Mostrar a prática como atividade prazerosa é prioridade
Autor: Leonardo Meira - Jornal Santuário
03/06/2011
Cento e noventa e dois milhões de habitantes. Quinta nação mais populosa do planeta e um país de dimensões continentais repleto de... não leitores. Segundo dados da última edição do estudo Retratos da Leitura no Brasil, publicada em 2008, somente 66,5 milhões de pessoas encaixam-se no perfil “leitores” – leram ao menos um livro nos últimos três meses anteriores à pesquisa –, o equivalente a apenas 35% da população.
Os motivos para a falta de uma cultura literária no país são os mais variados. Passam pelos historicamente elevados preços das publicações, falta de políticas públicas claras para o setor, baixos níveis de escolaridade e de poder aquisitivo da população, ausência de equipamentos culturais eficazes – como bibliotecas públicas –, vinculação entre livro e obrigações escolares e, principalmente, o imaginário coletivo. Quem já não ouviu máximas como “o brasileiro não gosta de ler”, “não se interessa por cultura”? Segundo a coordenadora do Grupo de Pesquisa Alfabetização, Leitura e Escrita (Alle) da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), doutora Lilian Lopes, essa é uma falsa ideia que termina por justificar a ausência de pesados e necessários investimentos nessa direção. “Se desejarmos um trânsito que seja livre e possível a muitos por toda a gama de esferas culturais, temos de entender que construir uma nação nesse sentido requer bastante esforço dos órgãos públicos e civis e é um projeto de longa duração”, afirma.
“Ler” ocupa o 5º lugar na lista do que o brasileiro mais gosta de fazer durante o tempo livre, com 35% da preferência (60 milhões de pessoas), segundo a pesquisa Retratos. E o que fazer para inverter essa equação? O consenso é que uma grande teia de relações precisa ser tecida, contando com o somatório de esforços de todos os agentes sociais.
Mesmo que ainda sejam necessárias ações mais efetivas de todas as esferas da sociedade para que mudanças mais plausíveis se concretizem, há sinais de que há esperança pela frente. Entre 2009 e 2010, por exemplo, houve um incremento de 9,6% nas vendas das livrarias de todo o país, segundo dados da Associação Nacional de Livrarias (ANL), e 13% a mais de pessoas consumiram algum bem cultural, de acordo com pesquisa feita pela Fecomércio-RJ. O número de leitores também aumentou consideravelmente entre 2000 e 2007, passando de 26 milhões para 66,5 milhões de leitores, conforme a Retratos.
As políticas públicas relacionadas ao Livro e à Leitura encorparam-se de modo especial Após 2003, com a sanção da Política Nacional do Livro. Essa lei assegura ao cidadão o pleno exercício do direito de acesso e uso do livro, considerando-o meio principal de difusão da cultura. Outras iniciativas também foram criadas na última década, como o Prêmio Vivaleitura, o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) e também houve a desoneração fiscal sobre os livros. O PNLL estrutura-se com base em quatro eixos estratégicos principais, que têm como ponto comum a prioridade de transformar a qualidade da capacidade leitora do Brasil e trazer a leitura para o dia a dia do brasileiro. Já foram criados mais de duzentos projetos para democratização do acesso à leitura, diversos para fortalecimento de redes de bibliotecas, distribuição de livros gratuitos. Há cerca de 1.000 projetos e programas cadastrados.
O consultor e pesquisador de políticas públicas para o livro e leitura, Felipe Lindoso, acredita que faltam ao PNLL os mecanismos institucionais que permitam sua concretização. “Hoje, não há uma integração das diferentes ações governamentais, nem no governo federal e muito menos nos governos estaduais e municipais. Essa é uma questão que tem de ser encarada com mais decisão: fazer que o PNLL seja efetivamente um lugar de integração das ações dos diferentes níveis de governo e da sociedade civil, e para isso é preciso dispor de mecanismos institucionais mais eficientes”, opina. Todas as políticas públicas relacionadas ao livro e à leitura no país estão em processo de transferência de responsabilidade e coordenação para a Fundação Biblioteca Nacional (FBN).
A entidade também está criando um programa de Livrarias Populares, com o objetivo de estimular editoras a produzirem livros com preços acessíveis e de boa qualidade gráfica e editorial, que serão distribuídos em pontos de venda espalhados no país. “O projeto tem como objetivo estimular a abertura de 10 mil novos pontos de vendas de livros.
Com um conceito parecido com o Programa Farmácia Popular, o objetivo é ampliar o acesso da população aos livros, estimulando o próprio mercado a produzir e oferecer produtos mais baratos (com preços de até R$ 10,00). Com o aumento de tiragem, o mercado editorial consegue produzir a custos mais baixos, sem comprometer a qualidade. Através de editais para distribuição, o Governo participa da compra de títulos, sem interferir no conteúdo editorial dos livros”, explica o presidente da FBN, Galeno Amorim.
