Sobre a leitura rasa da vida e do mundo... A leitura em todas as linguagens.
Decodificar ou compreender?
No livro “O que é leitura”, da Prof. Dr.
Maria Helena Martins, especialista em Teoria Literária, temos a ideia
de leitura é normalmente restrita ao livro, ao jornal e ao texto
propriamente dito. Ler está muito associado às palavras. “As ciganas,
contudo, dizem ler a mão humana, e os críticos afirmam ler um filme. O
fato é que, quando escapa dos limites do texto escrito, o homem não
deixa necessariamente de ler. Lê o mapa astral, o teatro, a vida – forma
a sua compreensão de realidade”.
Ler um texto ou uma obra de arte envolve
dar sentido ao que se lê, levando em conta a situação desse objeto
(texto, obra, filme etc) e também do leitor. Contextualizar. A leitura,
independente de um contexto escolar, vai além do texto escrito, trata-se
do ato da interpretação e compreensão de expressões, tanto formais
quanto simbólicas, estejam no meio de linguagem que estiverem. Não
importa. A partir disso a leitura ganha espaço no entendimento do
processo de aprendizado de cada coisa no mundo e em nós.
Começamos a ler porque sentimos
curiosidade e necessidade de entender o mundo, e para isso não basta
seguir com olhos ávidos palavra por palavra ou olhar o mundo a nossa
volta consumindo as informações como se os olhos pudessem registrar
automaticamente tudo o que veem e como se o cérebro precisasse somente
disso para absorver a informação e transformá-la em conhecimento. O
processo é muito mais complexo. “Quando começamos a organizar os
conhecimentos adquiridos, a partir das situações que a realidade impõe e
da nossa atuação nela; quando começamos a estabelecer relações entre as
experiências e a tentar resolver os problemas que se nos apresentam –
aí então estamos procedendo leituras, as quais nos habilitam basicamente
a ler tudo e qualquer coisa”, reflete a autora Maria Helena. Essa é a
verdadeira leitura que interage com o mundo e o modifica, a partir da
modificação que acontece primeiramente em nós.
Atualmente podemos identificar alguns elementos relacionados à leitura que têm favorecido e desfavorecido esse hábito.
O tempo
Atualmente nosso comportamento diante do
tempo nos deixou pensar que podemos estendê-lo e multiplicá-lo conforme
nossas necessidades, no entanto, o dia continua tendo apenas vinte e
quatro horas. Cada vez mais nos forçamos a triplicar a quantidade de
tarefas que precisamos fazer esquecendo-nos do quão importante é a
verdadeira dedicação do tempo para cada tarefa. A pressa nos obriga a
correr e acreditamos realmente que é possível fazer tudo de forma
acelerada. Sentimo-nos obrigados a seguir roteiros impossíveis entre
nossa vida pessoal, necessidades, trabalho, estudo, lazer, etc, e
aceitamos como fato o contínuo sentimento de culpa por não fazemos tudo o
que nos propomos. Nesse ritmo esmagador algumas atividades perdem em
qualidade e consistência.
A relevância
O impacto emocional de uma situação
garante que ela será armazenada em nossa memória permanentemente,
reativando-a mesmo que se passe muito tempo. Esse processo de seleção de
memórias e de fixação (quais são relevantes e quais são
insignificantes) é realizado pelo cérebro durante o sono. Essa
informação sobre a memória funciona para a vida e tudo o que fazemos,
incluindo o processo da leitura e do estudo.
O sucesso de uma boa leitura também está relacionado ao grau de importância que damos ao conteúdo que estamos lendo.
Faltam bibliotecas? O livro está caro?
Segundo o site QEdu
– um portal gratuito com informações sobre a qualidade da educação no
Brasil – na Prova Brasil 2011, aplicada pelo Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), foi constatado
que dos 225.348 professores que responderam à questão, 101.933 (45%)
leem sempre ou quase sempre, 46.748 (21%) o fazem eventualmente e 76.667
(34%), nunca ou quase nunca. E por quê? Faltam bibliotecas? Os livros
no Brasil são caros?
Em 2009 o 1º Censo Nacional das
Bibliotecas Públicas Municipais registrou que 79% dos municípios
brasileiros possuíam ao menos uma biblioteca aberta, são 4.763
bibliotecas para 4.413 municípios. “Em 13% dos casos, as BPMs ainda
estão em fase de implantação ou reabertura e em 8% estão fechadas,
extintas ou nunca existiram. Considerando aquelas que estão em
funcionamento, são 2,67 bibliotecas por 100 mil habitantes no país”.
(Censo)
No entanto, o Brasil precisa construir
128 mil bibliotecas escolares em sete anos para cumprir a lei federal Nº
12.244, de 24 de maio de 2010.
E sobre o preço dos livros?
Segundo o SNEL - Sindicato Nacional dos
Editores de Livros, os dados referentes ao mercado editorial brasileiro
até 2011 foram os seguintes:
A Agência Nacional do Livro em uma
pesquisa sobre a produção e vendas do setor livreiro de 2011 constatou
que “Mais baratos, os livros voltados à formação e ao aperfeiçoamento
profissional foram os que mais cresceram em produção, faturamento e
vendas no ano de 2011” e que “O valor do preço médio do livro vendido
recua desde 2004, acumulando declínio real médio de 44,7% até 2011”. Já
sobre os e-books, incluídos recentemente nas pesquisas sobre o mercado
editorial, somam uma quantidade ainda insignificante para influenciar o
setor, no entanto os dados gerados pela pesquisa informam que os 5.200
títulos lançados em 2011 correspondem a um faturamento próximo de R$ 870
mil.
