Rainer Maria Rilke, in "O Livro das Imagens"
Tradução
de Maria João Costa Pereira
Autor do desenho: Friedhelm Wessel
O homem que lê
Eu
lia há muito. Desde que esta tarde
com
o seu ruído de chuva chegou às janelas.
Abstraí-me
do vento lá fora:
o
meu livro era difícil.
Olhei
as suas páginas como rostos
que
se ensombram pela profunda reflexão
e
em redor da minha leitura parava o tempo. —
De
repente sobre as páginas lançou-se uma luz
e
em vez da tímida confusão de palavras
estava:
tarde, tarde... em todas elas.
Não
olho ainda para fora, mas rasgam-se já
as
longas linhas, e as palavras rolam
dos
seus fios, para onde elas querem.
Então
sei: sobre os jardins
transbordantes,
radiantes, abriram-se os céus;
o
sol deve ter surgido de novo. —
E
agora cai a noite de Verão, até onde a vista alcança:
o
que está disperso ordena-se em poucos grupos,
obscuramente,
pelos longos caminhos vão pessoas
e
estranhamente longe, como se significasse algo mais,
ouve-se
o pouco que ainda acontece.
E
quando agora levantar os olhos deste livro,
nada
será estranho, tudo grande.
Aí
fora existe o que vivo dentro de mim
e
aqui e mais além nada tem fronteiras;
apenas
me entreteço mais ainda com ele
quando
o meu olhar se adapta às coisas
e
à grave simplicidade das multidões, —
então
a terra cresce acima de si mesma.
E
parece que abarca todo o céu:
a
primeira estrela é como a última casa.
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