Matéria publicada em 28/02/2011
Moacyr Scliar [1]
Moacyr Scliar [1]
Em meados do século XIX, o Rio de Janeiro tinha apenas dez livrarias, provavelmente sem muitos clientes: um censo realizado à época de Machado de Assis, e na mesma capital federal, mostrava uma porcentagem de analfabetismo em torno de 80%.
Não é difícil explicar essa situação de analfabetismo e de falta de leitores. No Brasil colonial, o ensino era precário e reservado a uns poucos filhos de privilegiados. Universidades não existiam: os jovens que podiam iam estudar na Universidade de Coimbra, em Portugal. As coisas começaram a mudar quando, em 1808, a corte portuguesa, fugindo à invasão napoleônica, transferiu-se para o Brasil. Foi criada a Biblioteca Real e a primeira gráfica-editora, a Imprensa Régia, que, contudo, tinha o monopólio da edição de livros e só publicava o que era autorizado pela coroa. Quando esta disposição foi revogada (em 1821, às vésperas da independência e provavelmente anunciando-a), multiplicaram-se os jornais, folhetos, revistas. Neste processo tiveram forte papel os franceses Edouard e Heinrich Laemmert e Baptiste Louis Garnier, livreiros que também editavam autores brasileiros: Garnier lançou José Veríssimo, Olavo Bilac, Artur Azevedo, Bernardo Guimarães, Silvio Romero, João do Rio, Joaquim Nabuco; Laemmert tinha em seu catálogo Graça Aranha e Machado de Assis. Suas livrarias, inclusive, tornaram-se célebres pontos de encontro dos escritores. Àquela altura, começo do século XX, começava a surgir um público leitor, às vezes surpreendendo os editores: quando a Laemmert recusou-se a publicar uma obra que parecia “cientificista” e extensa, o próprio autor resolveu financiar a edição. E fez muito bem, Euclides da Cunha: Os sertões, magistral retrato da Guerra de Canudos e do Brasil sertanejo, vendeu, em pouco mais de um ano, 6 mil exemplares. Autêntico best-seller.
O fato de que os escritores não conseguiam viver de literatura (muitos eram funcionários públicos ou profissionais liberais), não impedia a existência de uma vida literária. Em 1897, e por influência de Machado de Assis, era criada a Academia Brasileira de Letras. Com o movimento modernista de 1922 surgiram revistas literárias, a Klaxon, para a qual escreveram Anita Malfatti, Sérgio Milliet, Mário de Andrade, Tarsila do Amaral.
Nas primeiras décadas do século XX apareceram editoras importantes: a José Olympio, que editou sucessos como Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, e Vidas secas de Graciliano Ramos, além de Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre e Guimarães Rosa, sem falar em clássicos da literatura mundial, como Balzac, Dostoiévsky, Jack London, Tolstói. A produção crescia; o número de editoras (a maioria delas no Rio, ainda que o parque gráfico de São Paulo fosse maior) aumentou quase 50% entre os anos de 1936 e 1944. Em meados do século XX o país editava, por ano, cerca de 4 mil títulos, representando 20 milhões de exemplares. Durante o Estado Novo, regime de exceção que ampliou os poderes de Getúlio Vargas (presidente de 1930 a 1945), a atividade cultural passou a ser controlada pelo DIP, Departamento de Imprensa; a censura estava presente no rádio, imprensa, música, ensino. E foi também Vargas que, em 1937, criou o Instituto Nacional do Livro, com o objetivo de desenvolver uma política governamental na área.
Ao mesmo tempo, havia uma descentralização da atividade editorial. No Rio Grande do Sul surgiu a Editora Globo, dirigida por Henrique Bertaso que teria como colaborador ninguém menos que o escritor Érico Veríssimo, grande tradutor e editor familiarizado com o contexto literário mundial. A Globo editava clássicos, best-sellers, e autores gaúchos: Dyonelio Machado, Darcy Azambuja, Pedro Vergara, e o próprio Érico Veríssimo que, com Jorge Amado, formava a dupla de autores mais lida no país.
E os leitores?
Ainda não são muitos. O Brasil tem cerca de 190 milhões de habitantes, dos quais 95 milhões podem ser considerados leitores; mas eles leem, em média, 1,3 livro por ano. Nos Estados Unidos, esta cifra é de 11 livros por ano; na França, 7 livros por ano; na Argentina, 3,2 livros por ano. Não se trata de uma rejeição da leitura; uma enquete mostrou que 75% gostam de ler. Pergunta: por que, então, os brasileiros não leem mais? O argumento mais comum é o do preço do livro, de fato ainda muito caro. Mas isto é o resultado de um círculo vicioso: o livro custa caro porque vende pouco, e vende pouco porque é caro. Dizia-se que brasileiro não gosta de livro de bolso, que prefere edições de luxo, com capa dura, para, das prateleiras, dar a impressão de que o dono da casa era pessoa culta. Agora, porém, vê-se que o livro de bolso tem um público cada vez maior.
