Mafalda Milhões, Livreiras da O Bichinho de Conto e contadora de histórias
Ler é ser, sentir, estar, imaginar, compor, reflectir e deixar-se levar.
Ler é ouvir, confiar e deixar-se ficar.
Ler é conjugar todos os verbos com o corpo todo, é sentir inquietação,
vontade de viajar, correr pelo mundo e experimentar tudo. É perder a
noção do tempo simplesmente à procura.
Ler é seduzir, alimentar, acordar escutas para uma aventura que só tem bilhetes de ida.
Ler é aprender a ver, a ouvir, a comer, a tactear, a cheirar.
O leitor usa os sentidos para ler mundo e a alma para acolher a memória.
Quem lê sente o texto a dar voltas na cabeça, na boca, no coração e na barriga.
É a ler em voz alta que se esculpem as escutas e afinam os sentidos.
Do ponto de vista de um Livreiro ou de uma Livreira a Arte de Livros a
Crianças implica o desenvolvimento de muitas competências que se fazem
com muita paixão e o coração nas mãos. Implica sobretudo a vontade e a
necessidade de abrir a porta todos os dias como quem abre um livro e se
some na leitura.
Há que descobrir, encomendar, carregar caixotes, conferir, ler, reler,
dar a conhecer, apresentar, conjugar, brincar, cuidar, acolher e depois
de tudo isto aquietar.
É preciso dar espaço, sentir necessidade, conhecer a escuta e descobrir o
destinatário de cada narrativa. Cada livro tem um leitor à sua espera.
Por isso Ler livros a Crianças é uma espécie de recompensa. É lendo e
contando que os narradores se convertem em livros vivos, textos animados
que passeiam por aí. E de vez em quando sentam-se à sombra dos autores,
refrescam-se com textos e oferecem o colo a quem quer sentir.
É na arte de ouvir e contar que a mediação de leitura acontece.
As crianças têm o poder de aumentar, encolher, recriar leituras a alta velocidade.
Talvez por isso, ler em voz alta ou em surdina a uma criança se
transforme de imediato num desafio, uma aventura onde não há espaço para
uma pessoa só.
A receita é simples:
Escolhe-se um livro a gosto.
Faz-se o refugado em metáforas, comparações e memórias.
Pisca-se o olho com um ar cúmplice ao leitor, uma piscadela basta.
Oferece-se o colo, ajeitam-se os corpos e as escutas.
Lê-se como que conta um segredo e o sucesso é garantido.
A qualidade do momento converte qualquer história na mais fantástica de todas.
Para quem tem filhos, basta querer, pois nem o melhor contador de
histórias do mundo é capaz de competir com um pai ou com uma mãe
apaixonados pelas suas crias.
Para os avós, as leituras são de memória.
A minha avó era uma artista. Uma contadora de histórias que nos ensinou a arte de saber pedir outra vez.
Fonte: Edição Exclusiva
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