quinta-feira, 31 de março de 2011

Formando leitores: o importante papel do PNLL

Matéria publicada em 28/02/2011

Moacyr Scliar [1]

Em meados do século XIX, o Rio de Janeiro tinha apenas dez livrarias, provavelmente sem muitos clientes: um censo realizado à época de Machado de Assis, e na mesma capital federal, mostrava uma porcentagem de analfabetismo em torno de 80%.

Não é difícil explicar essa situação de analfabetismo e de falta de leitores. No Brasil colonial, o ensino era precário e reservado a uns poucos filhos de privilegiados. Universidades não existiam: os jovens que podiam iam estudar na Universidade de Coimbra, em Portugal. As coisas começaram a mudar quando, em 1808, a corte portuguesa, fugindo à invasão napoleônica, transferiu-se para o Brasil. Foi criada a Biblioteca Real e a primeira gráfica-editora, a Imprensa Régia, que, contudo, tinha o monopólio da edição de livros e só publicava o que era autorizado pela coroa. Quando esta disposição foi revogada (em 1821, às vésperas da independência e provavelmente anunciando-a), multiplicaram-se os jornais, folhetos, revistas. Neste processo tiveram forte papel os franceses Edouard e Heinrich Laemmert e Baptiste Louis Garnier, livreiros que também editavam autores brasileiros: Garnier lançou José Veríssimo, Olavo Bilac, Artur Azevedo, Bernardo Guimarães, Silvio Romero, João do Rio, Joaquim Nabuco; Laemmert tinha em seu catálogo Graça Aranha e Machado de Assis. Suas livrarias, inclusive, tornaram-se célebres pontos de encontro dos escritores. Àquela altura, começo do século XX, começava a surgir um público leitor, às vezes surpreendendo os editores: quando a Laemmert recusou-se a publicar uma obra que parecia “cientificista” e extensa, o próprio autor resolveu financiar a edição. E fez muito bem, Euclides da Cunha: Os sertões, magistral retrato da Guerra de Canudos e do Brasil sertanejo, vendeu, em pouco mais de um ano, 6 mil exemplares. Autêntico best-seller.

O fato de que os escritores não conseguiam viver de literatura (muitos eram funcionários públicos ou profissionais liberais), não impedia a existência de uma vida literária. Em 1897, e por influência de Machado de Assis, era criada a Academia Brasileira de Letras. Com o movimento modernista de 1922 surgiram revistas literárias, a Klaxon, para a qual escreveram Anita Malfatti, Sérgio Milliet, Mário de Andrade, Tarsila do Amaral.

Nas primeiras décadas do século XX apareceram editoras importantes: a José Olympio, que editou sucessos como Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, e Vidas secas de Graciliano Ramos, além de Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre e Guimarães Rosa, sem falar em clássicos da literatura mundial, como Balzac, Dostoiévsky, Jack London, Tolstói. A produção crescia; o número de editoras (a maioria delas no Rio, ainda que o parque gráfico de São Paulo fosse maior) aumentou quase 50% entre os anos de 1936 e 1944. Em meados do século XX o país editava, por ano, cerca de 4 mil títulos, representando 20 milhões de exemplares. Durante o Estado Novo, regime de exceção que ampliou os poderes de Getúlio Vargas (presidente de 1930 a 1945), a atividade cultural passou a ser controlada pelo DIP, Departamento de Imprensa; a censura estava presente no rádio, imprensa, música, ensino. E foi também Vargas que, em 1937, criou o Instituto Nacional do Livro, com o objetivo de desenvolver uma política governamental na área.

Ao mesmo tempo, havia uma descentralização da atividade editorial. No Rio Grande do Sul surgiu a Editora Globo, dirigida por Henrique Bertaso que teria como colaborador ninguém menos que o escritor Érico Veríssimo, grande tradutor e editor familiarizado com o contexto literário mundial. A Globo editava clássicos, best-sellers, e autores gaúchos: Dyonelio Machado, Darcy Azambuja, Pedro Vergara, e o próprio Érico Veríssimo que, com Jorge Amado, formava a dupla de autores mais lida no país.

E os leitores?

Ainda não são muitos. O Brasil tem cerca de 190 milhões de habitantes, dos quais 95 milhões podem ser considerados leitores; mas eles leem, em média, 1,3 livro por ano. Nos Estados Unidos, esta cifra é de 11 livros por ano; na França, 7 livros por ano; na Argentina, 3,2 livros por ano. Não se trata de uma rejeição da leitura; uma enquete mostrou que 75% gostam de ler. Pergunta: por que, então, os brasileiros não leem mais? O argumento mais comum é o do preço do livro, de fato ainda muito caro. Mas isto é o resultado de um círculo vicioso: o livro custa caro porque vende pouco, e vende pouco porque é caro. Dizia-se que brasileiro não gosta de livro de bolso, que prefere edições de luxo, com capa dura, para, das prateleiras, dar a impressão de que o dono da casa era pessoa culta. Agora, porém, vê-se que o livro de bolso tem um público cada vez maior.

Aumentar a venda é uma forma de baixar o preço, mas isto só acontece quando as pessoas têm o hábito da leitura. Este, por sua vez, resulta de um processo que se desenvolve por etapas. A primeira dessas ocorre na infância e depende do ambiente afetivo e cultural em que vive a criança. O conceito de “famílias leitoras”, da Unesco, não é uma realidade no Brasil; 63% dos não leitores dizem que nunca viram os pais lendo – faltou-lhes, portanto, um modelo. A tevê tem sido o centro da vida familiar; aquela cena do passado, a mãe ou o pai lendo para os filhos, é uma raridade. As famílias gastam quatro vezes mais com tevê e som do que com material de leitura.

A etapa seguinte é a da escola. As enquetes mostram que, quanto maior o nível de escolaridade das pessoas, maior é o tempo que dedicam à leitura. Entre os entrevistados com ensino superior, apenas 2% não leem. O problema é que, no Brasil, poucos chegam à universidade; 43% dos jovens de 15 a 19 anos sequer concluem o ensino fundamental. Faltam bibliotecas em 113 mil escolas, ou seja, em 68,81% da rede pública de ensino.

Mas, de novo, as coisas estão mudando. Os últimos governos têm se esforçado para preencher esta lacuna; em 2008, as escolas receberam, em média, 39,6 livros cada uma, através do Programa Nacional de Bibliotecas Escolares. A par disto, um grande esforço está sendo desenvolvido para estimular o hábito da leitura entre os escolares. No passado, o ensino da literatura era baseado quase que exclusivamente nos clássicos. Autores importantes, decerto, mas que falam de outras épocas, de outros locais, e numa linguagem nem sempre acessível. Hoje, as escolas trabalham também com escritores contemporâneos, e a interação com o texto é a regra. Os alunos fazem dramatizações, escrevem suas próprias versões dos textos, editam jornais na escola. Os eventos literários são frequentes nas cidades brasileiras; as feiras de livros, as Bienais de Literatura (em cidades como São Paulo, Rio, Salvador, Curitiba) e os festivais literários, dos quais o de Paraty, que traz ao país nomes de destaque na literatura mundial, é um exemplo.

A indústria editorial está em franca expansão, acompanhando o crescimento da economia como um todo. De 2006 a 2008, foram lançados aproximadamente 57 mil novos títulos e impressos mais de um bilhão de exemplares. A indústria editorial atrai investidores estrangeiros, e está deixando de lado o elitismo do passado para buscar o público leitor, sobretudo o leitor jovem. Redes de livraria estão em expansão, e também a oferta do livro de porta em porta: em 2009 quase 30 milhões de livros foram assim vendidos, sobretudo para setores mais pobres. O Brasil tem hoje 2.980 livrarias, uma para cada 64 mil habitantes. Abaixo do que é preconizado pela Unesco - uma livraria para cada 10 mil habitantes, mas com aumento de 10% nos três últimos anos.