Atualmente os amantes dos livros podem
contar com inúmeras formas de acesso que até bem pouco tempo atrás não
existiam: sebos virtuais, redes sociais especialmente criadas para quem
adora ler com dicas de livros, e algumas que funcionam como ponto de
troca de livros entre as pessoas. Veja só:
Skoob (rede social)
Goodreads (rede social)
Será mesmo que a internet afasta as pessoas? E nos faz ler menos? :) E então, porque o brasileiro ainda lê pouco?
Segundo pesquisas recentes realizadas pelo QEdu: Aprendizado em Foco -
Prova Brasil 2011 - aplicada pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), temos 225.348 professores
brasileiros: 101.933 (45%) leem sempre ou quase sempre, 46.748 (21%)
leem eventualmente e 76.667 (34%), nunca ou quase nunca.
Será que aprendemos a ler, será que os estímulos certos nos foram oferecidos?
A leitura está relacionada a decifrar a
linguagem escrita, ao aprendizado, á interpretação do que vemos ao nosso
redor – a leitura do mundo – e nos permite o convívio social, o estudo,
a produção de conhecimento e a nossa participação no mundo. Lembrando
que no Brasil, cerca de 75% da população é analfabeta funcional. Dessas
pessoas, 4% chegaram até o ensino superior. Apenas 25% possui
habilidades plenas com a escrita e com os números.
Para ler mais sobre analfabetismo funcional, clique aqui.
Será que a forma como aprendemos a ler
não é uma das principais responsáveis pela falta de gosto pela coisa? O
método de aprendizado seguiu um caminho rígido e mecânico, regras e
padrões que prejudicaram ocultamente a criatividade e a escolha dos
estudantes – chamados de “alunos”, que do latim alumnus, alumnié,
sem luz – e o processo de leitura seguiu o mesmo caminho: “primeiro
decorar o alfabeto; depois, soletrar; por fim, decodificar palavras
isoladas, frases, até chegar a textos contínuos. O mesmo método sendo
aplicado para a escrita. (...) ler se resume à decoreba de signos
lingüísticos, por mais que se doure a pílula com métodos sofisticados e
supostamente desalienantes. Prevalece a pedagogia do sacrifício, do
aprender por aprender, sem se colocar o porquê, como e para quê, impossibilitando compreender verdadeiramente a função da leitura, o seu papel na vida do indivíduo e da sociedade”. (grifo nosso – O que é Leitura? Maria Helena Martins)
Não basta saber ler para gostar de ler.
Se duas pessoas leem um mesmo texto, serão duas formas de leitura
diferentes, cada olho vê o que quer, e infere sobre a realidade baseada
em suas experiências e conhecimentos prévios. E como ensinar essa ação
da análise, da interpretação, do estabelecimento das correlações entre
mundo, memória, conhecimento, e no final deixar que essas informações se
condensem e se transformem naturalmente em mais conhecimento? Essa é a
chave. A educação brasileira não se preocupa em chegar até esse ponto,
sustentando um método de chefes e subordinados, o educador que sabe e os
seus alumnus.
Foucault
já dizia “o poder de disciplinar é, com efeito, um poder que, em vez de
se apropriar e de retirar, tem como função maior adestrar; ou ainda
adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor”. (do livro
“Vigiar e punir: nascimento da prisão”) Os primeiros livros com os quais
temos contato, a maioria de nós (pelo menos) são os livros didáticos
que integram a rede de aprendizado, muletas para professores, ferramenta
obrigatória integrada ao sistema educacional. Lembrando que os livros
didáticos correspondem a maior fatia de toda a venda editorial
brasileira. Não custa lembrar.
Segundo
Maria Helena Martins “o que é considerado matéria de leitura, na
escola, está longe de propiciar aprendizado tão vivo e duradouro (seja
de que espécie for) como o desencadeamento pelo cotidiano familiar,
pelos colegas e amigos, pelas diversões e atribuições diárias, pelas
publicações de caráter popular, pelos diversos meios de comunicação de
massa, enfim, pelo contexto geral em que os leitores se inserem.
Contexto esse permanentemente aberto a inúmeras leituras. Não é de
admirar, pois, a preferência pela leitura de coisas bem diferentes
daquelas impostas na sala de aula, sem a cobrança inevitável, em geral
por meio das execráveis “fichas de leitura”.
“Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta”. – O ateneu, de Raul Pompéia.
Ler – texto, imagem, mãos, sinais – é
uma dinâmica e uma experiência pessoal, aliada ao conhecimento de vida, o
processo de decodificação da língua é apenas uma etapa necessária para a
compreensão da escrita e da fala, não caracterizando a leitura em si. O
dar sentido aquilo que se lê pressupõe o desenvolvimento dessa
capacidade de estabelecer correlações, de vivência, de observar todos os
lados de uma situação, de aplicabilidade das informações, de
compreensão dos contextos pessoais e históricos do que está sendo
‘lido’. Novamente o InovarEduca ressalta a importância do educador como
intermediador, como o professor de mergulho que avisa onde estão as
pedras, mas não nada pelo aluno, apenas segura na mão e o impulsiona
para a sua verdadeira e particular experiência. Ele indica as
ferramentas, ensina a usar, mas permite uma exploração compartilhada em
que ele próprio irá reaprender em coletivo. O educador que ensina o
estudante a enxergar e a fazer brilhar sua própria luz, e que nunca,
nunca o faz acreditar que ele não a possui, e que depende de um
subordinador de seu aprendizado.
“O propósito de aprender é crescimento, e nossa mente, diferente do corpo, cresce enquanto vivemos”. Mortimer Adler
Fonte: InovarEduca
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