sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A leitura subindo as vielas

Matéria publicada em Setembro 2011


Uma experiência no fomento à leitura

POR Grupo Fiandeiras 

Com mochilas nas costas, recheadas de livros de literatura, o grupo Fiandeiras – composto por sete moradores da comunidade do Real Parque que se reúnem aos finais se semana para fazer mediações de leituras e ouvir histórias de outros moradores – percorre becos e vielas das comunidades do Real Parque e Jardim Panorama, na zona sudoeste da cidade de São Paulo.

Por acreditar que as comunidade do Brasil são ricas em sua diversidade cultural, abrangendo uma multiplicidade de sotaques, ritmos, comidas e danças, o grupo também realiza saraus itinerantes em bares, valorizando a cultura e a produção artística local, como um meio de estreitar ainda mais as relações entre os moradores, possibilitando ambientes de convívio e de troca.

Assim, as Fiandeiras, com o projeto “Quando as Leituras e as Artes sobem a viela...” pretendem contribuir para a promoção de ações culturais, literárias e artísticas capazes de ampliar o universo cultural dos moradores e desmistificar a ideia que alguns possuem acerca da leitura, entendida, muitas vezes, como algo enfadonho e “chato”.


Nos quintais da favela, por Diana Salles

Realidade social, econômica, especulação imobiliária, luta pela moradia digna, resistência e reinvenção cultural, luta pela saúde... são muitas as necessidades, são muitas as lutas. Como escreveu Drummond: “Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo”.

Dentro de tudo que está posto na comunidade Real Parque existe uma inquietação. Um incômodo. Ao olhar e me incomodar, logo vem o desejo de interferir, não somente para mudar o outro, mas para me mudar. Quando mudo meu espaço, mudo a mim também. Interfiro instantaneamente na minha realidade.

Estamos falando de mudança em pequenas esferas, no encontro entre nós e outros de nós. Nossos pares. Só há intervenção porque desejamos interferir nesse cenário, propondo nele um movimento de liberdade e ofertando outra opção. Não como forma de levar a cultura, mas como meio de mexer nos movimentos culturais que estão postos nesses finais de semana da favela.


O lugar que não tem espaços instituídos para as crianças brincarem. Mas isso não significa que as crianças não brinquem. Elas se apropriam de qualquer pedaço de terra ocioso e invadem, disputando com as plantas dos blocos dos Cingapura, seus espaços de lazer.

As crianças aqui se reúnem facilmente, disputam seus espaços com os adultos.

Nesse mesmo lugar, ouço os moradores adultos gritando da janela: “Tira essa bola daí, não vai quebrar as minhas plantas”. Esses mesmos adultos, nos finais de semana, ocupam ruas, bares, calçadas com ações de lazer, festas, músicas e também drogadição. As crianças compartilham desses espaços, comungando suas belezas e deformações. É bonito brincar na rua, quando não se tem uma rua na qual a violência se manifesta de diferentes formas. Nas conversas sobre os fatos e acontecimentos ocorridos, na repressão policial, na tabela “inspiram fumaça de mato queimado“, de quem tem o poder e é referencia.


Também comungam as vozes que ecoam no funk machista e dominador de micropoderes, frases como: “Ela dá pra nóis, que nóis é patrão”, que reproduz uma relação capitalista e de poder.

E, quando a literatura e as artes sobem a viela, assim, timidamente, rasgam todo esse cenário e convidam para um universo simbólico. E juntos imaginamos a conversa entre um girino e uma lagarta, entramos no palácio de um rei que não sai da banheira ou somos convidados para um festa com a bruxa – bruxa! Imaginamos e criamos outros mundos. No meio de tantas vozes, as Fiandeiras gritam assim: com liberdade e literatura.


 As realidades de uma favela são múltiplas. Entre suas belezas há labutas de um povo trabalhador, entre suas guerras há suas carências, sua violência e suas necessidades. Mas há que se escavar nesse cenário toda sua poesia, comédia, drama, tragédia, ficção, amor e dor.

Há que se ler e escrever mais histórias, mostrar mais nossas histórias, há de se instaurar outros movimentos. Libertários, literários. Essa é a nossa militância.

Precisamos gritar com amor, intervenção e revolta que não suportamos mais e não concordamos com as múltiplas violências do estado presente e ausente na comunidade Real Parque.

Quando fechamos a Marginal, gritamos para fora, pedimos atenção. Quando abrimos os livros, gritamos para dentro.

Um grito de amor para os outros, da gente.



* Membros do grupo Fiandeiras
Diana de Sousa Sales –25 anos, moradora da comunidade do Real Parque há dez anos, graduada em pedagogia. Atua na educação voltada para o público jovem em comunidades periféricas, desenvolvendo formações que visavam à ampliação de repertório cultural, social e político de jovens e adultos. Trabalha como educadora com jovens da periferia do Embu das Artes.

Genivaldo dos Santos Piauí – 23 anos. É morador da comunidade Real Parque há 14 anos. Com sua câmera de filmagem registra todos os momentos das intervenções das Fiandeiras nas comunidades, produzindo todo o material áudio visual do grupo. Além disso, também trabalha na Central de Locação, empresa que loca equipamentos de cinema.

Gleice Silva Licá – 22 anos, moradora do Real Parque. Trabalha numa produtora de filmes como finalizadora de vídeos.

Jadir Alves de Jesus – 40 anos, morador do Real Parque há 25 anos. Mediador, organizador de saraus. Fotógrafo, auxilia na montagem de equipamentos. Conhecido na comunidade como Jaja, tem fortes vínculos com os moradores, e faz a parceria das Fiandeiras com outros grupos e pessoas da comunidade. Também trabalha como operador de áudio e assistente de câmera em uma produtora de filmes.

Juliana Dos Santos Piauí – 25 anos, moradora da comunidade do Real Parque e formada em pedagogia. Idealizadora do Projeto “Quando as leituras e as artes sobem a Viela”, foi ela que em 2006  cogitou as possibilidades  fazer as leituras  nas ruas, becos Vielas.  Além de  todas as demandas do grupo Fiandeiras, Juliana também atua  como mãe  Erick de 2 aninhos e  professora na educação infantil numa escola particular.

Luciana Gomes do Nascimento – 30 anos, moradora da comunidade do Real Parque e formada em pedagogia, é mediadora, formadora e produtora do sarau. Além de colocar suas energias nas intervenções das Fiandeiras também atua como educadora e assistente pedagógica no Projeto Casulo.

Márcia Silva Licá – 26 anos, moradora da comunidade do Real Parque, pedagoga. Além de fazer as mediações de leituras, organizar saraus e outras atividades no grupo Fiandeiras, também trabalha como educadora cultural na Associação Vagalume.

Fonte: Revista Emília

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