Muito importante é fazer chegar o texto impresso à população como um todo, e neste sentido o Plano Nacional do Livro e Leitura, PNLL, instituído pelo Ministério da Cultura e Ministério da Educação, desempenha um papel importante. Estamos falando de um conjunto de projetos, programas, atividades e eventos na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas em desenvolvimento no país, empreendidos pelo Estado (em âmbito federal, estadual e municipal) e pela sociedade, visando incrementar a capacidade leitora do Brasil e trazer a leitura para o dia a dia do brasileiro. Um objetivo basicamente democrático, compatível com o progresso que o país atingiu, e que contempla atividades como o fortalecimento da rede atual de bibliotecas, implantação de novas bibliotecas, distribuição de livros gratuitos, e, muito importante, incorporação e uso de tecnologias de informação e comunicação; o fomento à leitura e à formação de mediadores; o desenvolvimento da cadeia produtiva do livro. Sob a segura coordenação de José Castilho Marques Neto, Secretário Executivo, o PNLL tem registrado expressivos êxitos, transformando em realidade aquilo que Castro Alves celebrou em versos famosos: “Oh! Bendito o que semeia/livros, livros à mão cheia”. Se vivo fosse, o poeta aplaudiria de pé o PNLL.
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[1] Moacyr Scliar (Porto Alegre, 1937-2011) é autor de cerca de 90 livros, nos gêneros romance, conto, crônica, ensaio e ficção juvenil, vários traduzidos, vários premiados (recebeu o Jabuti 2009 para melhor livro de ficção). Colabora em vários periódicos no país e no exterior, e é membro da Academia Brasileira de Letras.

Fonte: PNLL

Em cada 10 universitários, dois têm dificuldade de leitura

Sarah Fernandes
sarahfernandes@aprendiz.org.br
Matéria publicada em 23/02/2011

Em cada dez universitários de até 24 anos, quase dois podem ter problemas em acompanhar o curso devido a dificuldades de compreender textos e resolver cálculos complexos. Eles são 18% dos estudantes de ensino superior, que possuem nível de alfabetização considerado básico por especialistas.

Os dados são da organização não governamental Ação Educativa e do Instituto Paulo Montenegro, do Ibope. As instituições analisaram o impacto do analfabetismo funcional no ensino superior, a partir do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf).

O estudo analisou jovens de 15 a 24 anos das regiões metropolitanas de Fortaleza (CE), Recife (PE), Salvador (BA), Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Curitiba (PR), Porto Alegre (RS) e Brasília (DF).

“18% de jovens com nível básico de alfabetismo no ensino superior é um dado bastante preocupante. Isso porque eles vão encontrar limitação no seu desenvolvimento pessoal, cultural e profissional”, analisa coordenadora geral da Ação Educativa, Vera Masagão.

As pessoas com nível básico de alfabetismo leem e compreendem textos de média extensão e resolvem problemas com uma sequência simples de operações. No entanto, têm dificuldade quando as operações envolvem mais elementos e etapas, segundo o estudo.

Eles, “embora tenham condições de prosseguir nos estudos, poderão ter limitações significativas para absorver o conteúdo que lhes seja oferecido ou contam com suprir, na faculdade, as deficiências acumuladas em sua trajetória escolar”, aponta a publicação.

Travados

Pouco mais de um em cada quatro jovens analisados pela pesquisa estão excluídos do ensino superior por não terem concluído etapas da educação básica. Ao todo, 22% podem ser considerados analfabetos funcionais, 36% ainda estavam no ensino fundamental e apenas 56% terminaram ou estão cursando o ensino médio.

“Eles são vítimas de um currículo escolar pobre, da falta de professores e da desmotivação dos profissionais da educação”, analisa Vera. “Em geral, eles não tiveram informações sobre oportunidades como EJA [Educação de Jovens e Adultos] e ProJovem”.

O reconhecimento da dificuldade de leitura é uma das barreiras para avançar os estudos, segundo o levantamento. Metade dos entrevistados pretende estudar em cursos pré-vestibulares gratuitos, sendo que apenas 8% deles têm nível de alfabetização rudimentar, no qual é possível ler anúncios ou cartas pequenas e manusear dinheiro.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Quem lê esquece a dor, o medo e a humilhação, defende livro

ARIADNE ARAÚJO
colaboração para a Livraria da Folha


Após uma desilusão amorosa, a morte de um ente querido, uma demorada doença ou grande crise pessoal, também durante catástrofes naturais, guerras e conflitos. Os livros têm sido companheiros fiéis, ajudando milhares de pessoas a ultrapassarem tempos difíceis. Em "A arte de ler ou como resistir à adversidade" (Editora 34), a pesquisadora francesa Michèle Petit conta como a leitura tem salvado, transformado e reconstruído vidas, seja na Europa, seja em pequenos lugarejos da América Latina.

No Brasil, na Argentina, na Colômbia e no México, a pesquisadora acompanhou as chamadas "experiências literárias compartilhadas". Organizadas por mediadores culturais - professores, bibliotecários, psicólogos, artistas, escritores, editores, livreiros, trabalhadores sociais -, essas experiências literárias têm como foco justamente populações mais distantes dos livros: "crianças, adolescentes, mulheres ou homens, em geral pouco escolarizados, oriundos de ambientes pobres, marginalizados, cujas culturas são dominadas".

Lendo em voz alta e discutindo livros juntos, essas pessoas encontram no prazer da leitura as representações e figurações simbólicas que precisam "para sair do caos, seja ele exterior ou interior". Pois, segundo Petit, os recursos culturais de linguagem, narrativos e poéticos, são tão vitais quanto a água. E, para isso, todas as formas de literatura são válidas: os mitos e lendas, os contos, romances, poemas, teatros, diários íntimos, histórias em quadrinhos, ensaios, livros ilustrados.

Local de acolhida, a leitura proporciona um "esquecimento temporário da dor, do medo e da humilhação". Ela é suporte "para despertar a interioridade, colocar em movimento o pensamento, relançar a atividade de simbolização, de construção de sentido e incita trocas inéditas", diz a pesquisadora. Para realizar essa experiência, os mediadores contam com a curiosidade intelectual de homens e mulheres. Assim, na floresta amazônica, refém da guerrilha na Colômbia, Ingrid Betancourt sonhava com um luxo: um dicionário enciclopédico.

Quando lemos, damos um salto gigantesco no espaço e no tempo. A voz interior do autor faz reviver uma outra. Segundo Petit, "ler, apropriar-se dos livros é reencontrar o eco longínquo de uma voz amada na infância". Nesse reencontro com a voz materna ou paterna, ou ainda da avó ou avô, as "palavras são bebidas como se fossem leite ou mel". Nesse desvio de tempo, de acordo com relatos de mediadores, alguns adolescentes, ao ouvir as narrativas, "se esticam e se curvam em posição fetal, enquanto outros fecham os olhos".

No Brasil, a pesquisadora acompanhou a experiência do projeto Cor da Letra, que forma mediadores de leituras para o trabalho em escolas públicas e privadas, hospitais, bibliotecas, centros sociais e culturais, nos bairros urbanos pobres e interior em várias regiões do país. Apesar da dificuldade em transmitir o gosto pela leitura, as pessoas têm sido tocadas pela "voz" dos livros. Nesta e em outras experiências, não se trata de fuga do real, "mas uma pausa, um intervalo necessário para curar as feridas de uma realidade demasiado dolorosa.

Sinopse:

"Aquele livro me deu a força necessária para enfrentar a virada decisiva de minha vida, aceitar que eu não era mais o mesmo, suportar sê-lo com meus amigos que não compartilhavam o que eu pensava e que tive que enfrentar para defender minha nova maneira de ver a vida..."

O depoimento acima, de um jovem morador de um dos bairros mais pobres de Bogotá, na Colômbia, é apenas um entre as dezenas de testemunhos sobre a importância da literatura - tomada aqui num sentido amplo, que inclui histórias em quadrinhos e relatos orais, além dos gêneros tradicionais da poesia, do conto e do romance - na formação do sujeito, e o papel que ela desempenha em contextos de crise.

Comentando experiências de mediadores de leitura em contextos adversos, especialmente em países da América Latina, entre eles o Brasil, a antropóloga francesa Michèle Petit amplia os temas e aprofunda as análises de seu Os jovens e a leitura, publicado em 2008 pela Editora 34.

