Descubra como vemos as formas, percebemos os movimentos e distinguimos as cores neste artigo da neurocientista Simone Bittencourt
Por Simone Bittencourt*
Matéria publicada em 15/09/2010
O cérebro “vê” formas, movimentos, profundidade e cores usando estratégias de modo que nenhum computador atual é capaz de processar. Pesquisas em humanos e animais demonstram que cada área do córtex cerebral visual é responsável por determinada função. Assim, enquanto uma área “vê” distância e profundidade, outras áreas “veem” posição, movimento, tamanho, cor ou formato do objeto. Uma hipótese sobre o processo eletrofisiológico e bioquímico que envolve a nossa capacidade de enxergar e identificar letras e objetos é: os disparos elétricos dos neurônios, na área responsável por identificar objetos, são específicos para cada imagem. Ou seja, os neurônios têm a capacidade de disparos elétricos que oscilam entre 30 e 70 vezes por segundo - um disparo específico é responsável por identificar um objeto particular, quando há disparos na área de identificação de objeto. Dessa forma, enxergamos a letra “A” porque ondas elétricas que identificam a letra “A” na nossa mente são disparadas na área de identificação de objetos. Cada objeto possui a sua ativação elétrica, e, assim, nossa mente “lê” cada letra durante uma leitura. Nesse sentido, podemos dizer que conseguimos ler por meio de impulsos elétricos disparando em certo compasso de tempo e ritmo.
Durante o processo da visão, outras áreas do cérebro também são ativadas; quando enxergamos um objeto, automaticamente lembramos fatos, histórias, paladar, tato etc. Essa complexidade do sistema é o que o torna ainda pouco entendido.
Como enxergamos?
Enxergamos porque existe luz. A luz penetra no cristalino do olho e é projetada para a retina, que é composta por um conjunto de células fotoelétricas que transformam a luz em sinais elétricos. Por meio de nervos ópticos, esses sinais elétricos são transportados até o córtex visual, região responsável pela tradução dos estímulos elétricos em imagens dentro de nossas mentes. Nos deficientes visuais totais, os sinais elétricos não chegam até o córtex visual pelo estímulo luminoso. No deficiente visual que utiliza o sistema de leitura por meio de Braille, durante o processo de aprendizado da identificação dos sinais pelas pontas dos dedos, os neurônios localizados apenas na área do tato começam a fazer novas conexões para áreas da visão - o deficiente adquire uma “visão tátil”. Assim, durante a leitura por Braille, áreas visuais, táteis e da linguagem são ativadas simultaneamente, podendo transmitir palavras, pensamentos, ideias e emoções para a mente do deficiente visual da pessoa.
Quanto mais jovem o indivíduo, mais fácil treinar o cérebro, mais fácil formar novas conexões. O cérebro é dinâmico e ativo, adapta-se incessantemente às necessidades do organismo, se treinado para isso.
Qual o mecanismo de interpretação utilizado por nossa mente para conseguir ler e compreender um texto?
“De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em
qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a
piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma ttaol
bçguana que vcoê pdoe anida ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos
cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo”
Essa é a versão em português da frase contida numa tese de doutorado defendida na Universidade de Nottinghan na Inglaterra, na qual o pesquisador sugere que o cérebro é flexível no processamento da leitura e, assim, não precisa da ordem das letras nas palavras para que haja compreensão do texto, só importando a ordem da primeira e última letra de cada palavra. Todavia, não parece ser totalmente verdade se o contexto não for familiar ou a maioria das palavras tiver 8 letras ou mais.
Abaixo está um texto que construí com base na mesma técnica de letras aleatórias dispostas no meio das palavras:
Snietlao que a ntsialarepuocdide é um fônnmeeo itaesstnerne e iuensátoivnqel, cumonteme euddsato no detmnarteapo de nsoglooifirieua, odne iamcsestntnenee pssuqoaiems fmoôneens ismpncieovírenes, mas de eraándxtrioiro iamctpo madniul.
A leitura não parece ser tão fácil agora. Isso porque as palavras são maiores, o que leva nosso cérebro a gastar um tempo maior tentando compreender qual a ordem correta das letras. Talvez uma razão pela qual não escrevemos tão rapidamente quanto podemos pensar seja porque nossa mente escolhe a gramática correta para a comunicação, a gramática aprendida. É importante uma ordem de letras para que nosso cérebro consiga ler de forma mais rápida. Mas ainda não temos respostas para várias questões sobre o processo de linguagem, devido a sua complexidade.
A propósito, a frase acima grafada de maneira correta seria:
Saliento que a neuroplasticidade é um fenômeno interessante e inquestionável, comumente estudado no departamento de neurofisiologia, onde incessantemente pesquisamos fenômenos incompreensíveis, mas de extraordinário impacto mundial.
* Simone Bittencourt é doutora em neurofisiologia e pesquisadora do departamento de fisiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
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Referências Bibliográficas:
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Fonte: Univesp
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