Indústria editorial
Em 2004, houve imunidade com relação aos tributos que até então incidiam sobre a cadeia produtiva do livro (PIS e Cofi ns). Isso fez com que o preço fi casse mais acessível e aumentasse o volume de vendas – em 2009, houve incremento de 82 milhões de exemplares com relação ao número de 2004, segundo pesquisa do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel). “O público tem fome de livros e o apetite só tende a crescer. Como tornar essa relação mais virtuosa? Uma saída para diminuir o preço é aumentar a tiragem – se mais pessoas consumissem livros, haveria uma economia de escala que poderia reduzir o valor final. Além disso, também se poderia trabalhar com a ideia de uma tarifa mais acessível para a expedição de livros pelos Correios, pois há casos em que o frete torna-se mais caro que o próprio exemplar”, defende a presidente do Snel e vice-presidente técnica do Instituto Pró-Livro (IPL), Sônia Machado Jardim. Autor do livro O Brasil pode ser um país de leitores?, Lindoso acredita que seja preciso garantir o acesso à multiplicidade de bens culturais como parte integrante da cidadania e mesmo das condições de vida. Ele aponta os problemas de distribuição em um país de dimensões continentais e a ausência na sociedade brasileira de um movimento que incorporasse as bibliotecas como elemento fundamental de sua organização como alguns dos pontos frágeis da
indústria editorial brasileira. “O livro impresso em papel já está totalmente desonerado. Mas estamos diante do desafio do livro eletrônico, e os equipamentos leitores (e-readers) ainda têm uma pesada carga tributária. Os e-readers podem ter um papel muito importante no aumento dos índices de leitura, e esse assunto precisa ser resolvido. Por outro lado, ainda não temos medidas eficazes de fomento para o surgimento de novas livrarias e o estabelecimento de mais pontos de venda. A questão do preço fixo – que prejudica as livrarias independentes – não foi enfrentada. A difusão dos autores brasileiros (não só de literatura) no exterior também é muito precária”, avalia.
Biblioteca Pública
Uma das metas do PNLL é a implantação, modernização e qualificação de acervos, equipamentos e instalações de bibliotecas de acesso público nos municípios brasileiros. De acordo com Galeno Amorim, o Brasil está próximo de zerar o número de cidades sem bibliotecas – número que chegava a 1300 em 2003, segundo dados do IBGE. Esses espaços são vistos por grandes parcelas da população como “depósito de livros” ou lugares aos quais recorrer somente para pesquisas escolares. É nesse sentido que a visão da Biblioteca precisa ser transformada em seu valor simbólico no imaginário da população, passando a ser vista como local onde se estar alegremente, passear, como disponibilidade de acesso ao conhecimento e ao prazer de ler.
Implantar e equipar de modo qualitativo bibliotecas que sejam públicas são ações que podem resolver parte considerável do problema da falta de leitura. “Ao lado disso são necessários conjuntos de medidas que apontem para outras maneiras de significar esses lugares. Temos que considerar que em grande medida somos herdeiros de uma tradição cultural que vê a biblioteca como esse local sagrado, diferenciado. Esses significados se prendem a elementos de permanência. Como estar alegremente num local que costuma exigir silêncio absoluto dos usuários e é cheio de impedimentos de toda natureza? O desafio é buscar outros modos de compor, usar e praticar esses espaços”, indica a professora Lilian Lopes. Um exemplo disso é a Biblioteca Modelo de Manguinhos, inaugurada no ano passado, no Rio de Janeiro, com recursos do Ministério da Cultura. A área onde antes existiam galpões foi totalmente urbanizada e tornou-se local de maior concentração de equipamentos sociais em uma comunidade da cidade. “É uma biblioteca pública multifuncional. Seu formato contempla ludoteca, filmoteca, sala de leitura para portadores de deficiências visuais, acervo digital de música, cineteatro, cafeteria, acesso gratuito à Internet. Este é um exemplo de como o conceito de biblioteca pode ser ampliado, distanciando-se muito dessa ideia de ‘depósito de livros’. Precisamos avançar mais nessa direção”, complementa o presidente da FBN.
No entanto, pesquisa feita pelo próprio Ministério da Cultura e divulgada no final do ano passado aponta que a situação ainda é catastrófica. A maioria das bibliotecas abre precariamente nos horários comerciais (quem trabalha não tem acesso); falta pessoal especializado; o nível de informatização é baixo; a maioria das bibliotecas não possui sistemas informatizados e, principalmente, ainda não há um sistema de bibliotecas com hierarquia (bibliotecas de porte que supram as necessidades de regiões com maior quantidade de acervo), interligação e sistemas de empréstimos entre si.
Em meio à vasta gama de iniciativas sociais de fomento à leitura está o Grupo Projetos de Leitura, coordenado pelo escritor Laé de Souza. Um dos projetos do grupo chama-se Ler é Bom, Experimente! e é dirigido ao público infantil e juvenil das escolas públicas. Desde 2004, mais de três mil escolas em diversas regiões do Brasil já foram atendidas. Laé acredita que a formação do hábito de leitura nas crianças deve ser compromisso partilhado, especialmente, entre família e escola. “Na família, é indispensável a leitura dos pais para os filhos e a conversa sobre um texto lido. Aguçar a curiosidade para e leitura não é obrigação somente dos professores. Pais que gostam da leitura terão mais facilidade de formar filhos leitores. A escola precisa utilizar métodos para formar leitores. Para isso, é necessário que o aluno leia por prazer e que o próprio professor também conheça o prazer da leitura”, ressalta. Aí surge a necessidade crucial de transformar o professor em um mediador da leitura como atividade prazerosa, não tarefa penosa.