Aumentar a venda é uma forma de baixar o preço, mas isto só acontece quando as pessoas têm o hábito da leitura. Este, por sua vez, resulta de um processo que se desenvolve por etapas. A primeira dessas ocorre na infância e depende do ambiente afetivo e cultural em que vive a criança. O conceito de “famílias leitoras”, da Unesco, não é uma realidade no Brasil; 63% dos não leitores dizem que nunca viram os pais lendo – faltou-lhes, portanto, um modelo. A tevê tem sido o centro da vida familiar; aquela cena do passado, a mãe ou o pai lendo para os filhos, é uma raridade. As famílias gastam quatro vezes mais com tevê e som do que com material de leitura.
A etapa seguinte é a da escola. As enquetes mostram que, quanto maior o nível de escolaridade das pessoas, maior é o tempo que dedicam à leitura. Entre os entrevistados com ensino superior, apenas 2% não leem. O problema é que, no Brasil, poucos chegam à universidade; 43% dos jovens de 15 a 19 anos sequer concluem o ensino fundamental. Faltam bibliotecas em 113 mil escolas, ou seja, em 68,81% da rede pública de ensino.
Mas, de novo, as coisas estão mudando. Os últimos governos têm se esforçado para preencher esta lacuna; em 2008, as escolas receberam, em média, 39,6 livros cada uma, através do Programa Nacional de Bibliotecas Escolares. A par disto, um grande esforço está sendo desenvolvido para estimular o hábito da leitura entre os escolares. No passado, o ensino da literatura era baseado quase que exclusivamente nos clássicos. Autores importantes, decerto, mas que falam de outras épocas, de outros locais, e numa linguagem nem sempre acessível. Hoje, as escolas trabalham também com escritores contemporâneos, e a interação com o texto é a regra. Os alunos fazem dramatizações, escrevem suas próprias versões dos textos, editam jornais na escola. Os eventos literários são frequentes nas cidades brasileiras; as feiras de livros, as Bienais de Literatura (em cidades como São Paulo, Rio, Salvador, Curitiba) e os festivais literários, dos quais o de Paraty, que traz ao país nomes de destaque na literatura mundial, é um exemplo.
A indústria editorial está em franca expansão, acompanhando o crescimento da economia como um todo. De 2006 a 2008, foram lançados aproximadamente 57 mil novos títulos e impressos mais de um bilhão de exemplares. A indústria editorial atrai investidores estrangeiros, e está deixando de lado o elitismo do passado para buscar o público leitor, sobretudo o leitor jovem. Redes de livraria estão em expansão, e também a oferta do livro de porta em porta: em 2009 quase 30 milhões de livros foram assim vendidos, sobretudo para setores mais pobres. O Brasil tem hoje 2.980 livrarias, uma para cada 64 mil habitantes. Abaixo do que é preconizado pela Unesco - uma livraria para cada 10 mil habitantes, mas com aumento de 10% nos três últimos anos.
Muito importante é fazer chegar o texto impresso à população como um todo, e neste sentido o Plano Nacional do Livro e Leitura, PNLL, instituído pelo Ministério da Cultura e Ministério da Educação, desempenha um papel importante. Estamos falando de um conjunto de projetos, programas, atividades e eventos na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas em desenvolvimento no país, empreendidos pelo Estado (em âmbito federal, estadual e municipal) e pela sociedade, visando incrementar a capacidade leitora do Brasil e trazer a leitura para o dia a dia do brasileiro. Um objetivo basicamente democrático, compatível com o progresso que o país atingiu, e que contempla atividades como o fortalecimento da rede atual de bibliotecas, implantação de novas bibliotecas, distribuição de livros gratuitos, e, muito importante, incorporação e uso de tecnologias de informação e comunicação; o fomento à leitura e à formação de mediadores; o desenvolvimento da cadeia produtiva do livro. Sob a segura coordenação de José Castilho Marques Neto, Secretário Executivo, o PNLL tem registrado expressivos êxitos, transformando em realidade aquilo que Castro Alves celebrou em versos famosos: “Oh! Bendito o que semeia/livros, livros à mão cheia”. Se vivo fosse, o poeta aplaudiria de pé o PNLL.
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[1] Moacyr Scliar (Porto Alegre, 1937-2011) é autor de cerca de 90 livros, nos gêneros romance, conto, crônica, ensaio e ficção juvenil, vários traduzidos, vários premiados (recebeu o Jabuti 2009 para melhor livro de ficção). Colabora em vários periódicos no país e no exterior, e é membro da Academia Brasileira de Letras.
Fonte: PNLL