A 'biblioterapia' consiste em conversar com o “paciente”, escutar seus problemas, seus gostos, e recomendar títulos que podem ajudá-lo
Martín Caparrós
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‘Menina lendo’ (1850) de Franz Eybl.
O número caiu em minha cabeça e quase me machuca: o mundo produz um novo livro
—um título novo, milhares de exemplares de um título novo— a cada 15
segundos. São mais de dois milhões de títulos por anos; uma tiragem
média de 2.000 exemplares vira 4 bilhões de volumes que inundam o
planeta todos os anos, árvores caindo em profusão, uma chuva de livros
pior que o pior dos dilúvios, um tsunami de livros. Era, com certeza, mais do que o suficiente para me convencer a não escrever nunca mais —e, entretanto.
Todos caem na armadilha-livro: o livro é uma marca de prestígio.
Mesmo sendo tantos, mesmo sendo tão díspares, a categoria livro conserva
sua reputação: pensamos livro e pensamos em um objeto respeitável,
portador dos saberes que o mundo necessita. As categorias são
dissimuladas: pensamos livro e damos a todos o prestígio que alguns
poucos merecem. Caímos fácil na tentação de achar que o primeiro Dom Quixote e o último MasterChef
têm algo em comum —porque os dois sujam de tinta um bloco de papel
unidos pela lombada. E seus fabricantes, não faltava mais nada,
aproveitam a confusão: pedem condições especiais, melhoras impositivas,
privilégios que o prestígio do objeto livro supostamente justifica.
Reivindicam a importância cultural das elucubrações de Mariló Montero e Paulo Coelho, defendem o peso social do Horticultor Autossuficiente e o Manual Prático para Falar com os Mortos.
Mas existem livros que mudam sua vida. Ou, pelo menos, é isso que
dizem os “biblioterapeutas” da School of Life, uma instituição dirigida
em Londres pelo filósofo best-seller Alain de Botton.
“A vida é muito curta para ler livros ruins”, diz sua apresentação, “o
problema é que, com milhares de livros publicados, é difícil saber por
onde começar”. Eles querem guiá-lo e, para começar, explicam as
vantagens dos livros. Para mim, que nunca soube por que lia ou escrevia,
foi uma revelação atrás da outra —ou quase:
—que ler parece uma perda de tempo, mas na realidade é uma economia
enorme, porque apresenta conjuntos de fatos e emoções que você levaria
anos, séculos para viver;
—que ler é entrar em um simulador de vida que o leva a testar sem perigo todo tipo de situações e decidir o que lhe convém mais;
—que ler produz a magia de mostrar como os demais veem as coisas e
então mostra as consequências de suas ações e isso o faz, dizem, ser uma
pessoa melhor;
—que ler o faz sentir menos sozinho porque mostra que outros pensaram
as coisas estranhas que você pensa, que souberam colocar em palavras
que lhe descrevem ainda melhor do que você mesmo poderia;
—que ler o prepara para isso que a crueldade do mundo moderno chama
“fracassar”, mostrando a falsidade, a banalidade disso que o mundo chama
“sucesso”.
Para isso, dizem, não podemos tratar a leitura como um
entretenimento, um passatempo de férias, mas como um instrumento para
viver e morrer com mais sentido e sabedoria. Ou seja: uma terapia. A
biblioterapia, sua criação, consiste em conversar com o “paciente”,
escutar seus problemas, seus gostos, suas experiências de leitura e
recomendar-lhe três ou quatro livros que podem ajudá-lo melhor. Cada
consulta não custa mais do que 110 euros (383 reais) —uns cinco ou seis
livros. Mas ainda não existem estudos sobre sua eficácia; por enquanto
sabemos que a biblioterapia já chegou à França —e ameaça cruzar os
Pirineus.
Fonte: El País
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