Com um olhar interessado e uma sólida bagagem intelectual, a autora investiga as diferentes maneiras pelas quais a forma narrativa pode atuar como educadora da sensibilidade, ao mesmo tempo em que se afirma como um poderoso instrumento de resistência ao caos interior e à exclusão social.

Incentivo à leitura foi fundamental na Colômbia


* MARA BERGAMASCHI é jornalista e escritora
Matéria publicada em  25/12/2010

Nave-mãe da BibloRed, sistema municipal formado por quatro grandes bibliotecas, seis médias e dez menores, de bairros —, a imponente Virgílio Barco, que tanto sucesso faz em Bogotá, tem uma área total que não chega à metade do tamanho da natimorta Cidade da Música do Rio. Comparando-se os espaços construídos, o empreendimento carioca, além de mais sofisticado e caro, é quatro vezes maior. Mas a grande — e óbvia — diferença, além das áreas artísticas (música e literatura), é que a Virgílio Barco, plantada no maior parque de lazer da cidade, o Simon Bolivar, está aberta todos os dias, quase sempre até as 20h, para vários públicos e demandas: o livro é a principal estrela, mas não o único atrativo cultural.

— Não temos nada semelhante no Brasil — resume Beth Serra, secretária-geral da Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil (FNLIJ). — Ainda vamos ter de caminhar muito para ter boas bibliotecas públicas e escolares.

Novas bibliotecas do Rio inspiram-se nas colombianas

Na avaliação dos que conhecem a área, o livro e a leitura não estão no centro de nossas políticas de educação e cultura. Não adianta erguer bibliotecas — inexistentes em muitos municípios brasileiros — sem planejamento, pessoal treinado e projeto de ocupação consistente. O problema não se resolve com a construção de equipamentos culturais, por mais belos e monumentais que sejam. A Cidade da Música, que deve funcionar um dia, é só o mais recente exemplo disso. Há muitos outros: inaugurada em 2008, a biblioteca de Brasília, assinada por Niemeyer, ainda é um prédio semifantasma na Esplanada, sem livros para o público e com o atendimento suspenso para crianças.

Escritores colombianos relatam que as conquistas em seu país foram lentas e árduas — e dependeram da reformulação de políticas públicas. Afirmam também que ainda há muito a ser feito.

— Houve uma mudança na educação, um incentivo significativo à leitura, e isso foi fruto do trabalho de professores, bibliotecários, escritores — avalia o escritor e ilustrador Ivar Da Coll.

— O discurso de promoção da leitura ganhou a agenda política nacional pelo esforço da sociedade — reforça Yolanda Reyes, que também escreve para os pequenos.

Ela confere ao Brasil papel importante na renovação da literatura oferecida às crianças de seu país.

— Eu vi nascer nos anos 80 a Associação de Livros Infantis que lançou entre nós, trazidas por Silvia Castrillón, obras maravilhosas de autores brasileiros. Não sei como seria meu trabalho sem Lygia Bojunga — confessa.

Com IDH próximo do Brasil — apesar de ter metade de seus 44 milhões de habitantes abaixo da linha da pobreza —, a Colômbia ostenta hoje índices de leitura superiores ao nosso e taxas de analfabetismo inferiores. Além da BibloRed, há outras redes públicas, como a capitaneada pela histórica biblioteca Luis Ángel Arango, que alcançam várias cidades. Nos últimos anos, das 360 escolas municipais da capital, 120 ganharam novas salas de leitura ou tiveram seus espaços reformados. “Vamos querer tudo igualzinho”, era o que repetiam as professoras brasileiras. A experiência do país vizinho já está inspirando a instalação de bibliotecas-parques no Brasil. No Rio de Janeiro, são três projetos: a de Manguinhos, em funcionamento, a da Rocinha e a do Morro do Alemão. Um bom começo para a gente não morrer tanto de inveja dos hermanos.

Fonte: O Globo

Entre árvores e livros

No Sítio Boa Liga, em Pedro do Rio, Monteiro Lobato, Cecília Meireles e Ruth Rocha são velhos conhecidos das crianças. Três vezes por semana, a garotada encontra esses e outros escritores, antes de ir para escola, e brinca com suas prosas, enquanto se diverte tomando banho no rio, pegando frutas do pé e encenando histórias.

A brincadeira com jeito de coisa séria faz parte do projetos “Paiol de histórias”, da Fundação Lygia Bojunga, que completa cinco anos em 2011. A instituição surgiu quando a escritora ganhou o prêmio sueco Astrid Lindgren Memorial Award, considerado o Nobel da literatura infanto-juvenil. A partir daí, Lygia decidiu dar o troco a tudo que o livro proporcionou.

A escritora Lygia Bojunga conhecia Pedro do Rio, e já tinha lá o Sítio da Boa Liga. Adaptou então um paiol e construiu aqui e ali alguns espaços, tudo bem simples, para trazer as crianças da região. A ideia era nutrir uma relação mais próxima entre os pequenos e os livros, estimulando a leitura.

— Era importante para mim casar tudo com a natureza, por isso o sítio. Eles fazem caminhadas, tem a praça da poesia e a praça da música. Quase todas as atividades buscam casar literatura e natureza — conta a autora.

Para coordenar o projeto, Lygia chamou a professora Francisca Valle, que pesquisava literatura infanto-juvenil. É ela que orienta as escolhas literárias de cada criança. Se uma mais novinha insiste em uma obra mais densa, como a de Clarice Lispector para jovens, a professora sugere outra mais adequada. Francisca também já conhece os gostos de cada um. Cecília Meireles, por exemplo, foi tema de um trabalho durante o ano passado e fez sucesso com as meninas. A própria Lygia Bojunga, que escreveu o clássico “A bolsa amarela”, é uma das preferidas. Mas Francisca admite que esse gosto pela leitura nem sempre pega fácil.

— As crianças que participam do projeto são de áreas muito humildes. Muitas vezes, nem os pais nem parentes e nem vizinhos têm o hábito da leitura. É algo fora da realidade deles. Então vemos que, no começo, eles estão lendo, chegam a uma palavra mais complexa e desistem. Não tem a compreensão completa, daí a importância de estarmos mediando a leitura nesse projeto.

Fonte: O Globo

quarta-feira, 23 de março de 2011

Campanha [Leia Mais] Words Create Worlds (Palavras criam mundos)

Outra campanha muito legal de incentivo à leitura. Criados pela agência Kaspen para a Livraria Anagram, o título dos anúncios diz: “palavras criam mundos”. Na tradução para o português o trodadilho do título em inglês se perde, mas o conceito é suficientemente forte para comunicar-se sozinho em qualquer lugar.

Fonte: BlogEbooksGrátis

Campanha [Leia Mais] Grandes Histórias Vivem para Sempre

Como diria Ziraldo, leia para seu filho, cerque seu filho de livros. Daqui a muitos anos ele vai se lembrar disso.

Cliente: Sabugosa Livros Infantis
Agência: Fields, Brazil
Diretores de criação: André Sartorelli, Fernando Lopes
Diretor de Arte: Lucas Zaiden
Redator: Paulo Lima
Ilustrador: Grupo Magneto

Fonte: BlogEbooksGrátis

Campanha [Leia Mais] Por um mundo com mais livros e leitores

Se você tem um livro pegando poeira em casa, que tal vender, trocar, doar, emprestar ou libertar? Ajude a construir um mundo com mais leitores e mais livros.

Ficha Técnica:
Diretor de Criação: Marcelo Benini e Patricia Rosset
Diretor de Arte: Magdy Blass Selmy
Redator: Elaine Cipriano Maniçoba
Produtor: Joélia Aguiar
Ilustrador: Nelson Cordeiro
Agência: Comunicata

Campanha [Leia Mais] Tem lugares que só um livro pode te levar

Publicada em 23/02

Postado por: PDL / Categoria: Informação e Cultura, Leia mais (propagandas de leitura)

Não importa quanto dinheiro ou tempo você tenha para viajar, para ir a certos lugares só mesmo através de um bom livro. É barato, você não enfrenta filas e pode voltar quando quiser. Essa campanha publicitária de incentivo à leitura foi criada pela agência Fuel (Portugal) para a livraria Saída de Emergência.

