FÁBIO MARQUES (REPÓRTER)
14.06.2013
Fortaleza ganha sua primeira biblioteca sem controle de empréstimo. No País, iniciativas parecidas ganham força
Parece
utopia se falar em qualquer espécie de bem que possa ser compartilhado
sem controle e por pessoas que não se conhecem. O projeto que será
inaugurado hoje, em Fortaleza, ainda que pequeno, aposta nessa
possibilidade, inserindo neste contexto um bem caro e imprescindível a
qualquer cidadão: o livro.
Os livros de projeto, em Brasília, ficam à disposição do público em 37 paradas de ônibus
A
Biblioteca Popular funcionará na Casa Vermelha, equipamento mantido por
coletivos ligados ao Partido dos Trabalhadores, com inauguração
agendada para 18 horas. Pelo sistema, os livros estarão dispostos em
frente ao prédio, ao alcance de quem passar pela rua. Para o empréstimo,
basta retirar o livro da prateleira, levar e ler.
O modelo é
espelhado na experiência da Parada Cultural, projeto de Brasília mantido
pelo Açougue Cultural, que disponibiliza os livros ao longo de 37
paradas de ônibus de uma mesma avenida, também sem necessidade de
cadastro prévio ou qualquer outro mecanismo de controle. O leitor pode
recolher o livro, ler durante o trajeto e devolver à frente, ou mesmo
levar para casa, sem dia certo para a devolução. Também é possível
adicionar títulos ao acervo, simplesmente deixando-os em uma das
paradas. O mentor do projeto, Luiz Amorim, vem a Fortaleza para uma
palestra sobre o assunto.
"Eu ouvi falar da experiência de
Brasília e achei que era uma sacada simples de priorizar totalmente o
acesso aos livros, abrindo mão até dos controles que são tão comuns nas
bibliotecas", relata o vereador Guilherme Sampaio, que idealizou a
Biblioteca Popular da Casa Vermelha. Ele aponta a facilitação do acesso
ao livro como a principal sacada do projeto original. E sustenta que,
assim como em Brasília, é possível fazê-lo funcionar na Capital
cearense.
"Eu peguei um ônibus no corredor onde a biblioteca de
Brasília está instalada, fui parando nas paradas, observando e
conversando com as pessoas. Somente uma disse que não tinha devolvido o
livro. O fato é que as estantes estavam sempre abarrotadas. Sobre esse
controle. A resposta que me deu o idealizador do projeto, Luiz Amorim,
resolve a questão: se uma pessoa levar e não devolver, é porque está
precisando do livro".
Bookcrossing
O lema
da versão de Fortaleza será "o prazo é seu, o livro é de todos", tarja
que estará colada em cada título para estimular a ideia nos leitores.
Ainda que em proporções bem menor que a de Brasília, com apenas um
espaço no pátio de entrada da Casa Vermelha dispondo de mil livros, a
Biblioteca Popular trabalha em torno de uma ideia de compartilhamento
que ganha força no mundo. Uma experiência diferente mas seguindo
princípios semelhantes é difundida através do site BookCrossing
(www.bookcrossing.com). O portal possui um acervo difuso e volante,
composto de forma colaborativa, organizado virtualmente e compartilhado
por pessoas de diversos países.
"As vantagens em relação a uma
biblioteca comum é que você não precisa de uma ´biblioteca em si´, a
biblioteca é o mundo, a partir do momento que você liberta o livro, ele
torna-se um livro viajante, e através do site você pode acompanhar por
onde ela anda, quem o leu e etc", pontua o paulista Anderson Araújo,
usuário do site e entusiasta da ideia.
Através do site, é
possível pesquisar a relação de livros cadastrados e adicionar as
leituras desejadas à sua lista de desejos. Quiçá, o livro pode lhe ser
entregue em mãos, ou enviado pela pessoa com quem ele esteja. Pontos de
troca também já começam a ser abertos para sistematizar o encontro entre
os chamados "bookcrossers".
