Por Elton Alisson*
Agência FAPESP – O Programa Nacional Biblioteca da Escola
(PNBE) possibilitou que as instituições de educação infantil públicas no
país passassem a contar, nos últimos 17 anos, com um acervo de livros
com quantidade e qualidade suficientes para a realização de atividades
voltadas a contribuir para a formação de leitores.
As coleções de livros do programa, instituído pelo Ministério da
Educação (MEC) em 1997, não contemplam, no entanto, as especificidades
pedagógicas da primeira infância – de 0 a 3 anos. E os docentes e
responsáveis pelas bibliotecas de creches e berçários públicos não estão
preparados para desenvolver atividades de formação de leitores com as
crianças nessa faixa etária.
As conclusões são da pesquisa “Literatura
e primeira infância: dois municípios em cena e o PNBE (Programa
Nacional Biblioteca da Escola) na formação de crianças leitoras”,
realizada no Departamento de Didática da Faculdade de Ciências e Letras
da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Marília, e no
Departamento de Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp
de Presidente Prudente, com apoio da FAPESP, no âmbito de um acordo de cooperação com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV).
Alguns resultados do estudo foram apresentados no dia 13 de março
durante o I Seminário de Pesquisas sobre Desenvolvimento Infantil,
realizado na FAPESP.
“Constatamos que a quantidade e a qualidade das coleções de livros do
PNBE são muito boas, mas estão mais voltadas para crianças maiores, a
partir de 3 anos”, disse Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto,
professora do curso de Pedagogia da Unesp de Marília e coordenadora do
projeto, durante sua palestra no evento.
“Também há um despreparo dos professores e cuidadores e de toda a
equipe das escolas para trabalhar com essas crianças pequenas não só em
atividades relacionadas à formação de leitor, mas também para
compreender as potencialidades das crianças”, afirmou Girotto.
Durante o projeto, os pesquisadores analisaram o acervo de obras
literárias do PNBE voltados à educação infantil. Uma das principais
constatações foi a de que as coleções, compostas por mais de 150 obras,
não contemplam as especificidades das crianças abaixo de 3 anos em
termos de projeto gráfico, editorial, estético e literário.
“Não defendemos que seja preciso estabelecer regras para a literatura
infantil, mas há especificidades que não podem ser desconsideradas nos
livros voltados à primeira infância”, afirmou.
“As crianças nessa fase de desenvolvimento não leem do mesmo modo que
uma criança em fase de alfabetização, tampouco como um leitor maduro.
Mas já ensaiam, pelo contato direto com o livro, o que denominamos de
‘ações embrionárias do ato de ler’, atribuindo sentidos às ações
iniciais dos modos de ler”, disse Girotto à Agência FAPESP.
Práticas de leitura
Os pesquisadores também fizeram um mapeamento de como as crianças com
até 3 anos têm acesso a livros nas instituições públicas de educação
infantil com base em entrevistas com 520 professores, 60 coordenadores
pedagógicos e 55 profissionais responsáveis pela biblioteca de 71
creches e berçários dos municípios de Marília e Presidente Prudente, no
oeste paulista.
Foi constatado que cerca de 80% desse universo de instituições ainda
não utiliza o acervo recebido do PNBE. Em algumas instituições, as
coleções ficam em estantes da biblioteca, armários ou em caixas perdidas
na instituição ou dividem espaço com produtos e materiais de limpeza.
“O pressuposto de que só a quantidade e a qualidade das obras são
condições suficientes para o desenvolvimento de atividades de formação
de leitores na educação infantil não é verdadeiro”, avaliou Girotto.
De acordo com a pesquisadora, uma das razões da subutilização dos
livros da coleção do PNBE nas instituições avaliadas é o despreparo da
equipe de docentes e responsáveis pelas bibliotecas para colocar em
prática atividades voltadas à formação de leitor na primeira infância.
Apesar disso, professores, coordenadores pedagógicos e profissionais
responsáveis pelas bibliotecas das instituições participantes do estudo
destacaram, durante as entrevistas realizadas pelos pesquisadores, que
consideram importante o processo de ofertar e estimular o contato das
crianças com o livro. “Mas muitos acreditam que só contar histórias ou
ler em voz alta para as crianças é o suficiente”, disse Girotto.
Segundo a pesquisadora, o mediador de leitura pode – e deve – ler e
contar histórias para as crianças. Mas também é preciso que a criança
seja colocada em contato direto com o livro para tateá-lo, explorá-lo e
imitar os adultos e, dessa forma, iniciar sua formação como leitor.
Educação literária
A pesquisa deverá resultar em dois livros com previsão de lançamento
no 18º Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, que ocorrerá
entre 11 e 14 de novembro em Fortaleza, no Ceará.
O primeiro livro, com o título provisório “Literatura e Primeira
Infância I: da contação de histórias e da proferição”, discute a criança
como ouvinte e a função do mediador.
No segundo livro, também com o título provisório “Literatura e
educação infantil: tateios, experimentação e sentidos dos livros
para/com os pequenos”, os pesquisadores pretendem discutir abordagens
específicas do desenvolvimento infantil e as peculiaridades dos livros
voltados à primeira infância, que devem valorizar a experimentação e
ação direta da criança, ressaltou Girotto.
“Todo o trabalho de formação de leitor na primeira infância pode
ficar a desejar se não existirem livros adequados e não for feita uma
adequada mediação e apresentação das publicações para as crianças”,
estimou a pesquisadora.
“As crianças precisam reconhecer e usar os livros tal como o adulto
ou um leitor autônomo fazem, buscando compreender as informações em
textos verbais ou imagéticos”, indicou.
Por meio do projeto, os pesquisadores pretendem estabelecer um
programa de atividades de leitura com crianças com até 3 anos utilizando
o acervo do PNBE e desenvolver uma proposta de formação de docentes.
Além disso, querem continuar os trabalhos nas instituições dos dois
municípios com avaliações sobre o acesso aos livros, práticas de leitura
literária nas unidades que utilizam o acervo do PNBE, sobre mediação
dos professores e sobre os livros selecionados por eles.
“As instituições de ensino infantil têm a responsabilidade de
propiciar às crianças o contato com obras literárias da melhor
qualidade, respeitando suas especificidades de desenvolvimento e sem
subestimar sua capacidade intelectual”, avaliou.
“Isso não significa antecipar a alfabetização, mas estabelecer
diretrizes para a educação literária, desde a primeiríssima infância,
sem apequenar os potenciais da criança”, afirmou.
O objetivo do seminário na FAPESP foi divulgar os resultados de dez projetos de pesquisa selecionados na primeira
Chamada de Propostas do Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica
firmado entre as duas instituições em 2010 nas áreas de Saúde, Educação,
Economia, Pedagogia, Psicologia e Assistência Social.
Também participaram do seminário os coordenadores dos 16 novos projetos aprovados na segunda seleção de propostas, concluída em 2013.
*Com Fernando Cunha.
*Com Fernando Cunha.
Fonte: Agência Fapesp
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