09 de julho de 2012
Educadora acredita que o professor deve sugerir leituras desafiadoras, mas não impor filtros aos best-sellers
OCIMARA BALMANT - O Estado de S.Paulo
"É preciso acabar com as dicotomias e estimular a
leitura sem preconceito, tanto na infância como na adolescência. Esse
desafio deve instigar o trabalho do professor", afirma a argentina
Cecilia Bonjur.
Formada em Letras e especialista em literatura infantil e juvenil,
Cecilia é crítica de livros para crianças e adolescentes, com atuação na
formação de professores e mediadores de leitura. Ela esteve no Brasil
para participar do seminário Conversas ao Pé da Página, onde conversou
com o Estado.
Como a senhora avalia o trabalho de fomento à leitura que os docentes
fazem em sala de aula? Eles estão preparados para a tarefa?
Acredito que toda formação dirigida a professores precisa partir do
princípio de que eles são leitores e acreditar, de fato, que são capazes
de fazer. Se pensarmos no que não sabem, no que não têm, apenas os
desvalorizamos. E não se pode subestimá-los. Isso não significa tirar
deles a responsabilidade sobre sua formação, mas ter confiança no que
podem realizar e lhes dar ferramentas para isso.
Quais tipos de ferramentas?
É importante criar dispositivos de formação contínua que deem conta
da carência de formação de base dos docentes, porque jornadas e cursos
curtos são insuficientes. Pode ser custoso e demorado, mas vale a pena
se pensarmos que a atitude do professor pode determinar se uma criança
vai ou não gostar de ler.
Mesmo porque esse estímulo tem diminuído dentro das famílias, não é?
Isso é fato. Há muitas casas sem livros e sem leitores. Por isso, é
tão importante que as bibliotecas escolares cresçam, que seus acervos
sejam mais profundos, que se aproveitem todas as oportunidades de
construir pontes entre o conteúdo das salas de aula e a biblioteca. E
estamos em um momento bom para pensar nessas pontes.
Por quê?
Porque o problema da leitura sempre foi menos grave nos países com
mais possibilidade de acesso a bens culturais. Mas hoje temos um momento
migratório muito grande e, além disso, o primeiro mundo está vivendo
uma crise econômica que parecia que só pertencia a países pobres. A
desigualdade está repartida e isso é bom para pensar estratégias
mundiais de aumento do acesso aos livros.
Não parece difícil conquistar leitores de material impresso na era da internet?
Devemos fazer com que os leitores tenham acesso aos múltiplos
suportes e deixar claro que no mundo das tecnologias não está todo o
conhecimento estabelecido. Há algumas limitações que só deixam de
existir quando a aprendizagem é vinculada aos livros. Quando os alunos
começam a encontrar os tesouros e desafios dos livros, eles se deixam
seduzir.
Daí, a importância do mediador bem formado...
Sim, porque a criança se deixa seduzir quando os mediadores são
sedutores, transmitem essa paixão. Por isso, a importância do
bibliotecário, que é o profissional que conhece tanto os livros quanto
os alunos. Porque o professor conhece os alunos de seu curso. O
bibliotecário vai além. Ele abre o jogo da descoberta e acompanha o
crescimento dos leitores dia após dia. Se houver um trabalho em parceria
com o professor, é o cenário ideal para o nascimento de leitores
potentes que podem influenciar a família toda.
Com a participação da escola?
Isso. Porque há pais realmente omissos em relação à leitura e
incentivo aos filhos. Mas muitos deles não o fazem porque realmente não
têm condições materiais ou por achar que não têm capacidade, que os bens
culturais não são para eles. É aí que a escola entra na história, e as
bibliotecas são lugares excelentes para essa manifestação contracultural
que gere confiança e hospitalidade.
E como fica a seleção dessa literatura a ser apresentada?
Eu não subestimaria nenhum tipo de leitura. Acredito que as escolas e
as bibliotecas devem receber os leitores com o mundo que eles trazem,
com as leituras que têm e, a partir daí, ampliar os horizontes, sugerir
aprofundamentos. Se você opõe o best-seller à cultura culta, gera outra
falsa dicotomia. Me parece muito mais interessante a convivência de
cultura, a mestiçagem, as hibridações.
E, no caso das crianças, vale desafiá-las?
Sim. Entre adultos, há uma falsa impressão de que a leitura infantil
deveria ser simples e representar coisas próximas às crianças. Essa
visão é equivocada e tem a ver com preconceitos e versões simplistas de
teorias psicopedagógicas. O professor não pode agir assim. Ele precisa
saber quem são seus leitores e pensar em didáticas mais profundas e
flexíveis, em vez de simplesmente ignorar o tipo de leitura que,
previamente, ele pode considerar inadequada.
O que é adequado?
Qualquer coisa. Desde que se considere o leitor como poderoso,
potente. Não se pode esquecer, nunca, que a valorização dos leitores
passa por colocar à disposição deles textos desafiantes, que comovem e
colocam para funcionar a inteligência e o coração ao mesmo tempo. Quando
se faz isso, fica clara a constatação: as crianças são ávidas leitoras
de mundos estranhos, distantes e metafóricos, e se sentem muito
agradecidas quando os adultos as tratam como gente que pode, que
consegue. Todo pai e todo professor deveria ter isso em mente.
Fonte:Estadão.com.br
Este texto precisa ser divulgado nas escolas,principalmente em reuniões de professores.
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