Biblioterapia clínica recomenda livros para aliviar sintomas decorrentes
de tratamentos de saúde, como angústia, solidão e insônia
14/04/2013 Rodolfo Stancki
A leitura engrandece a alma, escreveu uma vez Voltaire. A frase do
pensador iluminista mostra o potencial do livro para agregar
conhecimento, abrir portas para a imaginação e servir de refúgio para os
problemas diários. Entusiastas de biblioteca defendem que ler tem
poderes mágicos e pode ajudar a curar. A realidade não está muito longe
disso. Médicos e psicólogos indicam a leitura para aliviar sintomas de
diversas patologias. A prática recebe o nome de biblioterapia clínica,
definida como a recomendação de livros para aliviar angústias pessoais,
estimular emoções, promover o diálogo e ajudar pessoas com insônia.
“A biblioterapia mostra um cuidado com o ser humano, que se manifesta
ao ler, narrar ou dramatizar histórias”, diz a professora Clarice
Caldin, do departamento de Ciências da Educação da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC). Especialista no tema, ela explica que as
narrativas literárias buscam proporcionar a catarse, considerada por
alguns autores como uma purificação do corpo e da mente.
Por meio da leitura, as pessoas podem se identificar com personagens
ficcionais, refletindo suas próprias atitudes. “O objetivo da
biblioterapia é favorecer a expressão dos pensamentos aflitivos, como
uma descarga emocional, uma purgação”, observa.
Histórias
A administradora Roseli Bassi percebeu esse potencial terapêutico da
leitura e criou a ONG História Viva, que conta com um time de 200
voluntários especializados em ler e contar histórias para pacientes de
hospitais. “Nosso trabalho é apaziguar os sentimentos de pessoas que
estão lidando com realidades difíceis. Tiramos crianças e adultos de
suas doenças ao abrir um mundo de imaginações”, afirma.
Julia Dutra, 10 anos, luta contra o câncer desde 2008. Durante alguns
dias da semana, em seu quarto no Hospital das Clínicas, em Curitiba,
ela recebe a visita de um contador de histórias, que lê para a menina
por cerca de uma hora. No período, suas preocupações se tornam disputas
entre monstros, desafios de leões e castelos de princesas. A narrativa
vira uma distração, que a anima. “É uma parte do dia que adoro”, diz a
menina.
Antes de sair, o voluntário deixa um recado para os pais de Julia. “É
recomendado que vocês leiam para ela também, isso ajuda a fortalecer o
interesse dela.” Além de distrair e relaxar, a biblioterapia por meio de
contadores de histórias incentiva a aproximação com o livro.
Na realidade hospitalar, a leitura tira o paciente de sua rotina, de
sua espera. Existem pessoas que usam livros, revistas e jornais para
enfrentar a cadeira antes de serem atendidos em um consultório. “É
importante que cada um saiba o tipo de leitura que o ajuda. Geralmente
são as que mais agradam”, aponta Ítala Duarte, psicóloga clínica do
Hospital Erasto Gaertner. O efeito terapêutico depende da disposição do
paciente diante da leitura.
Um livro antes de dormir, por exemplo, pode ajudar pessoas com
insônia. O médico Attilio Melluso Filho, do Centro de Distúrbios do Sono
de Curitiba, diz que quanto menos alarmante e repetitiva for a
narrativa, melhor a condução para a latência do sono, período que
antecede o adormecer. A leitura engrandece a alma e também faz bem para a
saúde.
Companhia para a solidão
Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Na sala de diálise da Santa Casa de Curitiba, Florisbal Costa passa
algumas tardes lendo livros e jornais. Em tratamento por conta de um
problema de rim há três anos, ele usa a leitura para combater a solidão.
“Ler direciona o cérebro das pessoas sozinhas. Faz a gente pensar no
que é bom”, diz.
Com 101 anos, o vendedor aposentado vive na companhia de uma
enfermeira, que o ajuda. Há vários anos, pratica a rotina diária de ler
jornais e revistas. “Assim me conecto com o mundo.” Como passa mais da
metade da semana no hospital, a companhia dos livros também o mantém
distraído.
A leitura é estimulada para pacientes em diálise. O médico Georgio
Sfredo Bertuzzo, da Santa Casa, diz que as narrativas literárias ajudam a
conter a ansiedade. Afinal, são várias horas em que os pacientes não
fazem nada a não ser esperar. Costa faz a sua parte, além de ler muito,
ele troca livros com outros pacientes.
Recuperação por meio de livros
Letícia Akemi/Gazeta do Povo
Para Victor D’Ambrós, 12 anos, os livros são mais importantes do que
os filmes. Prefere histórias de ação, que tenham alguma coisa a ver com
os videogames que joga. A prática da leitura é bastante útil no período
em que fica no hospital ou em casa, se recuperando de quimioterapias.
Victor descobriu que tem sarcoma de Ewing, um tipo de câncer que
atinge os ossos, em julho do ano passado. Está reagindo bem ao
tratamento, mas precisou se afastar da escola e dos amigos. “A leitura o
ajuda a passar o tempo e o deixa animado”, conta a mãe, a professora
Kátia D’Ambrós.
“Gosto de ler à noite, antes de dormir”, diz o menino. A ficção
literária o leva para outros mundos, que envolvem vilões, guerras
mundiais e as aventuras de crianças em escolas. Apesar de colocar os
livros na frente dos filmes, quando não está no hospital coloca os jogos
de videogame no topo da lista de preferências. O que não deixa de ser
uma distração terapêutica.
Fonte: Gazeta do Povo
Nenhum comentário:
Postar um comentário