Agência: FUEL, Lisboa, Portugal
Diretores de Criação: Marcelo Lourenço, Pedro Bexiga
Diretor de Arte: António Silva
Redator: Richard Warrell
Ilustrador: André Kano?

Fonte: BlogEbooksGrátis

segunda-feira, 21 de março de 2011

Biblioteca: seja bem-vindo

Marcus Tadeu
Matéria publicada em 20/03/2011

“O papel do bibliotecário é acima de tudo incentivar as práticas de trabalho voltadas para a formação do público leitor, lutando para transformar o aluno em um adolescente/adulto leitor. Ele é um mediador de leitura, já que instiga no aluno o desejo pelo livro, e ajuda a desenvolver a capacidade informacional do aluno dentro do ambiente escolar”, destaca Marília Dias


Marília Dias adora livros. O gosto é tão grande que ela trabalha diretamente como eles. Seguiu a carreira de biblioteconomia e desde então resolveu trabalhar em bibliotecas escolares. Sua paixão é uma só: conquistar a atenção de professores e alunos e incutir-lhes o gosto pela leitura e, consequentemente, pela escrita.

Para isso, ela não para de pensar e redigir projetos. Acredita que a sua função soma-se à do professor no sentido de oportunizar aos estudantes a entrada no mundo da leitura. Em entrevista à revistapontocom, Marília ressalta a importância dos bibliotecários, da tecnologia no dia a dia e da democratização dos espaços.

Acompanhe:

revistapontocom – Qual é a função da biblioteca escolar?
Marília Dias – A biblioteca escolar tem algumas funções, todas importantes: acompanhar o aluno e o professor durante o processo educacional fornecendo material complementar e, permitir que eles tenham, dentro do ambiente escolar, um local para ler e fazer trabalhos, oferecendo farto material para pesquisa, à disposição em tempo integral. Além disso, é também papel da biblioteca trabalhar no aluno o gosto pela leitura, o prazer pelo conhecimento e pela arte. A biblioteca escolar é a terceira grande oportunidade de o ser humano se familiarizar com o conhecimento, esteja ele em qualquer suporte. A primeira é a família, por ser a primeira fonte de informação que todos nós temos. É na família que começamos a coletar histórias, explicações sobre o mundo à nossa volta e, se for uma família onde a leitura seja valorizada, ela será a semente que vai germinar um futuro leitor. A segunda oportunidade é a escola. No momento em que o aluno começa sua vida acadêmica, ele une duas oportunidades numa só. Infelizmente, ainda é comum no Brasil a biblioteca escolar funcionar como único meio de contato do aluno com os livros. Se forem bem aproveitadas e fizerem um bom trabalho de acompanhamento dos alunos, as bibliotecas podem realmente vir a fazer a diferença na vida intelectual da criança.

revistapontocom – Mas num mundo midiático, ainda há espaço para a biblioteca?
Marília Dias – Não somente há espaço, como um desejo muito grande dos bibliotecários de que a tecnologia venha a fazer parte do dia a dia das bibliotecas de todo o país. É inegável que toda biblioteca que conta com investimento maciço em modernização oferece um trabalho muito melhor ao seu público, que tem acesso a dados atualizados e pode acompanhar pesquisas em andamento. Para os alunos, o computador é um diferencial muito grande, pois além do uso para digitação ele pode levar para a realidade escolar o blog mantido por ele, o site de pesquisas que ele conhece ou mesmo montar projetos de estudo baseados em material colhido na internet. Para o bibliotecário, a internet é inexplicável. Esta se mostrou ser para nós, eternos pesquisadores, uma ferramenta de trabalho extremamente rica. Hoje os bibliotecários trabalham conectados, através das listas de discussão e dos sites especializados em biblioteconomia. As bibliotecas que pertencem a organizações e que conseguem se conectar umas às outras facilitam muito a pesquisa do usuário. Um exemplo muito bem sucedido desta conexão é o trabalho da Universidade Cândido Mendes. Todas as bibliotecas da instituição estão conectadas e têm link direto para pesquisa no acervo no site da universidade. O aluno que mora na Baixada Fluminense, por exemplo, pode acessar, de casa, o link da biblioteca e verificar em qual unidade tem o material que ele precisa, bem como a disponibilidade para empréstimo. Isso antes da era digital era impensável. Já trabalhei em bibliotecas tradicionais: sem computador, só com máquina de escrever (que eu usei, em 2004!) e fichinhas de papel. Assim que saí dali fui para outra totalmente informatizada, não tinha uma ficha sequer, tinha setor reservado para pesquisas na internet e muitos materiais multimídia. Era outro mundo. Ninguém acreditava como era o meu cotidiano anterior, achavam que eu estava brincando. Quando você tem acesso à tecnologia todo o trabalho se torna mais fácil e rápido: se for um usuário, você encontra material mais rápido. Se for um funcionário, você tem a possibilidade de alimentar e corrigir a base de dados durante todo seu expediente. Ainda consegue esclarecer dúvidas sobre catalogação no site da Biblioteca Nacional, o que para nós é essencial.

revistapontocom – Como a escola pode e deve promover o bom uso da biblioteca por parte dos alunos/estudantes?
Marília Dias – Para a promoção do uso da biblioteca é essencial que a biblioteca trabalhe aliada à equipe docente e pedagógica. O professor nesse momento é o maior aliado do bibliotecário: cabe a ele incentivar o aluno em sala de aula para que ele vá à biblioteca ler, pesquisar, navegar na internet da forma correta, sem perder tempo em sites ruins. Na escola em que trabalho, o Instituto Elo de Educação, as professoras têm uma parceria muito boa com a biblioteca: incentivam os alunos a ler e todas as semanas. Os alunos – da Educação Infantil ao 5º ano – têm que ir à biblioteca para pegar algum livro e levar para casa. Faço muitas atividades com os alunos também: só para este ano tenho 15 programadas. Com o apoio das professoras e da coordenação, realizo oficinas de restauração de livros danificados com os alunos, contação de histórias, confeccionamos livros de acordo com a vontade do estudante, fazemos sessões de leitura e brincadeiras educativas, bem como uma exposição literária com livros e músicas criados pelos alunos na Semana Literária da escola. Levar o aluno para a biblioteca em horários vagos também é muito importante, faz com que ele ande pelo acervo sem obrigação nenhuma, lendo o que quer, navegando na internet, fazendo desenhos no paint ou simplesmente sentado nas almofadas, deitado no meio dos livros. Este contato é muito bom para eles.

revistapontocom – Mas como fazer isso se, de acordo com algumas pesquisa, o Brasil possui poucas livrarias, poucas bibliotecas?
Marília Dias – Realmente, faltam livrarias, sebos, projetos de incentivo à leitura e à escrita e pior: faltam bibliotecas, assim com bibliotecários. Muitas bibliotecas estão dentro de organismos fechados (como escolas, empresas e instituições), disponíveis somente para quem faz parte destes organismos. E elas se tornam invisíveis à população. Mas percebo que ultimamente vêm aumentando muito o número de projetos relacionados à expansão da leitura no Brasil. Pesquisa do MEC realizada na rede pública de Ensino Fundamental, em 2003, destacou que de 149.968 escolas públicas, somente 34.307 tinham biblioteca. E pouquíssimas com bibliotecário, pois o mais comum é um professor readaptado (deslocado de função em virtude de aposentadoria ou incapacitado para dar aulas) assumir a função. Mesmo nas bibliotecas existentes, com raras exceções, as condições de trabalho e do acervo são péssimas. Para este ano, o governo resolveu destinar mais verbas para os municípios com bibliotecas, mas mesmo assim o número de bibliotecas ainda é muito baixo. Tentando mudar esta situação, o governo vem investindo em projetos de valorização da leitura nas escolas, como o Plano Nacional Biblioteca na Escola, que visa enviar livros para a biblioteca escolar. Há outros programas também, como o PROLER. Só falta agora capacitar os profissionais da educação para dar continuidade ao processo de uso dos materiais. Na iniciativa privada existem projetos incríveis. Acredito que o Rio de Janeiro seja o maior incentivador da leitura em comunidades carentes.Um bom exemplo é a história de vida do pedreiro sergipano Evandro dos Santos. Ele só aprendeu a ler com 19 anos de idade. Mas hoje tem uma biblioteca – com projeto arquitetônico cedido gratuitamente pelo Oscar Niemeyer – com 40 mil volumes. Ele dá palestras até em faculdade sobre a importância da leitura e já mandou mais de 7 mil livros para o nordeste. Em Niterói, há um projeto de distribuição de livros dentro do terminal João Goulart, chamado Espaço Livro em Movimento, onde você pode entrar, pegar o livro que quiser, ou doar o livro que quiser. Existem muitos projetos pelo Brasil, o que falta é incentivo para que se estendam. O brasileiro lê pouco na maior parte das vezes por absoluta falta de acesso à leitura.

