sábado, 23 de março de 2013

O que uma boa leitura nos traz?


Ilustração da Revista Literaria La Noche de las Letras
Ilustração da Revista Literaria La Noche de las Letras

Sobre a leitura rasa da vida e do mundo... A leitura em todas as linguagens.

Decodificar ou compreender?
No livro “O que é leitura”, da Prof. Dr. Maria Helena Martins, especialista em Teoria Literária, temos a ideia de leitura é normalmente restrita ao livro, ao jornal e ao texto propriamente dito. Ler está muito associado às palavras. “As ciganas, contudo, dizem ler a mão humana, e os críticos afirmam ler um filme. O fato é que, quando escapa dos limites do texto escrito, o homem não deixa necessariamente de ler. Lê o mapa astral, o teatro, a vida – forma a sua compreensão de realidade”.

Ler um texto ou uma obra de arte envolve dar sentido ao que se lê, levando em conta a situação desse objeto (texto, obra, filme etc) e também do leitor. Contextualizar. A leitura, independente de um contexto escolar, vai além do texto escrito, trata-se do ato da interpretação e compreensão de expressões, tanto formais quanto simbólicas, estejam no meio de linguagem que estiverem. Não importa. A partir disso a leitura ganha espaço no entendimento do processo de aprendizado de cada coisa no mundo e em nós.

Começamos a ler porque sentimos curiosidade e necessidade de entender o mundo, e para isso não basta seguir com olhos ávidos palavra por palavra ou olhar o mundo a nossa volta consumindo as informações como se os olhos pudessem registrar automaticamente tudo o que veem e como se o cérebro precisasse somente disso para absorver a informação e transformá-la em conhecimento. O processo é muito mais complexo. “Quando começamos a organizar os conhecimentos adquiridos, a partir das situações que a realidade impõe e da nossa atuação nela; quando começamos a estabelecer relações entre as experiências e a tentar resolver os problemas que se nos apresentam – aí então estamos procedendo leituras, as quais nos habilitam basicamente a ler tudo e qualquer coisa”, reflete a autora Maria Helena. Essa é a verdadeira leitura que interage com o mundo e o modifica, a partir da modificação que acontece primeiramente em nós.
Atualmente podemos identificar alguns elementos relacionados à leitura que têm favorecido e desfavorecido esse hábito.

O tempo
Atualmente nosso comportamento diante do tempo nos deixou pensar que podemos estendê-lo e multiplicá-lo conforme nossas necessidades, no entanto, o dia continua tendo apenas vinte e quatro horas. Cada vez mais nos forçamos a triplicar a quantidade de tarefas que precisamos fazer esquecendo-nos do quão importante é a verdadeira dedicação do tempo para cada tarefa. A pressa nos obriga a correr e acreditamos realmente que é possível fazer tudo de forma acelerada. Sentimo-nos obrigados a seguir roteiros impossíveis entre nossa vida pessoal, necessidades, trabalho, estudo, lazer, etc, e aceitamos como fato o contínuo sentimento de culpa por não fazemos tudo o que nos propomos. Nesse ritmo esmagador algumas atividades perdem em qualidade e consistência.

A relevância
O impacto emocional de uma situação garante que ela será armazenada em nossa memória permanentemente, reativando-a mesmo que se passe muito tempo. Esse processo de seleção de memórias e de fixação (quais são relevantes e quais são insignificantes) é realizado pelo cérebro durante o sono. Essa informação sobre a memória funciona para a vida e tudo o que fazemos, incluindo o processo da leitura e do estudo.

O sucesso de uma boa leitura também está relacionado ao grau de importância que damos ao conteúdo que estamos lendo.

Faltam bibliotecas? O livro está caro?
Segundo o site QEdu – um portal gratuito com informações sobre a qualidade da educação no Brasil – na Prova Brasil 2011, aplicada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), foi constatado que dos 225.348 professores que responderam à questão, 101.933 (45%) leem sempre ou quase sempre, 46.748 (21%) o fazem eventualmente e 76.667 (34%), nunca ou quase nunca. E por quê? Faltam bibliotecas? Os livros no Brasil são caros?

Em 2009 o 1º Censo Nacional das Bibliotecas Públicas Municipais registrou que 79% dos municípios brasileiros possuíam ao menos uma biblioteca aberta, são 4.763 bibliotecas para 4.413 municípios. “Em 13% dos casos, as BPMs ainda estão em fase de implantação ou reabertura e em 8% estão fechadas, extintas ou nunca existiram. Considerando aquelas que estão em funcionamento, são 2,67 bibliotecas por 100 mil habitantes no país”. (Censo)

No entanto, o Brasil precisa construir 128 mil bibliotecas escolares em sete anos para cumprir a lei federal Nº 12.244, de 24 de maio de 2010.
E sobre o preço dos livros?

Segundo o SNEL - Sindicato Nacional dos Editores de Livros, os dados referentes ao mercado editorial brasileiro até 2011 foram os seguintes:

SNEL Gráfico 2010-2011
SNEL Gráfico 2010-2011

A Agência Nacional do Livro em uma pesquisa sobre a produção e vendas do setor livreiro de 2011 constatou que “Mais baratos, os livros voltados à formação e ao aperfeiçoamento profissional foram os que mais cresceram em produção, faturamento e vendas no ano de 2011” e que “O valor do preço médio do livro vendido recua desde 2004, acumulando declínio real médio de 44,7% até 2011”. Já sobre os e-books, incluídos recentemente nas pesquisas sobre o mercado editorial, somam uma quantidade ainda insignificante para influenciar o setor, no entanto os dados gerados pela pesquisa informam que os 5.200 títulos lançados em 2011 correspondem a um faturamento próximo de R$ 870 mil.