"Acho que não só em São Paulo, mas
no Brasil o sistema ainda está engatinhando, pois existem poucos livros
circulando, mas acompanhando pelo site, eu vejo que todo o dia acontece
liberação de livros no Brasil, ou seja acho que teremos um resultado
melhor a longo prazo, estamos apenas no inicio", avalia Anderson Araújo.
Antes de conhecer o projeto, lembra, ele chegou a juntar acervo para
montar uma biblioteca comunitária. Os livros foram cadastrados no site
e, agora, são parte do acervo global.
Anderson diz que costuma
recorrentemente "libertar" seus livros, como é nomeada a passagem do
livro adiante, em espaços públicos ao acaso. Após cadastrar o título no
site, deixa-o em locais como clínicas médicas, bancos de praça, para que
outra pessoa o encontre e sinta-se estimulada a lê-lo. Uma etiqueta
colada em uma das páginas ensina ao usuário que encontrar o livro a
registrar-se no site e atualizar o status da obra, para que o dono
anterior possa acompanhar por onde anda o livro liberto.
"Há um
enorme descrédito das pessoas e também uma recusa a se desfazer de seus
livros, por muitos motivos. Sabemos que quem é amante dos livros acaba
criando um certo vínculo, que torna muitas vezes impossível da pessoa
simplesmente deixar aquele livro que mudou a sua vida ao acaso num banco
de praça", pondera. Ainda assim, garante Anderson, liberta pelo menos
um livro por semana, e registra tudo no site
diariodeumbookcrosser.blogspot.com.br). Atualmente, existem 28 pontos de
bookcroosing no Brasil. O mais próximo de Fortaleza, fica na
Universidade Federal do Semi-Árido, em Mossoró (RN).
Mais informações
Inauguração
da Biblioteca Popular, com palestra de Luiz Amorim. Hoje, às 16 horas,
na Casa Vermelha (Rua Osvaldo Cruz, 1318 - Aldeota)
Carne para o corpo, livros para a alma
Quando
leu seu primeiro livro, o brasiliense Luiz Amorim já tinha 18 anos
completos. E era, na verdade, uma versão em gibi de um livro de
filosofia. A obra foi, no entanto, o ponto de partida de uma vida
literária que já
rendeu alguns milhares de títulos, acervo que pertence hoje ao seu "T-Bone - Açougue Cultural".
Luiz
Amorim vem a Fortaleza para a inauguração da Biblioteca Popular,
projeto de acesso ao livro inspirado nas ações do seu "Açougue
Cultural", em Brasília
E não pense que o nome do
estabelecimento é uma licença poética - aos moldes da nossa centenária
Padaria Espiritual. De fato, o estabelecimento vende carne. Na entrada e
em uma sala anexa, no entanto, mantém mais de 10 mil livros. "Quando
comprei o açougue em 1994, montei uma estante com um pequeno acervo, que
aos poucos fui ampliando. No começo, o pessoal estranhou o açougue
mexer com livro. Mas depois entenderam que os dois são alimentos, um do
espírito, outro para o físico", lembra sobre o início da empreitada, há
quase 20 anos.
Hoje, ele conta com o apoio de empresas como a
Petrobras e o Banco do Brasil para manter as atividades culturais do
açougue. Somente nas paradas de ônibus, chegam a circular, em média,
dois mil livros por mês.
Ações
Luiz ainda
assume o ofício de açougueiro como sua atividade principal. O braço
cultural do comércio, no entanto, já expandiu as atividade e é
responsável por projetos como a "Noite Cultural T-Bone", realizada desde
1998, e que já promoveu, em frente ao açougue, shows de mais de 500
artistas - entre eles, Milton Nascimento, Ed Motta, Tom Zé e Belchior.
A
principal ação cultural da casa, no entanto, é de fato voltada para a
leitura. "A minha formação intelectual é baseada na filosofia grega. A
gente trabalha com a ideia de desprendimento das coisas, da arte, dos
livros", explica. Luiz conta que chegou a investir 100% do lucro do
açougue em atividades culturais.
Sobre a diversidade do público
que consegue atingir, ele brinca: "nós somos o único açougue do mundo
onde até vegetariano também entra. O cara não come carne, mas vem buscar
cultura".
Fonte: Diário do Nordeste
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