“É preciso despertar o interesse pela leitura. As dificuldades de acesso ao livro só são resolvidas quando o próprio livro ganha valor na vida de cada pessoa. É preciso incrementar ações efetivas no que diz respeito ao simbolismo do livro para conquistar novos leitores”, sugere a coordenadora de projetos do Instituto Pró-Livro, Zoara Failla. O tipo de contato que os diversos núcleos – família, escola, entre outros – possuem com os materiais de leitura, a disposição em relação a essa prática, os modos de apresentar esses materiais, exercitar suas leituras, falar sobre elas, afeta diretamente o processo de formação dos futuros leitores. “Distribuir as leituras conforme a faixa etária – especialmente quando se trata da literatura para crianças e jovens – faz parte de nosso senso mais comum. No entanto, podemos olhar para outras categorias, como aquelas apoiadas nos distintos gêneros literários e níveis de leitura, por exemplo. Também na escola pode ser feita uma abordagem transdisciplinar, pois a escrita sempre diz respeito a todas as disciplinas, é uma responsabilidade a ser compartilhada por todos os profissionais e não cabe apenas (como se costuma pensar) ao professor de português”, defende a coordenadora do Alle.
A questão do analfabetismo funcional – pessoa que, mesmo com a capacidade de decodificar minimamente letras ou frases, sentenças, textos curtos e números, não desenvolve habilidade de interpretação de textos e de fazer operações matemáticas básicas – também é um problema que precisa ser solucionado com ações mais efetivas junto à educação básica.
De acordo com a última edição da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE, realizada em 2009, a taxa de analfabetismo funcional é de 20,3%. Isso significa que um em cada cinco brasileiros enfrenta o problema.
Um dos principais estudos sobre o comportamento leitor no país é a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”. A iniciativa é gerenciada pelo quarteto Instituto Pró-Livro (IPL), Câmara Brasileira do Livro (CBL), Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros) e Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel). Já foram publicadas pesquisas em 2001, 2008 e uma terceira edição será divulgada no segundo semestre deste ano. Os resultados revelam o comportamento leitor da população, a percepção da leitura no imaginário coletivo, definem o perfil do leitor e do não leitor de livros, identificam as preferências dos leitores e os canais e formas de acesso à leitura e suas principais barreiras.
Confira os principais resultados da última edição:
Número de leitores
2000 - 26 milhões de leitores (1,8 livro lido por leitor/ano)
2007 - 66,5 milhões de leitores (3,7 livros lidos por leitor/ano)
* Vale destacar que as duas edições tiveram metodologias diferentes. A primeira comparação plenamente confiável da série histórica será possível apenas após a publicação da pesquisa deste ano.
Referência
60% dos leitores se habituaram a ver os pais lendo
63% dos não leitores nunca ou quase nunca viam isso em casa
Motivação para ler
63% leem por prazer, gosto ou necessidade espontânea
Motivação para comprar um livro
28% compra por prazer ou gosto pela leitura
Maior influência para ler
49% mãe (ou responsável mulher)
33% professora
30% pai (ou responsável homem)
O que a leitura significa
69% indica fonte de conhecimento é o valor mais associado à leitura
O que brasileiro gosta de fazer no tempo livre
Ler aparece em 5º lugar, com 35% da preferência (60 milhões), atrás de “Assistir televisão”, “Ouvir música”, “Descansar” e “Ouvir rádio”.
Frequência da leitura
1 vez por dia - 20% jornais
1 vez por semana - 27% revistas
1 vez por mês - 14% livros em geral
NÚMEROS
2% é a despesa de consumo média mensal das famílias brasileiras com recreação e cultura (o equivalente a R$ 42,76), à frente apenas dos gastos com “fumo” e “serviços pessoais”
0,2% é a participação da despesa orçamentária com cultura no total da despesa das esferas de governo (federal, estadual e municipal). De acordo com os dados mais recentes, do R$ 1,538 bilhão de gastos orçamentários dos governos em 2005, apenas R$ 3,129 milhões foram destinados à cultura. É o mesmo que dizer que todos os níveis de governo do país aplicaram em ações culturais menos de 1% do que está previsto, por exemplo, para construir um estádio em Salvador para abrigar os jogos da Copa de 2014 (com capacidade para 44.100 pessoas, a obra está orçada em R$ 360 milhões) R$ 16,99 é o investimento per capita das três esferas de governo com cultura.
Fonte: IBGE
Dados extraídos do Blog do Galeno
Oi, Claudio, adorei encontrar seu blog. É importante que tenhamos espaços para a reflexão e o debate sobre livros e leitura. Aproveito para te convidar para conhecer o meu http://gatodesofa.blogspot.com, em que relato as impressões das leituras que faço com merus filhos de 9 e 4 anos. Passa por lá. Terei o maior prazer em te receber. abs Luciana Conti
ResponderExcluir