, em 2004, tudo mudou. Hoje as rodas são usadas para divertir, encantar, promover o contato com textos melhores e dar asas aos sonhos e às fantasias das crianças. A coordenadora de Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação, Terezinha Osmari, conta que, além de ler por prazer, muitos professores passaram a trabalhar com textos informativos e científicos, ligados a temas de interesse das crianças. E também a mesclar grupos de diferentes idades e envolver a comunidade. "Os que já sabem ler fazem isso para os que ainda não sabem. Coordenadores pedagógicos e diretores lêem na pré-escola. Pais passam a levar livros para ler para os filhos em casa", diz Terezinha. No Grupo Escolar Pedro Aurélio Bicari, a professora Neiva Hauzz promove leituras diárias na classe de 4 anos. "Se as crianças comentam que o dia está frio, pego o jornal e mostro a previsão do tempo para todos compreenderem o sentido dessa leitura."
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Ao alcance de todos
Para formar futuros leitores, é fundamental que a leitura faça parte da rotina diária. O ideal é que não só a escola disponha uma biblioteca mas também todas as salas tenham espaço reservado para livros, revistas e outros materiais impressos - onde todos possam manusear o material livremente e comecem a entender o sentido que o mundo letrado tem para todas as pessoas já alfabetizadas. Por isso, os especialistas dizem que não cabe exigir atividades complementares depois da leitura. Ao contrário. Nessa fase, é melhor não escolarizar a tarefa e esperar algum resultado da parte das crianças. Portanto, nada de questionários sobre a história. O melhor é bater papo e trocar impressões sem compromisso. Ao estabelecer como rotina que cada texto lido seja seguido de perguntas preestabelecidas, você pode criar a sensação de que o ato de ler está necessariamente vinculado a essas respostas (ou à produção de desenhos), o que não é verdade.
"O que fazer depois da roda de leitura deve estar a serviço da construção desse comportamento. Conversar sobre as impressões de cada um abre espaço para que as crianças digam do que mais gostaram ou lembrem de algum episódio já vivido e, assim, se apropriem do uso social do ler", diz Léiva Sousa, coordenadora de Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação de Itupiranga, no norte do Pará, que transformou as aulas de leitura do município.
Antes mesmo de o projeto ser instituído, em 2005, as atividades de leitura eram parte da rotina das escolas. O problema é que elas não serviam para formar leitores. As propostas eram soltas, com muita produção de desenhos sobre temas livres e datas comemorativas. Havia também uma mistura entre o ato de ler e o de contar histórias. A solução foi mudar as práticas em sala para aproximar as crianças dos diferentes gêneros literários e mostrar como há importantes distinções entre a linguagem escrita e a falada. Hoje, as professoras da rede explicam claramente o motivo pelo qual aquele texto foi escolhido e, durante a leitura, respeitam a versão original, não substituindo palavras nem simplificando a narrativa (leia nos quadros outras experiências bem-sucedidas em pré-escolas de Cajamar, na Grande São Paulo, e São Miguel do Oeste, em Santa Catarina).
Ao fazer leituras em voz alta, o professor obtém vários benefícios, que são o que os especialistas chamam de desenvolver comportamentos leitores:
- permitir a interação da garotada com as práticas de leitura,
- fazer com que todos se aproximem e se familiarizem com a linguagem escrita,
- aumentar a curiosidade pelos livros e outros materiais escritos,
- mostrar as diferenças entre a linguagem escrita e a oral,
- ampliar as referências literárias,
- e mostrar que a leitura é sempre fonte de prazer e entretenimento.
E então, vamos começar a promover cada vez mais atividades de leitura para a turma?
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O segredo está na entonação
Jaqueline conta histórias para a
turma e as crianças com os livros
turma e as crianças com os livros
A professora Jaqueline Thomaz, da EMEI Emerson Cruz Machado, em Cajamar, na Grande São Paulo, adora contar histórias para suas turmas. Ela mostra as ilustrações do livro e lê todos os dias antes do lanche para as crianças de 3 e 4 anos. Sempre que pode, se fantasia, usa fantoches, monta um verdadeiro teatro - tudo para garantir um interesse maior do grupo, já que se manter concentrado não é exatamente o forte nessa faixa etária. Por isso, a atividade dura de cinco a 15 minutos, no máximo. À medida que o ano vai avançando, a garotada se familiariza com esse momento e passa a esperar por ele. "Tem mãe que conta que o filho junta os bonecos, faz uma roda e começa a contar uma história com o livro na mão, imitando o que ocorre na sala. Nessas horas, eu vejo que o trabalho está surtindo efeito", comemora Jaqueline.
Escolher títulos de qualidade
literária aumenta o interesse
literária aumenta o interesse
Além de escolher bons títulos, privilegiando sempre a qualidade literária, a professora acredita que a chave para obter sucesso em atividades de leitura com classes de Educação Infantil é a entonação. Ela conta que, quando está lendo, altera a voz a cada mudança de personagem. E ensina: as obras precisam ser manuseadas livremente pelas crianças. "No início, muitos nem sequer conhecem livros e mordem, amassam, empilham. Mas, se a escola não der essa oportunidade aos pequenos, quem vai dar?", pergunta. Ao ampliar a curiosidade da turma pelo material escrito, a professora permite que todos comecem a entender o sentido das práticas de leitura, se aproximem do mundo das letras e ganhem familiaridade com ele.
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Quer saber mais?
CONTATOS
EMEI Emerson Cruz Machado, Av. Antonio Cândido Machado, 251, 07760-000, Cajamar, SP, tel. 4447-3037
Grupo Escolar Municipal Aurélio Pedro Vicari, R. Terezinha Basso, 183, 89900-000, São Miguel do Oeste, SC, tel. (49) 3622-6164
Terezinha Osmari
BIBLIOGRAFIA
Ler e Escrever na Escola - O Real, o Possível e o Necessário, Delia Lerner, 128 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 32 reais
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Fonte: Revista Nova Escola
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