sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

O livro é uma opção

Pesquisa aponta diminuição do índice de leitura no país. Para parte da população, seria impensável, no tempo livre, ler uma obra em vez de ver TV ou navegar na internet. Confira entrevista no ‘Alô, Professor’ com coordenadora do estudo. 
 
Por: Thiago Camelo/ Ciência Hoje On-line
Publicado em 04/10/2012 | Atualizado em 04/10/2012
 
O livro é uma opção
Como fazer com que mais pessoas se interessem pela leitura? A socióloga Zoara Failla, coordenadora da pesquisa, responde ao 'Alô, Professor'. (foto: Georg Mayer/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0) 
 
Os números não deixam espaço para o otimismo. É a conclusão a que se chega quando se toma conhecimento dos dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, encomendada pela Fundação Pró-Livro e pelo Ibope Inteligência. O estudo, que está na sua terceira edição e envolveu 5.012 pessoas em 315 municípios do país, traçou um panorama preocupante: houve uma queda de 9% de leitores em comparação a 2007, o último ano em que a pesquisa foi feita.

Estatisticamente, seria possível afirmar que 50% da população do país, ou 88 milhões de pessoas, não leem sequer um livro por ano. Ao mesmo tempo, aumentou o número de pessoas que afirmaram passar o tempo de lazer na internet ou vendo televisão – para esses entrevistados, a leitura não seria uma opção de passatempo.

Nesse cenário pessimista, conquistar novos e jovens leitores seria essencial. Mas como? É uma das perguntas que a socióloga Zoara Failla, coordenadora do estudo, tenta responder em entrevista abaixo ao ‘Alô, Professor’.
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A socióloga Zoara Failla com sua pesquisa, Retratos de Leitura no Brasil, em mãos: o estudo virou livro e foi lançado na Bienal deste ano em São Paulo. (foto: divulgação)

‘Alô, Professor’: A pesquisa aponta que o número de pessoas que preferem ver TV e navegar na internet nas horas de lazer vem aumentando. Como fazer para o livro ser também uma forma de entretenimento?
 

Zoara Failla: Primeiro, entendo que a internet e a TV não roubam leitores. As pessoas que vão navegar na internet ou ver TV não desenvolveram o hábito de ler por prazer. E isso, sem dúvida, começa na escola. As escolas em geral não desenvolvem práticas de leitura. Na verdade, o que se faz é apresentar a leitura como tarefa, como a obrigação que o estudante terá quando sair da escola. Toda a questão começa com o despertar do interesse pela leitura.

Já que aumenta o número de pessoas navegando na internet, não seria o caso de incentivar a leitura nessa plataforma? Livros digitais, por exemplo, poderiam ajudar a aumentar o número de leitores?Quem não gosta de ler não vai procurar livros digitais. A pessoa só vai fazer isso se gostar de ler. Do contrário, vai para as redes sociais ou para alguma plataforma de interação. Em geral, o que se lê na internet? Recados, mensagens cifradas e sem conteúdo. As pessoas se comunicam, disso eu não tenho dúvida. Mas existe uma diferença grande entre informação e conhecimento. Quem usa a internet dessa forma não desenvolve conhecimento.

E como se desenvolve o conhecimento?É importante acessar conteúdos mais complexos, de maior qualidade, que leve a pessoa a desenvolver capacidade crítica e de concentração. O livro é um conteúdo mais complexo. Este é o grande problema da informação pasteurizada: ela não dá vazão ao pensamento crítico. Rouba o tempo da pessoa.

Qual seria a importância da leitura num sentido prático e mais funcional?A leitura é importante na vida social e profissional. Na prática profissional, por exemplo, quem tem capacidade crítica se diferencia, consegue ter um pensamento mais estratégico, faz relação entre as coisas e tem aptidão para usar aquilo que aprendeu. Essas qualidades podem ser levadas para a vida pessoal também.

Como você avalia as campanhas de leitura promovidas pelo Estado?Toda campanha de leitura é importante. Há essa tendência de seguir modismos, e é inegável que uma celebridade dizer que o livro é importante traz leitores. Você percebe que as pessoas que são formadoras de opinião têm influência. É legal fazer o livro entrar na moda. Além de ter bijuteria da celebridade, a pessoa passa a querer ler a obra que a celebridade está lendo. É como torcer por um time de futebol: ninguém nasce com um time, ninguém nasce gostando de futebol. Mas o pai incentiva a criança o tempo todo, estimula-o a gostar de futebol. Dá bola, camisa – o pai valoriza o esporte, a família valoriza. De algum jeito é passado para a criança que gostar de futebol é bom. Isso deveria acontecer com o livro e com questões culturais como um todo.

De que maneira?É importante ler na frente da criança, presenteá-la com livros, criar jogos de perguntas sobre o livro que ela está lendo. É importante criar esse espaço da leitura na vida da criança.

A pesquisa aponta o professor como a pessoa que mais influencia a pessoa a ler. Qual seria o papel da escola na promoção da leitura?
A escola é um espaço privilegiado. E o professor deve saber ler bem, gostar de ler. Senão, ele não saberá fazer o marketing correto. Os clássicos são maravilhosos, mas você tem que ter compreensão do que está lendo para poder ensinar. E os clássicos exigem conhecimento. Machado de Assis é maravilhoso, mas é complexo. Pode ser difícil para o aluno ler Machado de Assis. O importante é tentar identificar do que o adolescente gosta, o que ele quer ler.
O importante é desenvolver o hábito da leitura, divulgar que há pessoas que não conseguem dormir sem ler!

E há ‘o livro certo’?
Não! Pode ser Harry Potter, Crepúsculo... Pode ser gibi! O importante é desenvolver o hábito da leitura, divulgar que há pessoas que não conseguem dormir sem ler! Com o tempo, o jovem acha o seu caminho, desenvolve o seu gosto.

Como o professor deve lidar com a diferença de gostos em sala de aula na hora de passar uma obra para ser lida no semestre?O professor deve conhecer a sua sala de aula. É preciso escolher o livro que contemple a maioria. Ou, quem sabe, dar algumas opções, apresentar cinco ou seis livros. As crianças não são tão diferentes assim. A maioria tem gosto e interesse parecidos.

A pesquisa aponta que o índice de leitura aumentou no Nordeste e caiu no Sul e no Sudeste. A que a senhora atribui esse fato?A principal explicação é o envelhecimento da população no Sul e no Sudeste em comparação ao Nordeste. No Nordeste, há mais jovens nas escolas. E é justamente no período escolar, dos 5 aos 17 anos, em que mais se lê. Por outro lado, na pesquisa, notamos que se lê mais espontaneamente – sem incentivos externos, como o do professor – no Sul e no Sudeste.

Você é mais otimista ou pessimista quanto ao cenário de leitura no país?Não dá para ficar otimista com os números que temos. O ponto positivo é que esses números podem gerar inquietação nos governantes, incentivar ações mais efetivas. Não só nos governantes, mas também nos pais e nos educadores. São importantes também essas ações individuais: o pai dar livros de presente para o filho, o professor desenvolver atividades em torno da leitura, indicar livros na biblioteca... São ações muito simples que geram enorme resultado.

Fonte: Ciência Hoje

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