revistapontocom – Qual é o papel da bibliotecária(o) nos dias de hoje? Parece-me que é cada vez mais de mediador, de provocador, de instigador? Seria o mesmo papel do professor?
Marília Dias – O papel do bibliotecário é um e o do professor é outro. Um professor não substitui um bibliotecário e vice-versa. Eles devem trabalhar em conjunto. Hoje, o papel do bibliotecário é acima de tudo incentivar as práticas de trabalho voltadas para a formação do público leitor, lutando para transformar o aluno em um adolescente/adulto leitor. Ele é um mediador de leitura, já que instiga no aluno o desejo pelo livro, e ajuda a desenvolver a capacidade informacional do aluno dentro do ambiente escolar. Cabe também a este profissional equipar a biblioteca com a maior variedade possível de materiais no acervo e cuidar para que todo o corpo docente e discente o utilizem. O bibliotecário conhece sites, jornais, documentários e muitos outros materiais que facilitam o trabalho de ensino do professor.

revistapontocom – Na sua biblioteca, o que mais é lido pelas crianças e jovens?
Marília Dias – Crianças têm fases de leitura, se é que se pode falar assim. Quando são muito pequenas, por volta dos 2/3 anos, adoram livros de pano com desenhos simples. Quando alcançam os 4 anos, começam a demonstrar mais interesse por livros com historinhas cujas imagens lhes chamem a atenção. Por isso é essencial dar a elas livros com pouco texto e muitas figuras. Contos de fadas que elas já tenham ouvido são ótimos para incentivar a leitura. Aos 6 anos, elas começam a procurar livros cuja história, conteúdo lhes chame atenção. Por mais incrível que possa parecer, as minhas demonstram uma certa preferência por histórias com bruxas, fantasmas e que brinquem de forma bem humorada com o medo. Os jovens seguem uma tendência mundial: adoram Harry Potter e livros como os da Thalita Rebouças. Mas algo parece ser comum neles todos: gostam de bons livros. E cada aluno tem que ser observado e acompanhado para que o bibliotecário saiba valer duas leis da biblioteconomia: a cada livro o seu leitor e a cada leitor o seu livro. Começamos no ano passado um trabalho intenso de incentivo à leitura aqui na escola, com os alunos da Educação Infantil ao 5° ano.

revistapontocom – Neste ano, que projeto você vai desenvolver?
Marília Dias – No Instituto Elo de Educação, será implantado um projeto de incentivo à leitura e à escrita, chamado “Exercendo o Talento”, que visa incentivar os alunos a desenvolverem seus talentos, seja escrevendo, desenhando ou compondo. Temos alunos que escrevem muito bem e têm o desejo de publicar seus textos, mas alguns não sabem como desenvolver seus talentos muito bem, nem conhecem o processo de criação e edição do livro. Para isto, teremos esclarecimentos de autores como Pedro Bandeira, João Carlos Marinho, Rogério Andrade Barbosa e Thalita Rebouças. Temos palestras planejadas como o autor niteroiense Emerson Rios e o dono da editora NitPress, Luiz Augusto Erthal. Já para esclarecer os alunos participantes do projeto sobre inspiração e criação teremos alguns músicos ajudando, como o Hyldon que me deu várias ideias para o projeto e se propôs até a dar um depoimento filmado para mostrar aos alunos. Este projeto vai durar o ano todo e culminará com a impressão na escola do material produzido pelos alunos e irá aproximá-los mais ainda do universo da cultura, através da biblioteca. Tenho sorte de trabalhar numa escola que incentiva as artes, a música e a permanência dos alunos na biblioteca.

revistapontocom – E ao mesmo tempo você desenvolve duas pesquisas sobre o papel da biblioteca?
Marília Dias – Sim. Faço duas pesquisas diferentes: pesquiso sobre a realidade das bibliotecas escolares no Brasil junto a uma aluna da UFF, Natalia Caetano, que também se interessa pelo tema, e pesquiso sobre a influência nos leitores dos trabalhos realizados nas bibliotecas. Infelizmente, mais de 15 milhões de alunos estão excluídos do uso das bibliotecas. Descobri, por exemplo, que o estado de Sergipe não tem o cargo de bibliotecário no quadro de profissões do governo. Resultado: as bibliotecas do governo de lá não tem bibliotecários, só auxiliares e professores. Aí fica difícil… Os profissionais envolvidos com projetos educacionais têm lutado muito pela contratação de bibliotecários. São essas situações que encontramos no Brasil. Enquanto outros países investem em capacitação e infraestrutura, o Brasil ainda pensa como fazer sua população ler! Mas creio que isto mude nos próximos anos. Em 2010, foi sancionada a Lei 12.244, que obriga todos os estabelecimentos de ensino público e privado do país a terem bibliotecas com bibliotecários formados, administrando-as num prazo máximo de 10 anos. Isto levou a uma melhora significativa no quadro de trabalho dos bibliotecários, pois as escolas estão tendo que se adaptar à lei contratando-os. Se cada um fizer sua parte: escola, cidadãos e governo, os próximos anos terão uma realidade nova. Vi hoje um cartaz de incentivo à leitura destinada às crianças conclamando os pais a incentivá-las. É deste tipo de ação que o Brasil precisa.

sexta-feira, 11 de março de 2011

A cura pela leitura

Literatura: Um ramo tanto da biblioteconomia quanto da psicologia, a biblioterapia vem ganhando adeptos no Brasil.

“La Lecture”, de Picasso: “Sabemos que o poder da boa literatura é profundo e transformador, mas não nos advogamos como médicos. Somos doutores de livros!”, ressalta a britânica Ella Berthoud

Mariane Morisawa, para o Valor, de São Paulo
Matéria publicada em 25/02/2011

Um relacionamento que termina é sempre um motivo de tristeza ou de pausa para repensar a vida. Para superar a fase difícil, que tal um bom livro? “Flashman”, de George MacDonald Fraser, sobre um soldado britânico pouco recomendável, condecorado por heroísmo, pode distraí-lo de sua autopiedade. “Do Amor”, de Stendhal, pode auxiliá-lo a lidar com a melancolia, e “As Consolações da Filosofia”, de Alain de Botton, pode servir mesmo de consolo. Acabou de perder o emprego? Dureza, mas não se desespere! Uma boa pedida é rir com o conto “Bartleby”, de Herman Melville, sobre um empregado que recebe a solicitação para fazer uma coisa e diz preferir não fazer, mas estranhamente continua dia e noite no escritório. Já quem sofre pelo luto pode encontrar suporte em “Uma Comovente Obra de Espantoso Talento”, de Dave Eggers, baseado na história do próprio autor, que perdeu os pais jovem e precisou cuidar do irmão, ou “Metamorfoses”, de Ovídio, que descreve as transformações de todas as coisas, da vida à morte.

Essas são indicações genéricas de Ella Berthoud, da School of Life de Londres, fundada em 2008. Na prática, as “receitas” são individualizadas. O interessado pode marcar uma consulta pessoalmente, por telefone ou Skype. Depois de responder a um questionário sobre suas preferências literárias e conversar com a especialista, recebe uma lista de livros mais adequados às suas aflições. Usar literatura para ajudar a superar alguma dificuldade ou dor tem nome: biblioterapia. Desde a Antiguidade há relatos de prescrição de livros para enfrentar problemas cotidianos, mas só no século passado a prática ganhou esse nome e os primeiros estudos sobre seus benefícios, principalmente para doentes e presidiários. No Brasil, ela começa a ser difundida, com trabalhos principalmente em hospitais, ainda que não haja grupos fixos até o momento.