Atualmente os amantes dos livros podem contar com inúmeras formas de acesso que até bem pouco tempo atrás não existiam: sebos virtuais, redes sociais especialmente criadas para quem adora ler com dicas de livros, e algumas que funcionam como ponto de troca de livros entre as pessoas. Veja só:

Skoob (rede social)
Goodreads (rede social)


Será mesmo que a internet afasta as pessoas? E nos faz ler menos? :) E então, porque o brasileiro ainda lê pouco?
Segundo pesquisas recentes realizadas pelo QEdu: Aprendizado em Foco - Prova Brasil 2011 - aplicada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), temos 225.348 professores brasileiros: 101.933 (45%) leem sempre ou quase sempre, 46.748 (21%) leem eventualmente e 76.667 (34%), nunca ou quase nunca.

Será que aprendemos a ler, será que os estímulos certos nos foram oferecidos?

A leitura está relacionada a decifrar a linguagem escrita, ao aprendizado, á interpretação do que vemos ao nosso redor – a leitura do mundo – e nos permite o convívio social, o estudo, a produção de conhecimento e a nossa participação no mundo. Lembrando que no Brasil, cerca de 75% da população é analfabeta funcional. Dessas pessoas, 4% chegaram até o ensino superior. Apenas 25% possui habilidades plenas com a escrita e com os números.


Trecho de artigo - site InovarEduca

Trecho de artigo - site InovarEduca

Para ler mais sobre analfabetismo funcional, clique aqui.
Será que a forma como aprendemos a ler não é uma das principais responsáveis pela falta de gosto pela coisa? O método de aprendizado seguiu um caminho rígido e mecânico, regras e padrões que prejudicaram ocultamente a criatividade e a escolha dos estudantes – chamados de “alunos”, que do latim alumnus, alumnié, sem luz – e o processo de leitura seguiu o mesmo caminho: “primeiro decorar o alfabeto; depois, soletrar; por fim, decodificar palavras isoladas, frases, até chegar a textos contínuos. O mesmo método sendo aplicado para a escrita. (...) ler se resume à decoreba de signos lingüísticos, por mais que se doure a pílula com métodos sofisticados e supostamente desalienantes. Prevalece a pedagogia do sacrifício, do aprender por aprender, sem se colocar o porquê, como e para quê, impossibilitando compreender verdadeiramente a função da leitura, o seu papel na vida do indivíduo e da sociedade”. (grifo nosso – O que é Leitura? Maria Helena Martins)

Não basta saber ler para gostar de ler. Se duas pessoas leem um mesmo texto, serão duas formas de leitura diferentes, cada olho vê o que quer, e infere sobre a realidade baseada em suas experiências e conhecimentos prévios. E como ensinar essa ação da análise, da interpretação, do estabelecimento das correlações entre mundo, memória, conhecimento, e no final deixar que essas informações se condensem e se transformem naturalmente em mais conhecimento? Essa é a chave. A educação brasileira não se preocupa em chegar até esse ponto, sustentando um método de chefes e subordinados, o educador que sabe e os seus alumnus. 

Foucault já dizia “o poder de disciplinar é, com efeito, um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior adestrar; ou ainda adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor”. (do livro “Vigiar e punir: nascimento da prisão”) Os primeiros livros com os quais temos contato, a maioria de nós (pelo menos) são os livros didáticos que integram a rede de aprendizado, muletas para professores, ferramenta obrigatória integrada ao sistema educacional. Lembrando que os livros didáticos correspondem a maior fatia de toda a venda editorial brasileira. Não custa lembrar.

Segundo Maria Helena Martins “o que é considerado matéria de leitura, na escola, está longe de propiciar aprendizado tão vivo e duradouro (seja de que espécie for) como o desencadeamento pelo cotidiano familiar, pelos colegas e amigos, pelas diversões e atribuições diárias, pelas publicações de caráter popular, pelos diversos meios de comunicação de massa, enfim, pelo contexto geral em que os leitores se inserem. Contexto esse permanentemente aberto a inúmeras leituras. Não é de admirar, pois, a preferência pela leitura de coisas bem diferentes daquelas impostas na sala de aula, sem a cobrança inevitável, em geral por meio das execráveis “fichas de leitura”.

“Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta”. – O ateneu, de Raul Pompéia.

Ler – texto, imagem, mãos, sinais – é uma dinâmica e uma experiência pessoal, aliada ao conhecimento de vida, o processo de decodificação da língua é apenas uma etapa necessária para a compreensão da escrita e da fala, não caracterizando a leitura em si. O dar sentido aquilo que se lê pressupõe o desenvolvimento dessa capacidade de estabelecer correlações, de vivência, de observar todos os lados de uma situação, de aplicabilidade das informações, de compreensão dos contextos pessoais e históricos do que está sendo ‘lido’. Novamente o InovarEduca ressalta a importância do educador como intermediador, como o professor de mergulho que avisa onde estão as pedras, mas não nada pelo aluno, apenas segura na mão e o impulsiona para a sua verdadeira e particular experiência. Ele indica as ferramentas, ensina a usar, mas permite uma exploração compartilhada em que ele próprio irá reaprender em coletivo. O educador que ensina o estudante a enxergar e a fazer brilhar sua própria luz, e que nunca, nunca o faz acreditar que ele não a possui, e que depende de um subordinador de seu aprendizado.

“O propósito de aprender é crescimento, e nossa mente, diferente do corpo, cresce enquanto vivemos”. Mortimer Adler

 Fonte: InovarEduca

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