terça-feira, 10 de julho de 2012

Leitura na aurora da globalização

Especialista em História da Literatura e ganhadora do Prêmio Jabuti, Márcia Abreu fala da popularização do livro no século XIX
Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro: coleção abordará trajeto internacional do livro no período oitocentista, com 37 estudiosos de vários países

Por Oscar D’Ambrosio

Pelo livro Impresso no Brasil: dois séculos de livros brasileiros, que organizou com Aníbal Bragança, Márcia Abreu recebeu o Prêmio Jabuti, o mais importante da área editorial brasileira, em 2011, na categoria Comunicação. Licenciada em Letras e doutora pela Unicamp em Teoria e História Literária, fez pós-doutorado em História Cultural na École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris. Livre-docente em Literatura Brasileira pelo Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, coordena o projeto temático da Fapesp “A circulação transatlântica dos impressos – a globalização da cultura no século XIX”. O conteúdo do livro e o acervo histórico da Editora Unesp foram a base da exposição itinerante “Impresso no Brasil”, que percorre os Câmpus da Universidade, com painéis organizados pela Editora em comemoração aos seus 25 anos de existência. O início da jornada ocorreu em abril, no Instituto de Artes da Unesp, em São Paulo, com palestra de Márcia sobre a obra premiada.

 
Márcia: atenção ao romance

Jornal Unesp: Como foi a organização deste projeto que recebeu o Prêmio Jabuti?

Márcia Abreu: A ideia original era comemorar os 200 anos da primeira tipografia oficial instalada no Brasil, em 2008, mas tivemos alguns percalços na elaboração do livro, que saiu apenas em 2011, mas teve a honra de receber o Prêmio Jabuti. A organização foi muito complexa. São 40 autores de um livro dividido em duas partes: a primeira é sobre editores, tipógrafos, livreiros e instituições responsáveis pela divulgação do livro no Brasil; e a segunda, sobre os leitores. Esta segunda parte foi a mais desafiadora, pois é mais difícil ter informações sobre os leitores da época.

JU: Por quê?

Márcia: Geralmente, os editores e tipógrafos deixam registros, documentos, enquanto o leitor não deixa nada oficial sobre quem é e como lê. Nossas informações são baseadas nos comentários que os leitores fizeram no canto das páginas ou na margem dos livros. 

JU: Quais motivos levaram a senhora a se especializar em história da leitura?

Márcia: Ela associa duas paixões particulares: literatura e história. Trabalho, por exemplo, com os registros de censura. Pensa-se que esses registros só servem para vetar determinados textos e publicações, mas nem sempre foi assim. Os censores, nos séculos XVIII e XIX, eram pessoas que avaliavam a adequação das obras para a sociedade e escreviam longamente para aprovar os textos, inclusive para dizer que eram ótimos. Eram pareceres enviados para uma banca de homens cultos, que avaliavam e tomavam decisões sobre aquelas obras. Eu me especializei nas leituras que eles faziam sobre
os romances.

JU: Como era visto o romance nesses séculos?

Márcia: As escolas proibiam os romances, pois eram direcionados para o grande público, para as mulheres e para os jovens. Os homens sérios tinham que ler poesias. A grande literatura da época eram os poemas épicos como Os Lusíadas e Odisseia. Apenas no final do século XIX, os autores de romance conseguiram legitimar o gênero, argumentando que existiam obras difíceis e bem elaboradas, diferentes dos romances populares que apopulação consumia. Hoje, as escolas incentivam a leitura de romances, mas ainda existe uma resistência aos best-sellers, como a saga de Harry Potter. O aluno gosta daquilo, mas o professor quer que ele leia outros romances mais elaborados.

JU: Em que consiste o projeto “A circulação transatlântica dos impressos: a globalização da cultura no século XIX”, que a senhora coordena?

Márcia: A proposta é fazer uma história do livro no século XIX em escala internacional. Reunimos 37 pesquisadores num projeto com docentes de Inglaterra, Portugal, França e Brasil. Vamos pesquisar a interação literária entre essas nações.

JU: Como surgiu a sua aproximação com a Editora Unesp?

Márcia: Começou com a publicação pela Editora Unesp, principal editora acadêmica do país, de Cultura letrada, em 2006, livro que teve grande aceitação e sobre o qual ainda sou convidada a dar palestras. Impresso no Brasil, de 2011, foi muito bem divulgado e já teveuma grande repercussão entre os leitores, mesmo antes da premiação do Jabuti.

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