A biblioterapia pode ser um ramo tanto da biblioteconomia quanto da psicologia. A bibliotecária Clarice Fortkamp Caldin, autora de “Biblioterapia: um Cuidado com o Ser”, prefere fazer a distinção. “Biblioterapeuta é o psicanalista que se vale da leitura como uma das terapias, pois desenvolve a biblioterapia clínica com o intuito de cuidar das patologias psíquicas”, diz. “O bibliotecário, a seu turno, desenvolve a biblioterapia de desenvolvimento, quer dizer, cuida do ser na sua totalidade, sem fazer julgamento do que é ou não normal. Costumo chamá-lo de ‘aplicador da biblioterapia’. Não é um título tão charmoso quanto o primeiro, mas me parece mais justo.”

Clarice começou a se interessar pelo assunto quando percebeu que o bibliotecário estava muito preso às funções técnicas, esquecendo-se do lado humanista da profissão. Em 2001, defendeu dissertação sobre a leitura como função pedagógica, social e terapêutica. Depois, elaborou um curso de 80 horas na Universidade Federal de Santa Catarina. Na sua opinião, a eficácia vem da falta de cobranças. “O aplicador de biblioterapia não prescreve uma norma de conduta nem um remédio a ser tomado em horários determinados. Dela participa quem quiser, quem tiver vontade de escutar uma história”, afirma. “Essa história agirá no ouvinte do jeito que ele achar melhor ou mais conveniente naquele instante de sua vida. Será digerida lentamente, ficará na sua mente ou no seu subconsciente por tempo indeterminado e poderá ser retomada a qualquer momento.” E, como é grátis, não precisa ser interrompida se o dinheiro estiver curto.

Em sua experiência de quatro meses na ala pediátrica de um hospital em Santa Catarina, na qual se executou a biblioterapia por meio de leitura, contação, dramatização de histórias e brincadeiras, as crianças, segundo ela, esqueceram-se de que estavam em um hospital. Os familiares também se beneficiaram com o alívio do estresse. Num presídio feminino, as sessões de contos e poesias ajudaram as participantes a superar a sensação de impotência e a saudade dos maridos e filhos. Elas saíram do estado de prostração e chegaram até a escrever um jornalzinho interno.

Normalmente, a biblioterapia se dá em grupo. O aplicador seleciona o texto, faz a leitura, narração ou dramatização de uma história e aposta no envolvimento do público. Cuida, ainda, de permitir a liberdade de interpretação, propiciar o diálogo, a catarse, a identificação, a introspecção. “É bom frisar que para esse mister se presta a literatura, quer dizer, a ficção. Textos informativos ou didáticos não são considerados biblioterapêuticos, porque não produzem a explosão e apaziguamento das emoções [catarse], não permitem a identificação com as personagens [experiência vicária], nem induzem à introspecção [reflexão sobre como nosso comportamento afeta o outro].”

Os livros infantis são os geralmente utilizados por Lucélia Paiva, doutora em psicologia escolar e do desenvolvimento pela Universidade de São Paulo e autora da tese “A Arte de Falar da Morte: a Literatura Infantil como Recurso para Abordar a Morte com Crianças e Educadores”. Ela conta que descobriu o valor da biblioterapia intuitivamente. “Sentia que era mais fácil falar sobre certos temas com metáforas, de forma mais suave”, diz ela, que desenvolve trabalho voltado para pessoas em situações de crise e emergência, perdas e luto.

Lucélia começou a usar livros infantis para tratar de assuntos como a morte com seus sobrinhos. Mais tarde, conheceu o termo biblioterapia. Hoje, utiliza o mesmo gênero para adultos e crianças, em sessões em grupo ou individuais. “A Menina e o Pássaro Encantado”, de Rubem Alves, sobre uma garota que aprisiona uma ave numa gaiola por amá-la muito, serve para tratar de relações familiares ou conjugais e de luto. Já “Dona Saudade”, de Claudia Pessoa, ajuda a lidar com o luto e a saudade. “A Aids e Alguns Fantasmas no Diário de Rodrigo”, de Jonas Ribeiro e André Neves, auxilia na superação do estigma da doença.

As histórias, segundo ela, sempre precisam ter começo, meio e fim. “Não precisa ser final feliz, desde que exista uma solução. É ela que minimiza o sofrimento.” É preciso buscar o envolvimento do ouvinte, seja pela identificação com personagem ou história. “Se fizer eco, se fizer sentido, ele vai começar a ter um envolvimento emocional. A partir dessa catarse, pode identificar-se. E o desfecho daquele conflito do livro pode trazer para ele a possibilidade de desfecho de seus conflitos.” Ela afirma ter tido certeza de que dava certo quando soube que uma mãe enlutada tinha lido “Dona Saudade”, presenteada por uma amiga em comum, e espalhado o livro pelas outras pessoas afetadas pela perda de seu filho. Em outro caso, conseguiu, em sessão de psicoterapia, acessar até um trauma maior, fazendo uma senhora falar sobre o abuso sexual sofrido na infância.

Já os especialistas no ramo da biblioteconomia, ou aplicadores de biblioterapia, como descreve Clarice Fortkamp Caldin, deixam claro que a biblioterapia não é científica e não exclui os cuidados médicos. “Como arte, ela é criativa. Assim, o sujeito dela se vale para mitigar pequenos problemas pessoais. Cada um do seu jeito, usando a imaginação e de acordo com suas emoções”, diz ela. Para pessoas com problemas psicológicos sérios, pode ser auxiliar, sem ter a capacidade de cura. Mas dá seus resultados para quem embarca na viagem.

“Sabemos que o poder da boa literatura é profundo e transformador. Temos um feedback positivo de nossos clientes, que frequentemente voltam para mais sessões. Mas nós não nos advogamos como médicos. Somos doutores de livros!”, ressalta Ella Berthoud, da School of Life, que faz apenas atendimento individual. Para ela, funciona porque “você entra na cabeça de outra pessoa e vive outra vida por meio dos personagens do romance”. Essa experiência permite que se entenda melhor seus dilemas, se o livro for bem escolhido. “Você vê um personagem cometendo um erro e pode evitar fazer o mesmo. Outras vezes você vê os personagens superando as dificuldades, e isso dá a você, leitor, a resolução de resolver enfrentar a própria situação.” Fortalecido pela boa literatura ou por uma contação de histórias eficiente, ele tem a chance de estar mais apto a superar as dificuldades e os momentos de desânimo e de tristeza. Como se diz por aí, ler realmente faz bem, para a mente e para a alma.

quarta-feira, 2 de março de 2011

O nascimento das cidades-leitoras

Especialista em políticas públicas de promoção à leitura e implantação de bibliotecas reflete a respeito da experiência de Iepê

Por Edmir Perrotti*

Pequeno município do interior de São Paulo, Iepê vem há tempos trabalhando para se tornar uma Cidade-Leitora. Com isso, já está obtendo resultados que o destacam em avaliações estaduais e nacionais de Educação. Afinal, ter domínio do código escrito é, sabidamente, condição essencial e primeira de aprendizagem. Daí que apostar na leitura é tiro certo.

Todavia, cidades-leitoras não são obra do acaso, nem se constituem por magia, milagre ou decreto. Elas resultam de uma história, de visões e de opções políticas por educação de qualidade, por inclusão de todos nos circuitos do conhecimento e da cultura.

Não nascemos leitores. A formação de leitores é uma tarefa de vida toda. Ler não é um simples fato biológico. Apesar de envolver visão, neurônios e outros aspectos fisiológicos, é um ato eminentemente cultural, é produção de significados. Daí implicar, necessariamente, opções e ações políticas, mobilização pública, além de recursos que vão dos materiais aos saberes e competências diversas e especializadas. As cidades-leitoras somente podem ser formadas nesse movimento dinâmico e permanente envolvendo, além dos próprios leitores, autoridades, famílias, instituições culturais como bibliotecas, casas de cultura, escritores, livreiros, editores, educadores, agentes culturais e inúmeros outros mediadores.

Os sistemas educativos têm um papel central em tais processos. Assim, do ponto de vista das redes escolares, além da prioridade às aprendizagens necessárias à inclusão e apropriação da cultura da escrita, há que se orientar e preparar as equipes pedagógicas para atuarem nesse sentido. E, por equipes pedagógicas, entenda-se os quadros ligados direta e indiretamente à Educação, de autoridades postadas nas Secretarias de Educação aos professores. Pecam as iniciativas centradas exclusivamente nestes últimos. O ato educativo não é fenômeno isolado.

Insere-se numa trama constituída por diferentes agentes educativos com diferentes formações e funções.

O conhecimento não nos chega de pronto; é fruto de esforços e aproximações permanentes e indispensáveis. Daí demandar a adoção de políticas de formação continuada em leitura, tendo por alvo, como dissemos, os quadros profissionais que atuam na Educação. É preciso envolvê-los, torná-los leitores, antes de mais nada. Sem isto, não haverá solução.

Além disso, é preciso uma consciência clara de que não é possível formar leitores na atualidade sem considerar que a escrita vem ganhando contornos específicos de nossa época. Se continuamos a ler em livros, jornais, revistas, lemos também em outros e novos suportes que abrem possibilidades até então inexistentes para a escrita. Num mundo onde espocam mensagens de todo lado, é preciso aprender a ler os suportes tradicionais, como também, as telas dos computadores, o visor dos celulares, os outdoors nas ruas e muitos outros veículos contemporâneos que alteram a escrita e nossas relações com ela. Por outro lado, como no nosso tempo as mensagens escritas agregam outras linguagens, é preciso estabelecer conexões entre linguagem escrita e as linguagens orais, audiovisuais, gestuais, num processo dinâmico de mobilização e conexão multimidiática. Atentos à especificidade e às exigências de cada tipo de linguagem, é preciso colocá-las, todavia, em relação umas com as outras.

Neste século XXI precisamos colocar nossos estudantes em contato contínuo e vivo com as mais variadas fontes do conhecimento. Precisamos criar espaços múltiplos e dinâmicos de leitura e informação, na escola e fora da escola. Precisamos criar oportunidades diversificadas de aprendizagem, possibilitar experiências culturais alargadas aos estudantes nas chamadas “sociedades do conhecimento”.

Nesse sentido, as crianças e os jovens de Iepê não aprendem apenas a reconhecer os signos e utilizá-los para realizar seus deveres escolares; eles os utilizam nas mais diferentes situações cotidianas, em interações que se espalham da escola para a vida e desta para a escola, num movimento permanente de conhecimento e de reconhecimento do outro. A palavra e o mundo, como queria Freire, se conjugam. Vive-se e respira-se, no dia-adia de Iepê, a experiência da escrita em suas variadas manifestações.

Iepê permite vôos e sonhos altos a seus habitantes e a nós todos. Mais que um exemplo, um desafio é lançado! Que tal, caro leitor, sua cidade tornar-se, ela também, leitora?

* Edmir Perroti, professor aposentado da Universidade de São Paulo com mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação, assessorou projetos de promoção à leitura em diversas prefeituras, como as de Jaguariúna (SP) e São Bernardo do Campo (SP).

Fonte: Revista LeituraS nº 1

Iepê, cidade que lê

No município paulista de sete mil habitantes, livros não ficam em caixas nem param nas prateleiras

Reportagem de Maria Lígia Pagenotto
Fotografias de Luiz Dantas

Quando assumiu, há um ano e meio, a direção pedagógica da Escola Municipal de Educação Fundamental João Antônio Rodrigues, em Iepê, a 540 quilômetros da capital paulista, Ieda Maria Monteiro logo tratou de promover mudanças na biblioteca. Livros dispostos ao acaso em prateleiras escuras, paredes vazias e cores apagadas não combinavam com ela – um lugar assim, na opinião da pedagoga, jamais chamaria a atenção da criançada. “Biblioteca tem de ter vida”, prega.

A mudança começou pelas cores. Móveis escuros foram repintados em tons vivos. A mesa e as cadeiras para leitura foram trocadas de lugar na sala, de modo que o espaço fosse melhor aproveitado. Sofá macio, cortinas para diminuir a luminosidade e um tapete aconchegante terminaram por compor o novo ambiente. As paredes, porém, ainda pediam algo. “Foi então que recebemos uma coleção de arte, e tivemos a idéia de enquadrar os pôsteres”, lembra Ieda. Conta a pedagoga, ela mesma ex-aluna da escola e leitora voraz desde seus tempos de garota, que a Biblioteca Olavo Bilac existe há cerca de 30 anos e foi ela, junto com outros colegas, quem ajudou a criar o espaço.

Em cada classe, do 1º ao 5º ano, há um lugar batizado de “Cantinho da Leitura”, com estantes cheias de livros provenientes do acervo do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). “Quando chegam as obras, separamos o que pode interessar a cada ano. Uma parte fica na biblioteca enquanto outros livros são espalhados pelos cantinhos das salas de aula, para os alunos manusearem diretamente”, diz Ieda. A professora Marta Atencia, do 2º ano, explica que o sentido do “cantinho” é facilitar ao máximo o acesso da criança ao livro. “É para estimular, mesmo, a curiosidade deles. Deixo-os manusearem à vontade, disputarem o livro”, revela. Quem quiser, leva um para casa, que deve ser devolvido na emana seguinte.

Expressando o que sente

É nesta faixa etária, na qual a criança começa a se alfabetizar, que a professora explora ao máximo o recurso de contar histórias para os pequenos. Ela monta com os alunos fichas das palavras ouvidas durante a narrativa e, depois, pede para eles escreverem essas palavras. “É muito fácil ver os progressos na criança que tem mais estímulo para a leitura e sabe aproveitar isso – ela se diferencia das demais em todas as matérias”, acredita Marta, professora há 17 anos.

A mesma opinião tem Márcia Regina Costa Cardoso, professora do 5º ano. Ela chama atenção para os avanços conquistados nas aulas de Matemática, especialmente. “Os alunos não liam os problemas com atenção ou, se liam, não compreendiam – já queriam logo saber se era conta de ‘mais’ ou de ‘menos’ –, tinham preguiça de tentar entender”, recorda-se. Segundo ela, o quadro começou a mudar quando foi introduzida a pedagogia de projetos na escola. Com ela, a leitura, aos poucos, ganhou mais importância na escola. “No meu cantinho da leitura tem de tudo, estou sempre falando para eles levarem livros para casa, mostrarem para os pais, os amigos”, afirma Márcia. “Acho que com isso eles passaram a ler melhor nas entrelinhas. A Matemática ficou mais clara, o problema ficou mais fácil de ser solucionado”, diz.


A cada semana, a Escola João Antônio Rodrigues promove o projeto Sala de Leitura. Os alunos das diferentes séries escolares se revezam, então, para ouvir histórias contadas pela monitora Débora Adna Palma Rocha, de 20 anos, estudante de letras e ex-aluna da escola.

Ao final da leitura, realizada na biblioteca, eles são estimulados a produzir algum trabalho sobre o que foi lido. “Pode ser um texto, uma dramatização, um desenho, o que quiserem”, explica a jovem. Depois fazemos uma exposição num painel pregado na parede da biblioteca, e renovado semanalmente. “Nossa proposta, com isso, é fazer o aluno perder o medo de expressar o que sentiu com aquela leitura”, explica a pedagoga Ieda Monteiro.

Neste dia também cada aluno escolhe um livro da biblioteca para levar para casa. Depois, na sala de aula, quem quiser comenta sobre o que leu. “Não é uma tarefa obrigatória, mas sim uma forma de estimular o contato com o livro. Penso que se a criança não leu naquela semana, alguém da casa pode ter lido, ao menos folheado o livro”, argumenta Ieda.

Filhos e pais que lêem

 A professora da turma do 3º ano da João Antônio Rodrigues, Elcimara Gomes da Mota, acha que o livro, para os alunos de Iepê, desperta especial interesse porque se destaca na realidade doméstica das crianças. “O município é pequeno, poucos alunos têm computador em casa, o livro chama atenção”, argumenta. Para ela, um diferencial importante da escola está em envolver os pais nas atividades de leitura dos alunos. “Isso é feito nos finais de semana, quando acontecem oficinas de leitura. Os pais são incentivados a pegar livros na biblioteca e a escrever”, explica.

A responsável pela cozinha da João Antônio Rodrigues, Cássia Regina Pelim Damásio, é uma das mãesleitoras de Iepê, além de funcionária da escola. Suas três filhas herdaram o gosto pelos livros. “Adoro revistas e livros. O estilo varia – pode ser Érico Veríssimo, Machado de Assis ou Sidney Sheldon”, diz Cássia.

Sua filha mais velha, Carolina, de 22 anos, estudante de Direito, é responsável pela brinquedoteca de Iepê, que funciona junto à Biblioteca Municipal, na praça mais movimentada da cidade. Quem cuida deste espaço é uma organização não-governamental, a Amigos da Cultura, formada em sua maioria por jovens que curtem saraus literários e musicais – uma irmã de Carolina, Juliana, de 19 anos, também faz parte do projeto. Na brinquedoteca, Carolina promove oficinas de leituras com crianças, entre outras atividades. Ela gosta tanto das letras que, junto com o amigo Anderson Douglas da Silva, estudante de Pedagogia, animou-se a escrever e produzir um livro de poesias e reflexões, publicado com recursos próprios.

Primeiras leituras

Na Escola Municipal de Educação Infantil Dona Juventina Zago de Oliveira, para crianças de zero a seis anos, os alunos fazem poesias e participam de saraus, da mesma forma que os maiores. “Temos leitura todo dia e um cantinho para livros nas classes”, diz a diretora Vera Lúcia Braga Dias. “Eles estão começando a conhecer as letras. Eu leio e eles recontam a história a seu modo, atividade que adoram”, afirma a professora do Pré Eliene Nunes.

Rosicléia Barreto, mãe de dois alunos da escola, está feliz com o método utilizado e acha que se a criança não pega no livro desde pequena não aprende nunca a usá-lo. “Não tenho muito tempo para ler para minhas crianças, meu marido é quem lê. As crianças cobram da gente, trazem sempre livros para casa.”

No município só não tem contato com livros quem não quer mesmo. No Espaço Amigo Casa da Criança, mantido pela prefeitura, destinado a ocupar os pequenos com atividades fora do horário escolar, há uma sala especialmente dedicada aos livros infantis. Lá as crianças se sentam em roda e ouvem histórias, desenham sobre o que ouviram e produzem todo tipo de textos.


Município bem avaliado

Em Iepê parece haver um apreço especial pelas atividades literárias. “A leitura sempre foi bem trabalhada nas escolas aqui”, conta Maria Alves da Silva Ruela, assessora técnica da atual Secretária Municipal de Educação, Aliete Aparecida Bispo da Silva. No dia 24 de junho, data de fundação de Iepê, o município se mobiliza em torno de uma grande festa e os alunos das três escolas – duas municipais e uma estadual – apresentam seus trabalhos. Este ano muitos iriam recitar poemas produzidos ao longo do primeiro semestre nas salas de aula.

O incentivo à leitura já rendeu à cidade resultados quantificáveis, tanto no Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), realizado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, quanto no Prova Brasil, avaliação que veio complementar o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica e foi realizada, pela primeira vez, em 2005. Segundo dados da última avaliação, na qual, pela primeira vez, foi divulgado o desempenho de cada escola, a média da Escola Municipal João Antônio Rodrigues, a única administrada pela prefeitura, foi de 183,16 pontos em Língua Portuguesa e 187,33 em Matemática, no nível de ensino equivalente à 4ª série (o total possível era de 350 pontos). Para se ter uma idéia, esta colocação deixaria Iepê em quarto lugar em um ranking com todas as capitais de estado – só perdendo para Campo Grande (MS), Curitiba (PR) e Belo Horizonte (MG). A capital paulista teve médias bem abaixo disso: 160,42 em Língua Portuguesa e 166,86 em Matemática.

As escolas municipais não são obrigadas a participar da avaliação, mas a Escola Municipal de Ensino Fundamental João Antônio Rodrigues, segundo Ieda Monteiro, optou por ser testada já há três anos, com o Saresp. “É importante para nós, porque montamos nossos projetos didáticos baseados nos resultados das avaliações”, argumenta. A diretora da escola, Márcia Regina Maciel, assegura que o bom desempenho no Saresp e no Prova Brasil apenas corroboram os avanços que ela sente no dia-a-dia com as crianças. “Percebo que estão menos tímidos, conversam mais, interrogam. Acho que se realizam diante dos livros e os pais também notam as mudanças, tanto que comentam e procuram ler mais também”.

A mesma satisfação em ver os progressos dos alunos pode ser sentida na Escola Estadual Antônio de Almeida Prado. Em 2005, dois alunos – do 6º e do 7º ano – obtiveram 100% de acertos em Português na avaliação feita pelo governo estadual. “Sabemos que compreendendo o que lê, o aluno se sai melhor em todas as disciplinas”, afirma o diretor da única escola de ensino médio do município, Francisco Régis Zago. Como exemplo, ele cita o desempenho dos alunos na Olimpíada de Química do Estado. A escola foi uma das 100 selecionadas, entre cinco mil, para participar de um evento na capital paulista.

Parte do progresso obtido diante das palavras é creditado na escola ao professor de Português, Sílvio de Lima Rocha. Ele é responsável pelas aulas de leitura e assume que seu entusiasmo pelos livros tem contagiado os alunos. “Ensino a eles que quanto mais concentrados num texto, mais eles viajam, se tornam criativos. Na classe, mantenho uma estante de livros e digo que para aprender é preciso mergulhar no texto.”

Todas as salas de aula da Escola Estadual Antonio de Almeida Prado contam também com uma biblioteca de classe, montada com livros doados pelo MEC. Maria Damásio, responsável pela biblioteca da escola afirma que, embora o local seja muito procurado pelos alunos para pesquisas, sente falta de que os mais jovens retirem mais livros para deleite próprio, com o único objetivo de usufruirem o prazer de uma boa leitura. “Se eles soubessem o que perdem quando não lêem, não é?” Mas, para satisfação de Maria Damásio e outros adultos, os estudantes desta pequena cidade-leitora talvez estejam, aos poucos, descobrindo o que têm a ganhar mergulhando em páginas e mais páginas de boas histórias. É assim que a pequena Iepê já está fazendo a sua própria história.

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Portas e livros abertos à comunidade
Iepê tem uma biblioteca municipal com cerca de nove mil livros catalogados. Mas o trabalho ainda não foi concluído, segundo a responsável pelo lugar, Dorothea Zaganini. Há 10 anos no posto, ela conta que tem conseguido fazer da biblioteca um ponto de encontro importante dos jovens da cidade, seu sonho desde que assumiu.


“Estamos localizados na praça onde eles se reúnem, ao lado da lanchonete principal. Quero que eles gostem cada vez mais daqui”, diz. À frente do trabalho de catalogação está Angelita Maria de Souza, estudante de Letras, também integrante da ONG Amigos da Cultura. “Já fizemos muito sarau de poesias aqui. Sempre temos alguma programação”, explica.


Já a Biblioteca Olavo Bilac, da Escola João Antônio Rodrigues, tem um acervo de cerca de 4 mil obras. A estudante de Letras Débora Rocha, ao lado da pedagoga Ieda Monteiro, é quem ajuda a cuidar do espaço. “Temos um caderno de controle, para marcar que livro saiu, qual o autor, o gênero da obra, quando saiu e para quem foi. Cada pessoa pode ficar uma semana com o livro, mas esse prazo é renovável”, diz Ieda. Ela argumenta que não cobra multa por atraso porque não quer que ninguém tenha medo de pegar livro. “Isso pode assustar as pessoas”.


A biblioteca escolar é aberta a toda comunidade – qualquer pessoa da cidade tem acesso aos livros, revistas e também vídeos e DVDs.

Fonte: Revista LeituraS